O que passou e o caminho a seguir

Em meio a cuidados de uma bebê de um ano e para não esquecer de limpar tudo com água, sabão e álcool gel quando necessário, as últimas férias também foram um período para uma breve e tímida tentativa de leitura. Apesar de escassas, renderam.

Destaco dois textos que acabam sendo um farol para o campo da esquerda em tempos pandêmicos de bolsonarismo no Brasil. “Dentro do Pesadelo”, um artigo de Fernando Barros e Silva na edição 164 da revista piauí, e o livro “Amanhã Vai Ser Maior”, de Rosana Pinheiro-Machado.

O primeiro é daqueles textos ainda raros na imprensa brasileira, com palavras certas em tons adequados. Grave. Há uma tendência no jornalismo brasileiro – e acabo por estar nisso – de amenizar o adjetivo ante a uma situação conflitante. Costumam sair termos como “racista” e “machista” para dar lugar ao vago “polêmico”.

O texto na piauí, porém, como o próprio nome já sugere, remete a algo pesado de alguém que cobriu a última eleição presidencial e o primeiro ano e meio do novo governo. Não que o que esteja acontecendo não pudesse ter sido esperado, vide a trajetória anterior do atual ocupante do Planalto. E aponta “cegos”, “omissos” e “cínicos” (inclusive nós, da imprensa) ao longo deste caminho:

O que define o bolsonarismo é o desprezo pelo Congresso, pelos partidos, pelas instituições, pela imprensa livre, pela sociedade civil organizada. Ele gosta do caos, ele gosta de dar tiros. Sua opção política funciona porque ele tem o Exército às suas costas. O projeto autoritário de Bolsonaro passa pela atrofia do poder civil e do estado laico, dois pilares da vida democrática.

Os tempos são duros, em especial para quem pensa à esquerda do espectro político. De 2016 pra cá, duras derrotas em diferentes níveis. Mas esse cenário começou a se desenhar quando, afinal? E o que fazer agora? Rosana Pinheiro-Machado, se não tem uma fórmula mágica, traz contexto e projeções em seu livro – um dos que mais fiz marcações na vida.

É preciso, explica ela, entender onde, quando e porque esse movimento de extrema-direita teve início para evitar novos erros que levem a futuras derrotas. Não basta apenas encher a boca e gritar “Eu avisei” na cara de qualquer um que esteja insatisfeito ou arrependido com o que está acontecendo. Vai ter que ter muito diálogo para começar a tentar a reverter a situação.

O que ocorreu no Brasil não se deu em função de um surto coletivo, mas de um não rompimento com nosso passado autoritário e com as estruturas que perpetuam a desigualdade.

Crise de quem?

cirkula

Houve um desafio e tanto sugerido pelo Carlos Corrêa uns dias atrás. Destrinchar esta crise no mercado literário, após os pedidos de recuperação judicial de Cultura e Saraiva. Se há uma impressão – comprovados por índices de mercado – de que as pessoas leem cada vez mais, como assim essas perdas milionárias? Que é crise é essa, afinal?

Ele falou comigo e com o sabido do Luiz Gonzaga Lopes para tocar a pauta. Entre pesquisas, ligações e entrevistas, foi surgindo uma reportagem, que é está na capa do +Domingo, do Correio do Povo deste 9 de dezembro de 2018.

Na minha contribuição, entendi um pouco mais este pequeno universo das livrarias de bairro. Desde como podem funcionar bem quando em parcerias até o poder de revitalização que conseguem gerar – quem não gosta de ter uma simpática livraria por perto – e sem precisar ir até um shopping center?

Outra coisa, descobri que hoje é bem mais fácil – e quiçá até lucrativo – publicar um livro. Com custos caindo até 40% na comparação com o ano passado. A crise, então, é de quem? Ah, e-books? Bom, isso é coisa só de quem lê vorazmente. Em pleno 2018, quase 2019, o consumo de literatura é algo sensorial. “As pessoas gostam de sentir o cheiro do livro”, disseram-me dois entrevistados, em diferentes contextos, ao longo da apuração.

Enfim, o texto no todo é grande e tem a opinião de muita gente do meio a respeito do mundo dos livros – especialmente nas bandas aqui do Sul. A versão online está disponível neste link.

ps: da minha parte, fiquei feliz em conhecer a livraria Cirkula – que também é editora e café. Daqueles recantos literários apaixonantes que encontramos bairros afora. Recomendo este passeio, caro(a) leitor. Fica ali no Bom Fim. 

ps2: no fim do ano passado, por ocasião dos dez anos deste blog, subi no Issuu um arquivo de word mal diagramado que defini como “quase um e-book”. Com a matéria, descobri que hoje é até fácil publicar um livro. Quem sabe um dia, quem sabe.

A memória de um 11 de setembro

museu memoria

Ainda lembro bem daquela terça-feira. Assim que cheguei da aula, por volta do meio-dia, soube de todo o ocorrido. A TV não parava de passar aquelas imagens. As torres gêmeas de Nova York atacadas e posteriormente caindo. Parecia cena filme holywoodiano. De lá para cá, muita coisa mudou.

Mas bem antes de 2001, houve um outro e lamentável 11 de setembro. Em 1973, no Chile. Aquele 11 de setembro alterou a vida de um país inteiro e junto dele afetou diretamente a vida de cerca de 40 mil famílias.

Conheci um pouco mais a história e a narrativa daquele dia – e dos anos seguintes – durante uma visita ao Museu da Memória e dos Direitos Humanos, em Santiago, em abril passado. É um lugar forte, de reflexão.

Entrevistei o diretor do museu dias depois. Virou matéria pro Correio do Povo, porém aqui vai o texto completo, livre das limitações de espaço. Uma entrevista na qual se ressalta: é importante lembrar para não esquecer.

“Democracia é uma construção coletiva”

Museo memoria

40 mil histórias contadas | Foto: Divulgação

“É importante educar em uma nova cultura de respeito, de bom trato, da ética dos direitos humanos, recordando o que aconteceu, mas ajudando as pessoas a refletir sobre o que está acontecendo agora com esses temas, com nossos indígenas, com os temas de gêneros, a migração, entre outros”, conclui Francisco Estévez.

Estévez é chileno e trabalha em Santiago, mas sua fala poderia ser adaptada a diferentes realidades e sociedades da América Latina – e também do mundo, nesses tempos de polarização. Ele é o diretor do Museu da Memória e dos Direitos Humanos, um dos 15 museus mais populares do continente e o mais visitado do Chile.

Se museus normalmente levam a um passado que pode vir a despertar curiosidade ou mesmo nostalgia, o Museu da Memória, não. Dentro do prédio – projetado por arquitetos brasileiros – o conteúdo remete a um período sombrio do país: a ditadura, que durou de setembro de 1973 até março de 1990. E que deixou um saldo oficialmente reconhecido de 40.018 vítimas, sendo 3.065 mortos ou desaparecidos.

O convite à reflexão ocorre de forma interativa. No museu, pode-se desde ouvir o último discurso do presidente deposto Salvador Allende, no fatídico 11 de setembro de 1973, a ver a cobertura jornalística da época da reabertura. Isso passando por lembranças dolorosas em memória das vítimas, dispostas ao longo dos três andares da casa.

Com a democracia chilena se aproximando dos seus 30 anos – e com alternância entre esquerda e direita no poder – Estévez crê que seja necessário não esquecer do período sob o general Augusto Pinochet. Principalmente para que uma época dessas não ressurja.

“Na América Latina, estamos vivendo um ressurgimento de posições negacionistas, que pretendem revisar e justificar o que aconteceu na ditadura. São provocações na hora de revisar os atos de violações cometidos pelo Estado chileno, argumentando que não haveria incorrido nenhum abuso de direito”, diz. “Este é o nosso maior desafio como museu.”

Citando uma pesquisa a qual atestou que 57% dos jovens chilenos que cursam o oitavo ano do ensino básico concordaria viver em uma ditadura desde que ordem e segurança fossem garantidas, ele afirma: “É importante que todas estas gerações dialoguem sobre o tema”.

Recheado de histórias individuais e coletivas, por meio de fotos, vídeos, documentos e gravações, o museu foi visitado por cerca de 150 mil pessoas no ano passado. Os visitantes foram oriundos de 187 países, sendo Brasil e Estados Unidos a maior parte dos estrangeiros que passaram por lá. Houve também “um aumento significativo” de venezuelanos que repassaram a história da ditadura chilena, segundo Estévez. O Chile, por sinal, é um dos destinos mais procurados pelos venezuelanos que optaram por deixar o país nos últimos anos.

Encarando a história

Mas que história é essa? Passadas quase três décadas, debater ditadura no Chile segue como um tabu. Igualmente como em outros lugares, há quem denuncie e quem apoie. “Opositores do museu reclamam do caráter não-histórico da iniciativa, já que somente mostra uma parte da ‘verdade’, aquela que dos ativistas da esquerda e partidários da Unidade Popular. Consideram que o período entre 1973 e 1978 (até a promulgação da lei da Anistia) correspondente a uma situação de guerra interna. Assim não haveria vítimas e sim baixas de guerra”, explica Estévez.

Não é só. “Alguns intelectuais exigiam a inclusão de um ‘contexto histórico’, no qual estaria marcado pela deterioração do processo democrático chileno, o que explicaria a extrema repressão depois do 11 de setembro. Neste caso, não negam as atrocidades da ditadura e ainda menos a necessidade de um lugar de memória, mas igualam a retórica revolucionária do governo de Allende com a violência do golpe”, acrescenta. Para esses – contextualiza Estévez – o golpe militar se deu pelo medo do comunismo e a ameaça de um processo semelhante ao que aconteceu em Cuba.

“Uma luta memorial segue presente entre quem disputa o status de vítima. No entanto, hoje em dia a interpretação histórica favorece majoritariamente aqueles que sofreram as atrocidades da ditadura”, conclui o diretor do museu.

Críticas na internet

Esse embate acaba se transferindo para a internet. “Há certo ódio que recebemos diariamente nas nossas redes sociais. Isso porque há pessoas que negam o ocorrido”, avalia Estévez. Ainda assim, a página oficial do museu no Facebook tinha, no início de agosto, uma avaliação de 4,6 numa escala que vai até 5. Além de 152,7 mil fãs.

Entre junho e julho, a página do Museu da Memória e dos Direitos Humanos no Facebook recebeu 32 avaliações ou recomendações. Dessas, sete foram negativas – com duas estrelas ou uma, numa escala de até cinco. “A memória tem que ser um conjunto da sociedade e não de um setor político”, criticou Christian Chamorro, cuja foto de perfil é um capacete medieval. Já uma mulher, identificando-se como Ines Canales e com uma foto de cachorro no perfil, apenas justificou sua única estrela ao museu com a frase: “Humanoides desgraçados”.

Apresentando-se como um chileno morador de Nova York, Cristian Subiabre foi mais enfático em sua crítica: “Isso é uma mentira, feita para branquear os assassinatos e atrocidades da esquerda, ainda impunes”, postou, citando um político comunista que, segundo ele, seria responsável direto por pelo menos seis assassinatos. “O museu não vai falar sobre isso.”

No lado real, o museu reconhece que já foi alvo de protestos ao longo de sua história, mas sem ataques diretos às dependências, onde, na entrada, está a declaração universal dos direitos humanos, proclamada pela ONU, em 1948.

Democracia

Francisco Estévez afirma que o museu procura estabelecer canais de diálogo, inclusive na internet, quando lançou uma campanha #quepasasiolvido (o que acontece se esqueço). “Temos muita gente que nos ataca, mas a satisfação que outros defendem a oportunidade de ter um lugar que recorda o que nunca mais deve acontecer em um país: a violência exercida do Estado com a destruição da democracia”.

E democracia, na opinião dele, é “uma construção social, política e cultural”. Logo, é algo que corre riscos. “A democracia é uma responsabilidade comum, coletiva e cidadã. E quando isso se abandona então a democracia fica em um estado de fragilidade”, define. “Efetivamente se requer um compromisso permanente de educação e também um envolvimento dos atores sociais, os jovens e a política.”

Numa época de polarização extrema, tempos como os que o museu reporta podem voltar. E até por isso Estévez valoriza a importância do Museu da Memória e dos Direitos Humanos: “O que acontece é que se esquece que nunca, na democracia, é aceitável dar um golpe de Estado para resolver os antagonismos políticos”.

 

Certa vez na Copa

Era uma manhã gelada, aquela. Uma quarta-feira às vésperas de começar o inverno em Porto Alegre. Mas era mais um dia de Copa do Mundo, logo depois de a ficha do que seria aquele evento ter começado a cair para os porto-alegrenses.

holandeses

Apesar do sol, o frio no Centro se fazia presente. Azar o dele. O coração da capital gaúcha, o Largo Glênio Peres, foi sendo tomado por pessoas de laranja desde as 8h. E pessoas dispostas a fazerem festa, sem a menor dúvida. Era a Orange Square, tradicional evento que torcedores da Holanda realizam nas cidades em que a sua seleção joga.

Pouco a pouco acabaram-se os espaços – e, logo depois, a cerveja de todo o Mercado Público de Porto Alegre. Música e alegria contagiantes na sisuda manhã de Porto Alegre, bem onde muito do proletariado da cidade passa indo para o trabalho.

Por falar em proletário, por volta das 9h, um repórter chegou por lá. Eu, no caso. Porém, tenho uma falha de formação: não falo inglês e, muito menos, holandês – que mais parece um alemão avançado nas consoantes. E eu precisava falar com aquele público.

Menos mal que a tecnologia pode a nosso favor neste mundo globalizado. Decidi, então, recorrer a ela, mais precisamente na forma do meu celular. Copiei três perguntas-padrão e colei no app do Google Translator: português para holandês.

Feito isso, parti para a abordagem: “Do speak english?”, perguntava. Quando a resposta era afirmativa, mostrava o celular e pedia para esperar um segundo. Trocava o aplicativo e ligava o gravador. Um trabalho que se repetiu quatro ou cinco vezes, mas foi menos complicado que escrever alguns dos nomes dos entrevistados.

Depois disso, voltei à redação do Correio do Povo e entreguei o celular a um amigo fluente em inglês: “Ó, traduz”. Ao fim, na raça, rendeu uma matéria contando um pouco do clima. Em seguida já sai, via Caminho do Gol e cantarolando com a Factor 12 (tradicional banda que acompanha a seleção holandesa) até o estádio.

Dentro de campo, a Holanda ganhou da Austrália em uma bela partida de futebol, por 3 a 2. Mas os australianos pouco se importaram. Minutos depois e a Banda da Saldanha, tradicional reduto do samba em Porto Alegre, ao lado do Beira-Rio, estava amarela de tanto australiano. Dizem que muitas cervejas e cangurus de plástico voaram por lá, naquele fim de tarde.

À noite, holandeses e australianos novamente se encontraram, com predominância dos de amarelo sobre os de laranja.E uma alegria ensandecida sem fim.

australianos

Fecharam a principal rua do bairro mais boêmio de Porto Alegre, numa clara prova de que a Copa nunca esteve restrita à elite ou ao que acontecia dentro ou nos arredores do Beira-Rio. A Copa foi de todos, nos dias mais legais em que a minha cidade já viveu.

Sobre audiência. Ou momento confessional nº 15

Jornalistas não deixam de ser movidos, uns menos outros (muito) mais, a ego. Ao escreverem, falarem ou narrarem histórias querem serem lidos, ser repercutidos. Em certos casos vale a máxima “falem mal, mas falem de mim”.

Mas quem vive o dia a dia de uma redação online volta e meia se decepciona ao ver os índices de audiência. Não raro, aquela matéria apurada, trabalhada ao longo de dias, tem metade das visualizações, ou nem isso, de algo feito às pressas, com assunto banal.

É chato, mas com o tempo a gente até se acostuma.

Pois bem. Isto aqui não é uma redação online, é apenas um blog. Dos antigas, reconheço. A Telha do Tiago como projeto completa uma década de vida em agosto próximo – este endereço está quase completando nove anos. E algo que, admito, me dá um certo orgulho é ter atualizado – nem que seja uma vez por mês – em todos os 105 meses desde o longínquo primeiro post desta página.

No entanto, o que me deu ainda mais orgulho foi ver a repercussão de uma matéria, que foi publicada originalmente no Correio do Povo em 2013, e mais tarde postada aqui como uma espécie de votos de feliz ano novo, em janeiro de 2014 – que acabou sendo, de fato, um ano feliz. O texto trata da virada de jogo que a judoca Taciana Lima deu em sua carreira. Um verdadeiro recomeço aos 29 anos de idade, que será coroado em agosto, quando ela disputará os Jogos Olímpicos Rio-2016 defendendo Guiné-Bissau.

Dia desses passei a matéria para ela, que publicou em suas redes sociais. Logo o número de acessos do blog deu um grande salto. Tanto que domingo passado quebrou o recorde de visitas em um mesmo dia – e visitas de todos os cantos do mundo. O recorde anterior durava desde 2008, época de outra edição dos Jogos Olímpicos.

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Olha por onde a história da Taciana passeou em menos de uma semana

Só me resta agradecer: obrigado, Taciana. Pelo exemplo. E por dar a alegria de um jornalista ver uma matéria mais especial ser bastante lida e repercutida. Trabalhamos por boas histórias, apesar do nosso ego.

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Sorte nos Jogos, Taci!

Por mais boas histórias

Não sou lá de fazer resoluções de ano-novo. Mas, para 2014, torço por mais boas histórias, como a da judoca Taciana Lima, que em 2013 deu uma reviravolta na sua vida esportiva e pessoal – e eu tive a oportunidade de reportar. Após conhecer o pai biológico quase aos 30 anos, foi acolhida e virou ídolo em um país tão carente de ícones: Guiné Bissau. O texto aí abaixo é antigo, foi escrito em abril e se não fossem os protestos de junho teria sido publicado em revista de circulação nacional. Ao menos saiu no jornal – cujo PDF está disponível aqui.

Tinha esquecido de publicar aqui, mas antes tarde do que mais tarde ainda. A Taciana que o diga.

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A virada de Taciana

Taciana Lima virou o jogo. Ou melhor, aplicou um ippon e tanto na realidade, aos 29 anos. Após o “pior momento da vida”, no qual ela foi impedida de lutar por 15 meses devido a uma suspeita de doping, a judoca da equipe gaúcha Oi/Sogipa naturalizou-se cidadã de Guiné Bissau, venceu o Campeonato Africano e de quebra voltou às primeiras posições do ranking olímpico, transformando o sonho de disputar o Mundial em realidade.

O mês era junho de 2011. Taciana brigava ponto a ponto com Sarah Menezes pelo posto de número 1 do Brasil na categoria ligeiro. No fim de maio conquistara a medalha de bronze na Copa do Mundo de São Paulo e lá se submeteu ao teste antidoping, cujo resultado apontou positivo para a substância Furosemida. Era o início do abismo. A contraprova só saiu mais de ano depois, quando os Jogos Olímpicos de Londres já tinham passado.

Enquanto Sarah conquistava a medalha de ouro e se consagrava como uma das principais atletas da modalidade no Brasil, Taciana procurou não baixar a cabeça: “Eu fiquei uma semana sem treinar. Depois não parei”, conta. “Fui atrás do jiu-jitsu e consegui melhorar uma deficiência que tinha e me prejudicava no judô. Não passou pela minha cabeça em nenhum momento parar. Até porque, na minha consciência, eu sei o que tinha acontecido. Eu queria só que se esclarecesse”.

Mas não foi fácil. “O pior momento não foi nem a situação, foi a espera de não saber nada. Nesses 15 meses chorei todos os dias”, recorda. “O único dia foi quando eu fui campeã mundial de jiu-jitsu. Eu estava numa euforia e não consegui lembrar da situação.”

Mal sabia ela, entretanto, que a sua virada de jogo havia começado muito antes. Justo após uma derrota para Sarah Menezes, na seletiva que formou a equipe brasileira para as Olimpíadas de Pequim. Nascida em Pernambuco e radicada em Porto Alegre desde criança, Taciana não conhecia o pai. E nem se interessava: “Meu padrasto me criou desde os três anos. Minha mãe sempre me falou que meu pai não era brasileiro, mas eu não sabia nem o nome. Nunca tinha nem procurado saber”.

A derrota naquela ocasião a fez rever a conceitos: “Eu perdi uma seletiva olímpica e não sei. Deu um estalo e veio meu pai na minha cabeça. Cheguei em casa e foi a primeira coisa perguntei para minha mãe. Ela disse que ele era um cara muito bom, veio estudar e depois foi embora e nunca mais teve contato”. Num mundo com internet, o Google – e a embaixada de Guiné no Brasil – deram uma força para o contato. “No dia seguinte ele me ligou.”

As conversas por telefone e via internet, contudo, só foram trocadas por um abraço de verdade no fim de 2012, quando a judoca conheceu a família africana no feriado de ano-novo, do outro lado do oceano. “Tenho três irmãos mais dois adotados lá e mais duas aqui”, diz, sem esconder o sorriso. “Da noite para o dia, o que eu tenho é irmão.”

A felicidade com a nova família consolidava a reta ascendente na vida e na carreira da atleta da Sogipa. Dois meses antes do encontro, Taciana foi autorizada a competir e já no primeiro torneio, no Grand Prix de Abu Dhabi, ainda lutando pelo Brasil, voltou ao pódio e conquistou a medalha de bronze.

A experiência nos primeiros dias de 2013 em Guiné Bissau a fizeram refletir e tomar uma decisão que poderia ter acontecido quatro anos antes: obter dupla cidadania. A burocracia foi vencida em março e, no mês seguinte, Taciana Lima, agora também Baldé, estreava defendendo a nova bandeira no Campeonato Africano. Lá, foram três lutas, vencidas com três ippons, que consolidaram a volta por cima: garantiram-na no Mundial-2013 de agosto e no Masters, torneio que reúne apenas os top-16 do mundo.

Multicampeã pelo Brasil, Taciana não se deu conta na hora do que fizera por Guiné Bissau ao subir no topo do pódio. “Já fui adicionada no Facebook mais de 1,5 mil pessoas e recebo muitas mensagens de pessoas dizendo: ‘Em toda minha vida você é a pessoa que mais me trouxe felicidade, mais orgulho de ser guineense’”, exemplifica. “No Brasil é normal o atleta subir no pódio, subir a bandeira. Para eles não. Mexeu com o país.”

Após a façanha, ela volta a lutar por Guiné nesta semana, no Masters, na Rússia. Em seguida, disputa torneios em Lisboa e Madri. A programação se estende até o Mundial, o primeiro na carreira, e no Rio, onde ela deve ser assistida ao vivo pelo pai: “O objetivo maior é o Mundial, é um sonho que sempre tive. As pessoas até falam, são muito pela Olimpíada. É óbvio que tenho os sonhos dos dois, vi o João (Derly) ganhar dois Mundiais”. O fato de ser no Rio de Janeiro também é comemorado: “É um custo a menos também. E lutar no aqui vai ser maravilhoso”.

Renascida para o judô, Taciana também se move por uma motivação especial, de desenvolver o judô em Guiné quando se aposentar. “Posso fazer mais. Passar para os outros o que aprendi todos estes anos”, garante. Mas o plano é para o futuro. Agora, depois de transformar todo o sofrimento e motivação, ela busca medalhas e suspira: “Eu brinco, mas é verdade, agora sim a minha história de vida está completa”.

Daquilo que a gente vive

Mercado Não completei nem cinco anos de carreira ainda. E bem como me avisavam lá pela época da minha formatura – no glorioso 9 de janeiro de 2008 – que o jornalismo é um ofício único, apesar de ele nos testar com frequência ao longo do tempo – seja pela pressão, por uma fonte mentindo ou, principalmente, pelo salário ao fim do mês.

Ser jornalista é maravilhoso e ao mesmo tempo deprimente. É ter acesso a muita coisa e saber sobre muitos bastidores e, por vezes, não poder escrever uma linha sobre o assunto. Mas, acima de tudo, é poder ser testemunha ocular da realidade levando informações, boas e más, a milhares diariamente.

E é, em determinados casos, ir para o trabalho sem ter hora para voltar.

O ano de 2013, que nós recém chegamos ao seu segundo semestre, já me foi muito marcante por – até agora – duas coberturas em especial (além de um grande aprendizado). A primeira na madrugada de 28 de janeiro, em que bati meu ponto às 23h de 27/01 na redação e sai quase com o sol nascendo.

Não estive perto de Santa Maria, cidade que nem conheço, mas creio que naqueles dias Santa Maria estava presente em todos nós. Ter que prestar atenção em todo relato de vítimas, testemunhas e autoridades, editar cada texto enviado, me fez quase chorar ao longo de horas solitárias na minha mesa. Foi difícil ser repórter quando todo mundo a volta era humano. Doeu muito aquela melancolia infitina.

Mercado (3)A segunda forte e inesperada cobertura foi poucas horas antes de eu escrever estas linhas. Ouvi no rádio incrédulo que o Mercado Público de Porto Alegre pegava fogo. Muito fogo. Poucos minutos depois deixava a redação literalmente correndo em direção do prédio histórico, distante a cerca de 500 metros do jornal.

Com certeza arregalei os olhos quando vi a primeira labareda muitos metros mais alta que o telhado. Enquanto deixava escapar um “Puta que pariu” incrédulo, avancei. O Mercado Público ardia em chamas havia pouco mais de 25 minutos naquele momento em que cheguei.

Nunca fui um frequentador assíduo do Mercado Público – e até me cobro um pouco por isso, porque aquele prédio amarelo é um dos principais símbolos da minha cidade. Mas enquanto batia fotos e gravava vídeos me veio uma grande tristeza, sentimento compartilhado por bombeiros e outros com quem conversei por lá. Era como assistir a derrocata de um bom e velho amigo.

Mercado em chamas

Na hora, reparei nas pessoas em volta. Acho que o sentimento era parecido ao ver aquele pavilhão sendo consumido por labaredas de hoolywoodianas. Numa cidade que tem vivido tantos conflitos de ideais, uma causa unia a todos: a tristeza. Fui, mais uma vez, testemunha ocular da história.

Entre fotos, vídeos, impressões e ligações me peguei trabalhando arduamente e arrepiado outra vez, tal como em janeiro. Coisas que a reportagem proporciona.

Outra vez muido apenas com um celular, fiz essas fotos e gravei estes dois vídeos:


O que aprendi nas ruas

fotoCentenas de jovens nas ruas reclamando de algo é uma situação. Centenas de jovens voltando às ruas por dias e dias seguidos é outra. E aqueles que mantêm uma rotina dessas não podem simplesmente ser taxados de “vagabundos”, “baderneiros” ou “vândalos”. Há muito mais complexidade nesta massa do que apenas transtornos no trânsito ou mera “baderna”.

Talvez eliminar este pré-conceito tenha sido o maior ensinamento que tive como jornalista nos primeiros meses de 2013. A força dos gritos das ruas – uma grata surpresa, diga-se de passagem –, a tensão do ambiente e uma outra gama de fatos que presenciei e cobri entre março e abril deste ano e que vejo agora se repetir em outras cidades me fizeram refletir sob muitos aspectos, como cidadão e profissional de comunicação.

Das poucas conclusões que é possível chegar é que, por mais esforço que haja, nunca haverá a cobertura perfeita, pois diante de uma sociedade extremamente dividida, as verdades são muitas e cada um escolhe a que lhe convir. Existe depredação à toa, existe abuso policial, existem provocações (de ambas as partes). Há, no meu ponto de vista, uma obrigação ao repórter: de se manter (ou pelo menos tentar) o equilíbrio.

Repórter x tempo

2013-04-04 18.39.41Todo grande protesto envolve uma complexidade enorme de lados. O repórter, que vive contra o tempo e não vê diariamente uma coisa dessas na sua cidade, tem diante de si a revolta da população contra um aumento abusivo, os danos ao patrimônio público, o caos no trânsito da região e um deadline ou uma entrada ao vivo. Tudo isso é notícia e só puxar por um viés é errado, afinal.

O manifestante tem imbuído em si a coragem das grandes massas e a indignação transbordando. Isso não lhe dá o direito de sair quebrando o que tiver na frente, porém. Ainda mais se o objeto que receber sua raiva for público. No front também há os policiais e guardas municipais. Que, em sua maioria, recebem um salário ridículo e tem no estresse uma companhia permanente. Muitos deles, imagino, não recebem o treinamento adequado para a situação. Muitos deles, imagino, nem sabiam que a população se revoltava assim. E aposto que a mobilização tem surpreendido os próprios manifestantes pela força.

Ou seja, o pavio ali no front sempre é curtíssimo.

Em Porto Alegre, a vitória das ruas não chegou a demorar a acontecer e foi legítima, reconhecida na justiça. Na minha opinião, todos os atores passaram por mudanças no decorrer dos atos. Se boa parte dos jornalistas narrou a manifestação mais pelo caos no trânsito, os editoriais foram trocados em seguida por questionamentos cabíveis.

Uma grande vitória. Até junho

2013-04-04 19.04.15Os manifestantes oscilaram, mas no geral tinham diminuído o prejuízo alheio – até explodirem novamente numa nova revolta, agora em junho, quando o quebra-quebra foi grande e houve a promessa de reviver uma nova Turquia. A censura aos vândalos dentro do movimento aumentou no grupo, ao menos. Ainda assim, não chegou a conter os atos.

Policiais, depois de uma briga feia no primeiro protesto, apenas trataram – ao menos na maioria das vezes – de manter a ordem nos encontros seguintes. Até este último, agora em junho, quando mais prisões aconteceram e balas de borracha cruzaram a noite porto-alegrense.

Este último protesto em Porto Alegre, diga-se, aconteceu horas depois de o Tribunal de Contas do Estado confirmar a vitória nas ruas, mantendo as passagens em R$ 2,85, valor que pode baixar ainda mais com um novo cálculo. Até a noite de 13 de junho, uma certa calma pairava na capital gaúcha, que serviu de exemplo a muitos.

Despreparo político e policial  

Assistindo de longe as manifestações em outras cidades, especialmente em São Paulo e no Rio, torço que esta “evolução” aconteça em breve, mesmo que os sinais não apontem isso. Ao menos nas primeiras matérias se vê mais isso: vandalismo exagerado, excesso de violência da parte dos policiais, além de uma falta de contexto maior nas reportagens. E aquilo que se vê no Twitter é ainda mais assustador. Isso é uma derrota para todos.

O maior revés à população, contudo, acho que é a incômoda ausência dos governantes no calor da hora. Em todas as ocasiões os vi realmente distantes do povo, não importa orientação política, não importa legenda. Quando falam, tempos depois do confronto, tentam culpar alguém e algumas frases chegam a constranger.

Em meio ao movimento, eu, que não sou sociólogo nem tenho bola de cristal, estou acreditando que isto é só o estopim. Que começou por R$ ,020 do transporte público, só que vai se espandir a outras áreas sociais. Mas isto talvez seja uma verdade apenas minha e que certamente não convém a todos.

*Escrevi este texto antes do protesto do dia 13. Horas depois, claro, precisei adaptá-lo.
**As fotos são minhas, dos protestos em março e abril. Foram tiradas com meu celular, na correria de enviar algo para a redação.

Das coisas que ficam para trás

Foi meio que sem querer que entrei na rua Dona Augusta numa tarde de fevereiro e me deparei com aquele clarão. Uma luminosidade estrondosa que eu não havia reparado na minha vida inteira. Algo estava diferente. E, de fato faltava um integrante do cenário. Ou melhor, ele ainda estava sendo retirado. Uma estrutura fincada no bairro Menino Deus havia mais de 80 anos, o Estádio dos Eucaliptos.

Para quem não sabe, os Eucaliptos foi a casa do Inter entre 1931 e 1969. Sediou dois jogos da Copa do Mundo de 1950. Para quem não sabe, meus avós moraram por quase toda a sua vida na rua Dona Augusta, defronte a um dos portões do estádio, até morrerem, em 2010 e 2011.

Desativado há mais de quatro décadas, o Eucaliptos passou por diversas fases nesse interim. Chegou a ser até um autódromo durante um tempo. Fazia uns dez anos sediava quatro quadras de futebol sete. Antes, em 1999, teve um suspiro de vida, ao ter seu campo principal reformado, recebendo até um jogo amistoso do time principal do Inter.

Ao contrário de toda a mídia que a novela da assinatura do contrato de remodelação do Beira-Rio – o estádio sucessor – a demolição dos Eucaliptos não teve aviso de pauta, palavra de autoridades nem enrolação. Quase que de um dia para outro, grandes máquinas entraram em no gramado (àquela altura transformado em matagal) por onde já desfilaram centenas de craques. Em questão de uma semana, os antigos pavilhões já não passavam de amontoados de vigas, concreto e tijolos.

E a rua Dona Augusta, acostumada a passar as tardes à sombra das arquibancadas, reencontrou o sol. Ao menos por ora, enquanto não brotam ali seis ou sete torres residenciais, que por certo haverão de causar um pouco de tumulto no bairro Menino Deus.

Cerebral Larry

Pego de contrapé com a demolição, tentei produzir uma matéria especial, ao menos para registrar uma despedida do Eucaliptos. Por uma dessas forças maiores que acontecem em redações, ela acabou não vingando.

Por sorte, teve gente que não desistiu, como o pessoal do blog Impedimento. Eles fizeram um HISTÓRICO documentário com o ex-atacante Larry Pinto de Faria, dono do apelido Cerebral Larry – o que convenhamos não é para muitos.

No início do mês, também tive a oportunidade de entrevistar Larry, em uma matéria bem mais humilde. Um senhor simpático, atencioso e cheio de histórias para contar. A que ele me contou foi a vez que ele ganhou de 5 a 1 do Santos. O do Pelé. Dessa vez foi para o ar.

Onde fica(va) o Eucaliptos

Minha história com Julieta Venegas

   Lembro que foi numa manhã ensolarada que a conheci. Voltava, recordo, da aula de inglês e ela surgiu no meu carro. Veio por deliciosas ondas radiofônicas. Nunca tinha ouvido a sua voz, que me encantou de primeira. Julieta Venegas.
   Naquela ocasião, por falta de papel, catei uma caneta e escrevi o refrão “Yo te quiero con limón y sal, yo te quierio tal y como estás, no hace falta cambiarte nada” na palma da mão esquerda.
   O estribilho de “Limón y Sal” acabou sendo uma senha jogada no Google para eu saber mais sobre esta cantora mexicana, que toca em Porto Alegre em 11 e 12 de maio.
   Faz três semanas e ela ligou para a minha casa (história disponível apenas para mesas de bar). Conversamos e saiu uma matéria, publicada no site um tempo atrás e republicada no Arte & Agenda do CP nesta quarta. Clica aqui e confere.