Santiago, as igrejas e a eternidade

Não foi caminhando ou de bicicleta. Muito menos peregrinando. Mas, certa feita – de carro – cheguei a Santiago de Compostela, ao fim de uma tarde de inverno, em que o tempo estava indeciso entre a chuva e o sol – o único elemento constante, sim, era o vento, que entre uma esquina ou outra, mostrava sua força.

Ao me hospedar perto na região central, fiquei a poucas quadras do que é mais interessante naquela cidade: o seu medieval Centro Histórico, onde as ruazinhas bem antigas dividem seu cenário com algumas lojas piscantes de capitalismo e tem seu chão apinhado de turistas de tudo o que é lugar.

O Centro Histórico, onde a cidade em si começou, mais de um milênio atrás, constitue-se num emaranhado de ruas, praças e igrejas – o que denota o tamanho da força e da onipresença do catolicismo (de seus padres, de seu rigor e sua punição) de séculos atrás.

Claro, a mais destacada e, digna de um adjetivo tal como “imponente”, é a Basílica de Santiago, destino final de um sem fim de peregrinos, esses sim que chegam à cidade caminhando ou pedalando, vindos de centenas de quilômetros de distância. À primeira, ela vista impressiona por sua robustez ante a paisagem.

Santiago, nesta região, conta com uma arquitetura antiga, duradoura e impressionante a leigos e a entendidos. Essa se destaca pelo tamanho, mas também pelos detalhes. Em pleno século XXI, oferece uma viagem a uma época medieval – em que pese o excesso de lojas que buscam algum vintém de turistas e peregrinos.

Se há lugares eternos, talvez a praça principal seja um deles. Foi de tirar o fôlego a contemplação – num momento premiado pela boa vontade do clima. Numa segunda visita, já sob forte chuva, se focasse a minha visão no choque entre a água e as pedras que ali estão há séculos, poderia me perguntar: afinal, em que época estou?

Coisa de lugares que são, enfim, eternos.

Divisões

Rayssa Leal, uma inspiração inesperada | Foto: Wander Roberto/COB

Nesta Olimpíada esquisita de ano pandêmico e ímpar, acho que não vou esquecer o quanto curti e vibrei com as provas do skate. E também que lamentei não assistir e comentar as finais com meu melhor amigo – que se meteu numa bolha da direita tremendamente difícil de tirar. Pena. Aquela dupla que fomos quando adolescentes – ele em cima do carrinho e eu só enganando – teria curtido nos ver adultos assim.

São, enfim, tempos esquisitos, de muita bolha e ainda pouca rua. Mas isso é mutável. Desde que Rayssa Leal dançou divertidamente em meio a uma final olímpica, isso momentos antes de receber uma cortejada medalha de prata, já reparei em algumas meninas de skate por aí. Pode não ter nada a ver com a conquista ainda tão recente dela. Mas pode ter. Tomara!

Se há um esporte que se mostrou acessível a variados biotipos e mesmo níveis acadêmicos – competiram em Tóquio de estudantes do ensino fundamental a doutora em neurociência – esse é o skate. Numa época de tanta divisão, é bom se alegrar com facetas democráticas.

A velha política

ex-presidentes 2013

Dias atrás, o professor Marcelo Soares recompartilhou uma icônica foto do poder brasileiro. Desta vez, no entanto, não foi o impacto de ver cinco presidentes (e um intruso) juntos numa mesma imagem que me impactou, como quando a vi pela primeira vez. E sim a legenda usada por Marcelo: “Muito zoei essa foto. Mas é um documento de um Brasil que acabou. Não tem santo na foto, mas já fomos melhores que iffo daí”.

Causa certo nó a reflexão do professor, mas não deixa de ser verdadeira. E de repente deu até uma saudade da chamada velha política. E isso em nada tem a ver com coronelismo, “político de estimação” ou afins. Mas sim com convivência democrático-respeitosa com o lado oposto. Ou, por que não dizer, diálogo?

Bateu saudade até de chamá-los de “farinha do mesmo saco”, tratando lados opostos como iguais – “os políticos”. Até porque a farinha de hoje, certamente não é igual àquela. Nem parecida, as relações exteriores que o digam.

Jair Bolsonaro não será eternamente o inquilino do Palácio Planalto. Mais cedo ou mais tarde, ele sairá. Mas, mantendo o embalo de queimar pontes até mesmo com aliados e denegrir adversários, é de se pensar seriamente que talvez não seja ele quem passe a faixa presidencial ao sucessor quando este dia chegar.

Depois deste dia, pousaria Bolsonaro para uma foto de estadista com seus antecessores, ou mesmo com seu sucessor, se este não for seu seguidor? Dentro deste ambiente de polarização, caso a oposição venha a ganhar, chamaria Bolsonaro como representante de um pensamento majoritário de uma época no Brasil?

Talvez a foto – tirada a caminho do velório de Nelson Mandela – com FHC, Dilma, Lula, Sarney e Collor, além do intruso, seja realmente um documento digital de um Brasil pré-polarizado que acabou.


ps: na pesquisa pra este post, descobri o nome do “intruso”. É o ministro Renato Mosca, então chefe do Cerimonial da Presidência

Desde Chile: Valparaíso ou Viña del Mar?

valpo (2)

Valparaíso é uma antítese a metrópoles brasileiras. Se do lado de cá, o morro tem aquela sina de ter problemas e ser abandonado pela sociedade, lá o morro é o local onde a cidade é mais feliz. Onde vibram artes, turismo e gastronomia. E tudo com uma vista e tanto.

Valpo, como os chilenos a chamam, tem alma. A alma está tanto nas proximidades do mar e do porto quanto nos morros, lugar onde a arte foi descaradamente incentivada e escancarada. Deixou museus e ateliês para ganhar as ruas e o cotidiano, encantando olhares. E como faz diferença ter presente a arte popular – e destacada.

Não é à toa que Valparaíso tem um morro, dentre seus tantos, chamado de “Cerro Alegre”. Imagine que cinza ele não é. Tudo menos cinza. Tudo menos cor pastel. É um viva às cores.

Por entre o sobe-e-desce dos morros, há uma quantidade enorme de grafites, artesãos e casas onde a cultura de um lugar está à mostra e à venda. Difícil caminhar de forma objetiva e sem se distrair com o que o morro oferece para se ver, admirar e refletir. E tudo isso sem mencionar a vista para o mar que banha Valparaíso, que volta e meia dá as caras em meio às casas.

Não que tudo seja perfeito, claro. Os pés dos morros têm lá seus ambientes para assustar um pouco aquele que acha que fora do Brasil não existem problemas. Aquele quê de cidade portuária, de forasteiros, de estivadores. Às vezes o cheiro e os resquícios de noitadas regadas a álcool, às vezes o forte odor dos peixes pescados há pouco.

Tudo isso faz parte de uma cidade com alma, virtudes, belezas e defeitos. Se o metrô é novinho, bonitinho e com vista para o mar, andar de ônibus rumo à rodoviária não deixa de ser uma pequena experiência antropológica, por exemplo. Ao se caminhar, alguém vai falar: “Cuida com a tua bolsa no centro”.

Mas tudo de boa, em especial – infelizmente – àqueles que são moldados na dura realidade brasileira.

Valparaíso ou Viña del Mar

vinaSe Valparaíso tem esse ar mais autêntico, Viña del Mar transpira algo da serenidade mais elitista. E essa talvez seja a principal diferença entre duas cidades que são coladas – o próprio metrô vai de uma a outra na mesma e única linha.

Viña del Mar tem bem menos história – e arte e grafites – mas é mais organizada e arborizada. É mais feita para o turista que está de férias e busca alguma bolha de tranquilidade, quem sabe.

Ao visitar as duas lembrei-me da relação entre Gramado e Canela, na serra gaúcha – cidades igualmente irmãs. A mais famosa e turística, a mim parece um tanto artificial, feita para os outros a verem e a consumirem. Parece buscar um status europeu em pleno sul brasileiro – o que não deixa de ter, diga-se. Canela, porém, é uma cidade com uma vida mais própria, ainda que bem parecida com a vizinha. São sensações que se entende quando se caminham nessas ruas, tanto em solo gaúcho, quanto no litoral chileno.

É questão de gosto saber o que lhe agrada mais e a partir de então decidir onde aportar.

Desde Chile: As férias

chile

O noticiário no Brasil pegava fogo nos primeiros dias de abril e logo eu – um jornalista de redação – de férias. E sem o menor peso na consciência de estar perdendo mais “uma cobertura histórica”, tentei aproveitar o fato de o Chile não ter fronteira com o meu país para desopilar deste grande incêndio — o qual eu, como mídia, em parte ajudei a criar.

Férias, porém, não são necessariamente descanso. Nas duas primeiras noites que dormi em Santiago deitei exausto. Por gosto ou quem sabe desejo inconsciente de evitar locais com conexão à internet e às notícias brasileiras. Azar do Instagram, as fotos que ficassem para mais tarde. Caiu consideravelmente meu tempo na internet nesse período.

Viagem boa é aquela que o corpo sente fisicamente. Isso para a cabeça desbravar novos horizontes. Sejam eles mirantes, vinhedos, um centro histórico, praças ou histórias locais. A capital do Chile, aí, desponta como um local que preenche bem esses requisitos.

santiago panoramica

Santiago é uma metrópole fácil de se encontrar, com um metrô eficiente e um quê multicultural, além de ser convidativa para longas caminhadas e perto de montanhas, onde a vista vai mais longe. Aos pés da cordilheira, é em grande parte, plana.

Fiquei uma semana por lá. Ainda que volta e meia me encontrasse com o turbilhão brasileiro ao parar para ler manchetes dos jornais, Santiago e o Chile me ajudaram a encontrar um descanso necessário para alguém que vive o cotidiano diário de uma redação inundada de notícias do Brasil – que, olha, não são fáceis.

Gracias, Santiago. ¡Que lo pase bien!

Desde Chile: Então veio o cachorro

Snoopy

Bem avisou Snoopy na tirinha acima: “Então veio o cachorro”. Se os desenhos de Charles Schulz representassem uma espécie de gênese do mundo, provavelmente, então, a vida começou no Chile, tamanha é a quantidade de cachorros de rua que por lá estão.

Claro, a minha mostra foi um tanto quanto pequena territorialmente falando. Quatro cidades apenas. Em todas, porém, parecia que sempre havia um vira-latas por perto. Um não, mais. Na maioria das vezes tirando uma soneca, completamente alheios ao movimento ao redor. Admito certa inveja da relação com o sono que eles têm.

E não são quaisquer cachorros. São grandes, peludos e relativamente gordos – em contraste à maioria dos quatro patas que vejo caminhando por Porto Alegre. Não raro andam, ou dorme, em hordas pelas calçadas da vida.

A relação com os humanos parece ser boa. Em Valparaíso, cheguei a encontrar até mesmo um pequeno espaço para doação de comidas aos caninos. Dois dias antes, em Santiago, um cusco dormia tranquilamente seguro ao lado da roda de uma viatura policial. Duas horas depois, voltei ao local e ele ainda estava ali.

Nas quatro realidades que pude ver, os cachorros são parte do cenário chileno – assim como vulcões, o oceano e a confusão de gente em Santiago, tal qual explicou Snoopy. O cachorro veio e venceu no Chile.

ps: cachorro em espanhol é “perro”. Mas o idioma local tem lá suas peculiaridades. No Chile, entende-se por “cachorro” mesmo, com o “ch” um pouco mais puxado, para “tchô”. 

Desde Chile: A montanha e o clichê

andesSe há um grande clichê ao se viajar de avião, certamente esse é o ato de fotografar, lá do alto da janelinha. Sejam nuvens, a decolagem, o pouso, o mar ou as variadas paisagens vistas a 30 mil pés de altura.

Particularmente, e muito graças às aulas do professor Elson Sempé nos tempos de Famecos, procuro não apenas tirar uma foto por tirar. Busco – ainda que nem sempre alcance – uma boa imagem a partir das técnicas aprendidas naquelas noites de PUCRS.

Até por isso tenho lá alguma birra com fotos no avião. Depois de tanta decepção entre a expectativa e resultado, já prometi a mim mesmo não tirar mais, porque normalmente o resultado não fica bom. Mas foi só ver a aproximação à Cordilheira dos Andes, que essa convicção desapareceu. Mais uma vez.

E, de novo, as imagens não ficaram como esperado. Não conseguiram traduzir bem o “uau” genuíno daquela aproximação, na fronteira entre a Argentina e o Chile, destino da vez.

Tudo bem, tudo bem. Ao menos a experiência guardei bem comigo. Quanto à foto, quem sabe acerto na próxima?

Textos baianos: Saudade do Morro

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Havia 66 notificações pedindo alguma atenção em apenas um aplicativo de rede social. Isso sem falar nas mensagens, que sempre apareciam às dezenas quando o celular encontrava um mínimo de conexão. Tinha ainda os e-mails. Sisudos, carregados de compromissos, eles.

Mas havia também o mar! Bem em frente. E não apenas uma, mas quatro praias de águas verdes e pedrinhas multicoloridas de encantar crianças – e, ok, adultos também. Morro de São Paulo, Bahia. Uau, que diferença para seu xará do Sudeste. Sois verdadeiramente opostos batizados com o mesmo nome.

Ante aos compromissos de vidas permanentemente digitais, ondas. Ininterruptas. Não de dados, mas de vida. Uma vida mais simples e pacata. Mais ligada à natureza do que às possibilidades provindas de um cartão de crédito. Ondas que, pouco a pouco, carregam o peso de dias que quase não tinham fim na rotina do trabalho.

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Num mundo tão sem pausas, um recomeço à beira-mar do Morro de São Paulo é revigorante.

Uma vez em Shibuya

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Se houve uma lamentação da viagem ao Japão, além do escasso tempo por lá, foi ver Shibuya “vazia”. Ainda que haja certo desconforto em se atravessar a rua com um monte de gente ao lado (e à frente e atrás), não é todo dia em que se está na esquina conhecida como, de fato, a mais movimentada do mundo.

E não é exagerado dizer isso. Neste encontro de cinco ruas – como bem observa o colega Guilherme Kolling nesta matéria (confesso que nem tinha contado) – ao lado da estação de metrô em Shibuya chegam a passar milhares de pessoas por vez num intervalo de segundos.

Portanto, quando estive lá, o que mais queria era ver: gente. Não chegou a ser o caso, conforme minha guia. Naquela ocasião, uma segunda-feira à noite meio chuvosa, passavam, no máximo, apenas centenas por vez. Todos requerendo um pouco mais de atenção, pois além de desviar de pessoas era necessário ter atenção com os guarda-chuvas vindos de todas as direções.

Mas ainda assim deu para se ter uma ideia do espírito daquele lugar, ou do que é a Tóquio moderna. Especialmente à noite, que seria escura se não fossem aqueles modernos telões com publicidades que levam o transeunte a um cenário futurístico – uma faceta japonesa tão marcante quanto a do Japão “tradicional” de samurais.

Em meio ao povaréo que passa por Shibuya estão, claro, diversos turistas. Que lá estão porque disseram para eles que tem uma esquina cheia de gente, diz-que-diz que fez com que se enchesse mais – e por aí vai. Para eles, talvez atravessar a rua não chegue a ser o ponto alto, mas sim parar no meio do caminho e tirar fotos ou gravar vídeos. E o fazem, mesmo que atrapalhe o trânsito.

hachiko

Hachiko

Paralelamente à ânsia por likes e shares eventuais, ao lado da famosa esquina há a lembrança de uma relação profunda, a amizade. Um tributo à amizade, na verdade, simbolizado pela estátua de Hachiko, o cãozinho que ganhou até filme. Hachiko sempre ia à estação aguardar seu dono chegar no trem que para na estação de Shibuya. Um dia, porém, o dono não voltou, pois morreu em acidente. Mas Hachiko não perdeu a esperança de encontrar o velho amigo e voltou lá todos os dias até seu fim. Hoje é lembrado por uma estátua e por diversos cartazes em alusão à sua imagem pela estação.