A Copa delas

Não foi a Copa do Neymar – tampouco, já que vivemos ainda num país polarizado – a do Richarlison. Foi a de Messi, claro. Mas sem sombra de dúvidas também foi a da Ana, da Karine, da Renata, da Carol, da Natália e de tantas outras jornalistas que nos acostumamos a acompanhar pela TV direto daquele pequeno país do Oriente Médio.

Aliás, frise-se, que momento. A conquista da participação efetiva na transmissão da Copa ao Brasil pelas mulheres veio a acontecer justamente em um desses recantos de mundo inóspitos às mulheres, onde ser e estar mulher é um desafio permanente, não raro perigoso. E desde o Catar, elas reportaram, comentaram e narraram ao vivo para todo o Brasil, esse país onde há mais mulheres do que homens, ainda que, até então, só marmanjos que falavam durante as Copas.

Eu tenho praticamente 37 anos, quase 14 de jornalismo profissional. Participei da cobertura in loco de uma Copa do Mundo – com muito menos mulheres falando de futebol – e uma filha de três anos. Ela até viu uns jogos no Catar, sem entender ou dar muita bola. Acho que vai começar a acompanhar mesmo os Mundiais a partir de 2026, isso se ela quiser.

Não sei como vai ser o futuro, qual seleção vai chegar melhor, muito menos a tecnologia que será dominante. Certo é que, para ela, sempre vão haver mulheres lá, porque as transmissões das Copas do Mundo puramente masculinas estão fadadas a não mais que o passado.

*trecho de artigo ainda a ser publicado

Pitacos da Copa – Comemora, Le Pen!

Franca

Marine Le Pen, esta Copa do Mundo é pra você. Pra você e para todos os franceses. Comemore Le Pen, festeje com todos os seus compatriotas – incluindo aqui aqueles cujos antepassados chegaram da África, assim como todos aqueles que optaram por seguir Alá e não Jeová ou por não seguir ninguém. A Copa do Mundo é de todos vocês, sem exceção.

Queria ter visto meu Brasil, do mulato Neymar, do negro William e do goleiro com ascendência alemã, Alisson, ficar com a taça. Mas dessa vez não deu. Ao que parece, a França do futebol – tal qual o Brasil fizera décadas atrás – percebeu as benesses da miscigenação dentro de campo. A cancha coloca a todos na horizontal. Pouco importa nome de família ou ascendência. Cor, preferências, religião são assuntos da porta do vestiário para fora.

Talvez por não ter um estereótipo perfeito ou uma fórmula mágica predominante, o futebol seja tão apaixonante. E é assim porque é democrático. O mais democrático dos esportes, certamente, o qual todos que entram em campo sabem que podem ganhar, seja com mais ou menos dificuldades. Não importa se tenham vindo da Coreia do Sul ou dos rincões da África, das quentes cidades panamenhas ou das frias islandesas. A chance existe. Sempre.

Agora, ser campeão mundial é mais complicado, reconheçamos. E aí, se for reparar, uma misturinha sempre cai bem. Do cara mais sério com o mais descontraído, do crente com o baladeiro, do que veio de longe e daquele que sempre esteve aqui. Não existe fórmula mágica, mas um time campeão normalmente conta com esses elementos. Juntos. O futebol campeão dá as boas vindas à mistura. Até porque já tentaram provar que uma raça seria superior a outra e não deu certo. Convenhamos.

Festeje, Le Pen. Comemore sem preconceito algum ao lado dos franceses de todas as querências. A seleção de vocês fez por merecer. Allez les bleus!

ps: faço a minha mea-culpa também. Admito que no início da Copa eu olhava a França mais como uma seleção importada do que uma equipe nacional. Burrice. Ainda bem que a internet está aí também para nos fornecer conhecimento e não apenas nos manter dentro de bolhas polêmicas. Faço também questão de compartilhar este tuíte, do jornalista Andrei Netto, que mora há anos na França:

Pitacos da Copa – Sobre a Rússia

russia

Por motivos óbvios de Copa do Mundo, a pesquisa sobre a Rússia foi intensificada no fim do primeiro semestre deste ano. A Rússia enquanto país, não apenas esteriotipada em seu presidente domando ursos ou nos bizarros vídeos de trânsito que volta e meia pululam em timelines alheias.

Um texto e um livro, em especial, me chamaram a atenção em meio ao grande conteúdo disponibilizado. O primeiro que li foi publicado na revista piauí. “Histórias da Rússia”, pelo escritor norueguês Karl Ove Knausgård. Um mergulho numa Rússia profunda, tanto em Moscou quanto nos arredores.

A longa reportagem conta algumas histórias de pessoas, desconectadas entre si, mas que não deixam de ser figuras comuns nesse lado distante da Praça Vermelha. A Rússia, faz bem nós ocidentais lembrar, é muito mais do que aquele chavão-imaginado.

Por sorte e/ou por edição, Knausgård encontrou gente disposta a conversar e contar um pouco de histórias. E daí vai desde um caminhoneiro até a uma senhora de 102 anos. Embalam uma Rússia que o jornalista acredita ainda ser parecida com a descrita por Ivan Turguêniev em “Memórias de um Caçador”, escrito no século XIX.

“A Rússia é uma terra de histórias. Histórias do czar e de seu povo, de Lênin, da revolução e da Grande Guerra Patriótica; da transformação de um país retrógrado num Estado industrial poderoso e moderno; do Sputnik, de Laika e de Gagarin; depois, do reino de terror de Stálin, de um país que se calcificou, estagnou e acabou sucumbindo; e de Vladimir Putin, o oficial da KGB que chegou ao poder em meio ao caos e restabeleceu a ordem. E como ele fez isso? Por meio de histórias do passado recontadas de modo a oferecer uma justificativa à Rússia de hoje.”

Já em “Com vista para o Kremlin”, a jornalista Vivian Oswald relembra o período em que foi correspondente do jornal O Globo em Moscou, no início desta década. A narrativa hoje soa uma história levemente defasada, visto que ela estava lá ao fim do primeiro período de Vladimir Putin, na transição para Dmitri Medvedev.

No texto, Vivian, como diz o mestre Leonam, consegue “jogar o leitor lá”, na realidade moscovita. Consegue-se simpatizar (ou não) com diversas das pessoas citadas ao longo da história. Assim como imaginar-se admirando as famosas estações de metrô da capital russa, de tão bem descrita é, esta parte:

“São verdadeiros museus subterrâneos. Lustres suntuosos, mármores, estátuas de artistas renomados, afrescos, mosaicos e projetos revolucionários que, à época da construção, desafiavam as condições desfavoráveis do clima e as abissais profundidades.”

No livro aparece uma Rússia que ainda abria-se e descobria o capitalismo, isso 20 anos após a perestroika. Isso sem deixar para trás histórias como os apartamentos comunitários e bastidores de reportagens produzidas para o jornal neste período.

São dois textos diferentes e interessantes, que mostram que a Rússia é um país muito mais complexo do que as notícias que chegam cá a este lado do oceano. Vale a pesquisa. E, para quem pode, serve como incentivo para descobrir in loco o país da Copa de 2018.

ps: o primeiro texto seguia disponível para o acesso no site da piauí. O livro tem preço variando entre R$ 22 e R4 39,90 na Estante Virtual

Pitacos da Copa – Sudamerica entre o peso da camisa e o otimismo ressabiado

Cavani

Os três sul-americanos campeões do mundo chegaram às oitavas de final da Copa, mas por vias um pouco diferentes. Apesar de algumas doses de sofrimento, os três chegaram lá e mantêm vivo la ilusión de trazer a Copa para este lado do planeta depois de 2016.

Nos meandros místicos do futebol, as três classificações contaram com características bem diferentes. A começar pelo Uruguai. Como em Copa do Mundo, em tudo pode se duvidar e acreditar, os da banda oriental poderiam simplesmente ter o que festejar. Em três jogos, ganharam três e sequer levaram gol, no que foi a melhor primeira fase de uma seleção uruguaia em Copas do Mundo.

Ainda que não apresentasse um futebol vistoso, tiveram resultado, culminando numa goleada sobre a então badalada dona da casa. Só que os mesmos números podem jogar contra se forem considerados como estatísticas. Desde 1970, nenhum outro campeão – além do Brasil (70 e 2002) – foi campeão chegando 100% à segunda fase. Ainda assim, sequer o Brasil passou esses três jogos sem ser vazado.

Uruguaios, portanto, chegam às oitavas de final com um otimismo contido.

Messi

No dia seguinte aos uruguaios, os vizinhos do Rio da Prata tiveram sua primeira final. Novamente contra a Nigéria, essa velha conhecida portenha nos Mundiais. Novamente reencontrou a vitória, contando com ninguém menos com um dos maiores jogadores do século vestindo a pesada camisa argentina.

Não sem sofrimento. Não sem muita raça, que é o mínimo que se espera de uma boa equipe argentina. Deixaram eles chegar, numa verdadeira ode ao futebol antigo, porque, como disse um amigo meu, “não existe ateu depois dos 40 minutos do segundo tempo”. E, acima de tudo, existem los d10ses – inclusive na torcida.

Renascida, ninguém mais duvida que a Argentina pode ir longe.

Ney

Se a camisa da Argentina pesa, o que dizer da do Brasil? Diante de um adversário cujas características quase não permitiam declarar abertamente o favoritismo, a Seleção Brasileira fez o que sabe fazer de melhor: jogou bola. E na bola não tem altura de sérvio algum que bata o Brasil.

Assim como o Uruguai, a equipe de Tite deu mostras que cresceu, jogo a jogo. É forte no coletivo e tem destaques individuais. Ainda que carregue o pesado fardo da Copa passada, dá mostras de que tem chance, sim, de costurar mais uma estrela verde em sua camisa amarela dentro de três semanas.

Claro, o futebol sul-americano teve a baixa do Peru, que, se não se classificou, ao menos voltou a participar da festa da Copa depois de 36 anos. Já a Colômbia põe a prova sua seleção jogando pela vida diante do Senegal, num confronto que qualquer fã das entidades místicas do futebol aguarda por pelo menos quatro gols. De cada lado, se não for pedir muito.

Pitacos da Copa – Argentina

Messi

Foi nas ruas de San Telmo, em Buenos Aires, que pela primeira vez tive uma forte sensação de pensar: “Eu moraria aqui”, estando bem longe de casa. A verdade é que a Argentina me ganhou em questão de poucas horas antes do primeiro entardecer, naquele dezembro de 2008.

Quase dez anos depois, me peguei explicando para uma baiana porque o gaúcho acabava por ter mais afinidades com argentinos e uruguaios do que com brasileiros. Ela estranhou, mas acho que no fim entendeu. Ainda que concordássemos que muitas vezes o gaúcho brasileiro confunde seu patriotismo regional com um quê xenófobo, especialmente com o Nordeste. Isso, porém, é papo para outro post.

Em dez anos voltei à Argentina outras três vezes e, confesso, já estou com uma saudade grande de respirar o ar porteño. E sigo com a mesma impressão de que viveria feliz em algum canto de Buenos Aires.

Essa afinidade natural me faz sempre estranhar a campanha brasileira contra a Argentina no futebol. “Somos rivais”, defendem eles (os brasileiros), que, por meio da mídia jornalística e publicitária, não se furtam da piadinha, da secação gratuita, fomentando essa rivalidade, que sequer é recíproca.

Contudo, de tão repetida, a rixa acaba pegando. Ao percorrer a cidade durante a goleada da Croácia sobre a Argentina nesta Copa do Mundo, vi uns quantos – os quais não duvido que adorem criticar a CBF e o futebol brasileiro – vibrando com os gols europeus. Felizes ao ver o vizinho se aproximar do fiasco da eliminação precoce.

Só pude lamentar. Duplamente. Já ganhei duas Copas do Mundo como torcedor e sei como é bom ver aquela taça sendo erguida pelos meus. E poucos países encarnam tão bem o espírito do futebol como la hinchada argentina.

Que vivam dias melhores – e gloriosos – em breve.

Certa vez na Copa

Era uma manhã gelada, aquela. Uma quarta-feira às vésperas de começar o inverno em Porto Alegre. Mas era mais um dia de Copa do Mundo, logo depois de a ficha do que seria aquele evento ter começado a cair para os porto-alegrenses.

holandeses

Apesar do sol, o frio no Centro se fazia presente. Azar o dele. O coração da capital gaúcha, o Largo Glênio Peres, foi sendo tomado por pessoas de laranja desde as 8h. E pessoas dispostas a fazerem festa, sem a menor dúvida. Era a Orange Square, tradicional evento que torcedores da Holanda realizam nas cidades em que a sua seleção joga.

Pouco a pouco acabaram-se os espaços – e, logo depois, a cerveja de todo o Mercado Público de Porto Alegre. Música e alegria contagiantes na sisuda manhã de Porto Alegre, bem onde muito do proletariado da cidade passa indo para o trabalho.

Por falar em proletário, por volta das 9h, um repórter chegou por lá. Eu, no caso. Porém, tenho uma falha de formação: não falo inglês e, muito menos, holandês – que mais parece um alemão avançado nas consoantes. E eu precisava falar com aquele público.

Menos mal que a tecnologia pode a nosso favor neste mundo globalizado. Decidi, então, recorrer a ela, mais precisamente na forma do meu celular. Copiei três perguntas-padrão e colei no app do Google Translator: português para holandês.

Feito isso, parti para a abordagem: “Do speak english?”, perguntava. Quando a resposta era afirmativa, mostrava o celular e pedia para esperar um segundo. Trocava o aplicativo e ligava o gravador. Um trabalho que se repetiu quatro ou cinco vezes, mas foi menos complicado que escrever alguns dos nomes dos entrevistados.

Depois disso, voltei à redação do Correio do Povo e entreguei o celular a um amigo fluente em inglês: “Ó, traduz”. Ao fim, na raça, rendeu uma matéria contando um pouco do clima. Em seguida já sai, via Caminho do Gol e cantarolando com a Factor 12 (tradicional banda que acompanha a seleção holandesa) até o estádio.

Dentro de campo, a Holanda ganhou da Austrália em uma bela partida de futebol, por 3 a 2. Mas os australianos pouco se importaram. Minutos depois e a Banda da Saldanha, tradicional reduto do samba em Porto Alegre, ao lado do Beira-Rio, estava amarela de tanto australiano. Dizem que muitas cervejas e cangurus de plástico voaram por lá, naquele fim de tarde.

À noite, holandeses e australianos novamente se encontraram, com predominância dos de amarelo sobre os de laranja.E uma alegria ensandecida sem fim.

australianos

Fecharam a principal rua do bairro mais boêmio de Porto Alegre, numa clara prova de que a Copa nunca esteve restrita à elite ou ao que acontecia dentro ou nos arredores do Beira-Rio. A Copa foi de todos, nos dias mais legais em que a minha cidade já viveu.

Brexit: um passo para trás

A Copa do Mundo de 2014 foi, de longe,  período mais legal que vi minha cidade viver. Com o perdão do trocadilho infame, mas, àquela época, o meu Porto estava de fato muito Alegre. Além de muito mais simpático, até.

copa integracao

All together!

Ainda que tenha havido uns quantos protestos antes do evento, que tensionaram a atmosfera, ficou claro que aquilo que aconteceu dentro de campo foi mera formalidade. A parte mais legal da Copa sempre esteve nas ruas, do lado de fora dos estádios – “elitizados” na crítica das manifestações. “Copa pra quem?”, questionavam, por meio de pichações e gritos. Foi para todos.

Foi muito legal sair pelas ruas e cruzar com estrangeiros naqueles dias. Encontrar gente que tinha vindo de longe, às vezes do outro lado do mundo, para descobrir a minha cidade. Um intercâmbio cultural contínuo motivado pelo futebol e, não raro, movido a muitas garrafas e latas de cerveja.

Há oito anos iniciei uma experiência, que logo se tornou um vício e hoje é sempre um objetivo: viajar. Passagens aéreas se tornaram uma espécie de cotação – ao lado da cerveja, confesso. Quando quero comprar algo que custa um pouco mais caro que o habitual, questiono-me quantas cervejas posso comprar ou para onde viajaria com aquele dinheiro. Só depois deste aval que me autorizo ou não adquirir o bem (ou juntar e fazer poupança para ir para longe).

Desde aquele julho de 2008, quando pousei em Havana, já foram outros dez países visitados. Se outrora achei que este número seria muito, hoje acho pouco. E cada vez que procuro conhecer mais, percebo que tão pouco viajei. É algo deliciosamente paradoxo, pois o mundo é grande, afinal. Da mesma forma que estive longe de casa, outras tantas fui aos meus vizinhos – como sinto-me bem no Uruguai ou na Argentina. Como é bom cruzar essas fronteiras, em suma.

E é mais ou menos por essa nem tão escassa vivência adquirida que lamento a decisão do Reino Unido, onde fica uma das mais cosmopolitas cidades em que já estive, de isolar-se da Europa, aprovando o Brexit. Entristece-me ver o discurso anti-imigração se fortalecer e realmente temo que esta onda nacionalista atravesse o oceano e chegue a Washington daqui a cinco meses. Escolheram se fechar justo numa era globalizada.

big ben

Talvez Londres fique um pouco mais longe com o Brexit

São tempos complicados, esses. Mas dificuldades sempre acabam por valorizar o papel e a força da união. Que acabe com esse desfecho, pois reforçar fronteiras nunca fez bem a ninguém.

A grande final

Copacabana, Buenos Aires

Copacabana, Buenos Aires

Vivem uma espécie de insanidade, os argentinos. Eles, apaixonados por futebol, voltam à uma decisão de Copa do Mundo após longos 24 anos. Justo para uma revanche contra a mesma Alemanha que os derrotaram há quase um quarto de século. A bola rola às 16h no Maracanã para um jogo que atrairá a atenção de milhões de 219 países do mundo.

Palco da final, o Rio de Janeiro já foi tomado dos brasileiros, ainda mais com os dois últimos constrangedores jogos da Seleção. A poucas horas da final não existem garotas de Ipanema e sim las chicas de la Recoleta ou de Palermo. E ainda assim elas são ofuscadas pelos saltadores e animados torcedores argentinos, que vieram aos montes e transformaram Copacabana em um bairro de Buenos Aires com sotaque chiado.

A estimativa oficial é de que 100 mil argentinos estejam perambulando nas ruas e areias cariocas – local eleito por muitos deles para passarem a noite, dormindo ou acordado em um estado febril que o futebol é capaz de causar. A maior parte sequer tem ingresso e não entrará no estádio. Pouco importa. Quem ficar por Copacabana poderá assistir a partida em dois telões instalados na praia. Qualquer outro boteco também transmitirá o jogo. A cidade exala à final..

Também protagonistas do mais esperado jogo do ano, os alemães estão tímidos, até porque não tem como concorrer com os enlouquecidos sul-americanos. Mas prometem, ao menos tentar, ser ouvidos. No Maracanã, se farão presentes pelo menos 4,4 mil germânicos ansiando por gritar tricampeão usando todas as consoantes a que eles tenham direito.

Organizada pelo consulado alemão, um dos grupos de torcedores da Alemanha (“Tor”, gol em alemão) se concentrará até perto dos argentinos, no Leme, a continuação de Copacabana. A concentração deles inicia às 10h e a partir do meio-dia eles seguirão ao Maracanã de metrô. Isso em meio a mexicanos, americanos, holandeses e até brasileiros que estarão presentes na final e que dão um sotaque novo ao Rio de Janeiro.

A rivalidade entre Argentina e Alemanha, que decidirão uma Copa pela terceira vez, ficou dentro de campo. Em meio à euforia das torcidas, a convivência entre os rivais é amistosa – ao menos por ora. Há até mesmo desejos de boa sorte. O que não deixa de ser justo para uma senhora Copa do Mundo que chega ao seu capítulo derradeiro neste domingo. Que vença o melhor. Seja ele Messi ou Müller.

Que vença o melhor

Que vença o melhor

A festa (não) imaginada na Copa

Uma miscelânea a caminho do gol

Uma miscelânea a caminho do gol

Mal era começo de tarde de domingo, 15 de junho. E eu estava muito animado, após umas duas horas já surpreendentes de trabalho pelo Centro de Porto Alegre. Precisei recorrer a um palavrão pra descrever (e compartilhar) o que sentia:

E estava achando aquela mistura de franceses, hondurenhos e gaúchos com pitatas de outras nacionalidades perdidas ali do caralho mesmo. Já nas primeiras horas efetivas de Copa, depois de ter conversado com os franceses que cruzaram a América para apenas viver o clima que sentia em meio àqueles passos, após ter falado com o guri que veio de moto do Equador e chorou ao conseguir um ingresso, percebi que minha cidade estava escrevendo um momento especial de sua história.

Orange Square, uma baita festa às 8h30min

Orange Square, uma baita festa às 8h30min

Isso que nem tinha visto os holandeses e australianos zerarem o estoque de cerveja do Mercado Público – e fazerem a festa na noite da Cidade Baixa. Que momentos! Nem sequer conhecia de perto a força da torcida argelina.

Ao longo de 15 dias foram cinco jogos ótimos em Porto Alegre. Mas, acima de tudo, cinco momentos de grandes histórias nas ruas, fora dos estádios. Histórias populares, gratuitas e cosmopolitas que só os grandes eventos são capazes de proporcionar.

Nessas duas semanas de Copa na minha cidade também me veio muito à memória o junho do ano passado, quando a rotina, ao invés de futebol, era cobrir protestos por intensos 20 dias – os quais boa parte foi mais estressante do que glorioso. Exato um ano e um dia antes da grande festa laranja no Centro, o Largo Glênio Peres e arredores teve uma noite muito tensa. Vivendo Porto Alegre nesses dois junhos pensei tantas vezes: que grande virada de astral!

Não creio que já exista um legado definitivo daquele povarel na rua em junho de 2013 – a ver a partir das eleições de outubro. Acho que, de movimento legítimo, as manifestações perderam o rumo a partir do momento que se deixaram levar (ou foram levadas) ao exagero da violência, ao radicalismo.

A Copa, até não muito tempo, foi um dos alvos principais dos manifestantes. Até com certa razão, visto as cifra$ envolvidas nas obras e os constantes atrasos dos calçamentos das ruas aos estádios. O bordão #nãovaitercopa somado a todo o clima impregnado pelas manifsetações certamente broxou muita gente, primeiro preferiu num primeiro momento ficar de fora e depois se arrependeu (lindamente expressado neste texto).

Afinal, aproveitar a Copa – ainda mais na oportunidade quase única de ela ser na sua casa – não significa virar de costas aos problemas da cidade, do estado do país. Nunca foi proibido ser, simultaneamente, um crítico político e apreciador de futebol e de grandes eventos.

A bola ainda nem parou de rolar, mas acho que de todos os gritos radicais-exacerbados do período pré-Copa sobressaiu-se justamente o de um comercial. De cerveja: “Imagina a festa”.

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Beira-Rio, não mais que apenas mais um palco

De fato, que baita festa esta Copa!

Que Copa, senhores

“QUE festa, senhores.” Usei a frase anterior como legenda de um dos posts que fiz para o blog CP na Copa, um dos trabalhos que realizo na cobertura do Mundial para o Correio do Povo. E, de verdade, que grande festa que é uma Copa do Mundo. Bem mais que um dia eu teria imaginado, em especial um ano depois dos protestos de junho de 2013. Foi o que já deu para perceber em apenas uma semana de muito trabalho.

Dentre as muitas histórias a serem divididas, peço que reparem em duas primeiro: a do jovem Jhonatas Sanchez que, apaixonado por futebol, saiu da distante Machala, a 500 quilômetros de Quito, foi até o Uruguai e chegou a Viamão para enfim acompanhar de perto os treinos da seleção do Equador. Só aqui no RS, com 8 mil quilômetros de viagem e depois de várias tentativas, conseguiu um ingresso para assistir a seleção de seu país, em Curitiba. Valera a pena o esforço de um trajeto de dois meses – sempre contando com apoio de amigos e desconhecidos que lhe ofereceram abrigo ao longo do caminho.

Mas tão importante quanto a entrada para assistir o jogo foi o autógrafo recebido por Valencia, meio-campo do Manchester United e destaque da seleção. “Creio que cumpri com algo que sempre quis, que era conhecê-lo, conhecer a equipe”, disse-me Jhonatas, antes de suspirar visivelmente emocionado com o autógrafo no peito. “É uma alegria que não dá para mensurar. Dirigi por tantos quilômetros e chegar aqui e finalmente ver para mim é uma grande alegria.”

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Jhonatas raramente vê o time do coração no estádio, mas atravessou o continente pela seleção | Foto: Mauro Schaefer

Dias depois encontrei uma dupla de franceses que veio de carro desde Lille, no Norte da França, até Porto Alegre. Para realizar a viagem, Eric Carpanties e Pierre Pitoiset fizeram o velho e customizado Citröen atravessar o Atlântico de navio e desembarcar no Canadá. De lá até o Sul do Brasil foram 15 países de viagens e histórias ao longo de quatro meses.

A Copa, porém, foi só uma desculpa para a viagem. Eles sequer foram assistir o jogo entre França e Honduras, que seria realizado horas depois de estarem posando com o carro para fotos em frente ao Mercado Público de Porto Alegre. “Hoje o futebol está com muito marketing, patrocínio, essas coisas. Mas queremos mostrar este lado social, esta integração toda”, contou-me o Eric, em espanhol. Sabido das coisas, ele garantiu com propriedade: “A festa é mais importante”.

franceses

Para que ver jogo no estádio se é fora dele que se passam as melhores histórias?

E é. Que baita Copa! Que festa, senhores.