E se o hexa viesse com elas?

Era uma volta de creche qualquer em que escutávamos a “música do macaco triste” – não é esse o nome, mas chamamos assim porque no filme “A Jornada de Vivo”, ela surge quando Andrés, o tutor do Vivo, morre. Eis então que me vem uma simples e difícil pergunta para se responder às 19h30 de uma segunda-feira:

– Por que ele morre, papai?

Neurônios a mil e naquele espaço de tempo de meio segundo precisava formar uma resposta minimamente aceitável para satisfazer a curiosidade daquele ser de quatro anos no banco de trás. Tergiversei. Respondi com qualquer evasiva, cujo objetivo maior era trocar o assunto o quanto antes. Consegui com sucesso.

Acho que ainda tenho certo controle sobre o que posso ensinar agora e o que posso deixar para falar depois com a Maria Flor. Morte e por que ou como as pessoas morrem – ainda que ela já saiba que isso acontece – foi um assunto que preferi deixar para daqui a pouco, com um mínimo a mais de maturidade.

Há, porém, pontos que prefiro não ensinar. E deixar como está. Por exemplo, quando estamos na garagem ou passeando, ela me convida: “Vamos juntas”. A norma culta do português que me perdoe, mas vou deixar minha filha, uma menina do século XXI, flexionar o quanto quiser o gênero quando for me chamar para algo.

Entre tantas lições a serem vivenciadas, igualdade de gênero é uma que espero que minha filha não só aprenda, como desfrute. Mais do que as princesas oitentistas da Disney, que ela tanto gosta, puderam aproveitar em seus enredos em torno de príncipes.

E vendo – e revendo e revendo – filmes como esses, que mal ou nem podem ser chamados de velhos, ainda que um tanto antiquados, noto o quanto a sociedade evoluiu nesta pauta. Muito dos roteiros aprovados naquela época sequer seriam considerados hoje em dia. Porém, é importante não fazer vista grossa e ter consciência de que o caminho ainda é longo.

Horas antes daquela pergunta sobre morte, teve jogo do Brasil na Copa. Admito que nem vimos, um tanto pelo fuso-horário, um tanto por, de fato, não termos nos contagiado com o clima de Copa no feminino tanto quanto no masculino – quando a Flor ganhou até uma camiseta amarela.

Mas isso pode mudar. E, mais, se além de mudar. Se essa virada que o país deu no último ano chegar a campo e, por ventura, o esperado hexa vir em 2023, pelos pés das gurias? Já estaríamos preparados para inserir a sexta estrela sobre o escudo da CBF sem pestanejar?

Eu não sei a resposta. Mas torceria para que a Seleção da minha filha optasse que sim.

Em tempo: após escrever este texto e procurar foto do jogo do Brasil na Copa que notei que, desta vez, a equipe feminina não faz uso das estrelas conquistadas pelo time masculino. Até a última Copa, as lembranças de conquistas do Brasil estavam lá.

Da nossa essência

“O que somos nós se não a nossa essência?”

Foi esse o questionamento que ficou martelando na minha cabeça após ter visto e revisto algumas vezes o curta de animação “Juntos Novamente” (“Us Again”), lançado uns dias atrás no Disney+.

Nele, um casal de passado aparentemente feliz e dançante inicia a história em seu apartamento. Há música no ar, que contagia a esposa. O mesmo, porém, não se replica no homem, que, velho e amargurado, prefere o sofá – e o silêncio. Isso até ela partir, a solidão chegar e ele, graças a um milagre chuvoso, rejuvenescer. Claro, ele então parte atrás dela enquanto a chuva cai.

Enfim. É um curta e, em seis minutos se conhece todo roteiro em torno desta busca.

Mas depois do embalo de um bom ritmo do funk e do soul, me ficaram perguntas, ao fim do filme: o que nós somos resiste ao tempo? O quanto as concessões da vida nos transformam? E quanto já nos transformaram? Tudo isso não é filosofia demais para um simples curta que assisti acompanhado da minha filha no sofá de casa?

Noite dessas imaginei um encontro entre um Tiago de 20 e poucos anos e que recém começava a explorar ruas por aí e um eu já na casa dos 30 e tantos, mais velho – e provavelmente mais sisudo por conta do tempo acumulado. Acho que eles ainda teriam pontos de convergência importantes, ainda que por certo esbarrariam em convicções quase conflitantes, especialmente para um mesma pessoa.

Apesar de algum esforço, não consegui imaginar direito como seria essa conversa. Mas torci para eles se darem bem e que, ao fim, tenham reconhecido a própria essência.

Ideologia, a palavra proibida da vez

Há uma palavra que vem sendo demonizada pela política brasileira, ideologia. Apesar de ser um substantivo, o termo é usado como se adjetivo fosse. “Fulano tem ideologia”, acusam uns. “Não se governa com ideologia”, bradam outros, afundando o nível do bom debate.

É esquecido, porém, que ideologia é tão inerente à política quanto a própria palavra “política” – que até dois anos atrás era ela a Geni da vez, a ponto de ser caudilhos tão rodados buscarem esconder-se sob um manto alegado da “nova política”, numa espécie de roupagem nova que deram ao trocar nomes de “partidos” – esse outro termo perseguido tempos atrás.

A verdade é que “ideologia” e “política” não são, tampouco devem ser entendidas, como ofensas. Integram a salada de termos que compõem uma democracia. Não há problema de ter ideologia, seja ela qual for, faz bem ser político e dado a diálogos com outrem. Problema é impô-la à força.

A média do eleitorado brasileiro precisa saber escapar de pequenas armadilhas como essas e a focar-se no debate que realmente interessa às suas comunidades, de municípios ao país. Cai bem também que agentes políticos deixem de criar essas situações, para torná-las o que são, de fato: ridículas.

Embates, rasos assim, ou forçam uma polarização que não é salutar à população ou fortalecem, junto a quem não acompanha o noticiário, o imaginário de que “políticos são todos iguais”. Não são, mas é preciso acompanhar para saber.

Nesse cenário, quando campanhas não agressivas entre os candidatos são mais exceções do que regras, os eleitores vão mais se afastando do processo do que aderindo a ele. Enquanto em 2016, um em cada quatro votantes optaram por não ir às urnas em Porto Alegre, em 2020 foi praticamente um em cada três.

Claro, tem o contexto da pandemia. Mas pode estar acontecendo uma fadiga desse debate pouco profundo, que fustiga e engana aquele que é pouco interessado em política. Ainda falta uma maior cultura de debate político na sociedade, algo que jovens parecem estar se interessando mais do que a geração passada. Esses, por sinal, que nasceram já sob a democracia brasileira.

Ideologias fazem a política, e não há problema algum nisso. Cabe a sociedade debater, escolher e moldar a sua política.

Um jornaleiro de madrugada

O ponteiro do relógio já passava das 2h30 de uma já silenciosa noite de domingo para segunda-feira. Não foi nem a primeira e provavelmente nem será a última que desliguei as luzes ao sair tarde da redação.

Daquele interruptor até a porta de entrada da minha casa, são uns oito quilômetros, trajeto que naturalmente foi feito de carro pelo andar da hora. No caminho, vi somente duas pessoas na rua.

A primeira não entendi se era bêbado ou mendigo. Ajeitava-se em uma parada de ônibus, talvez adiantado demais no aguardo do coletivo. Talvez não. A segunda que me chamou mais atenção. Caminhava carregando uma bolsa com algo que me chamou a atenção. Jornais.

Um jornaleiro àquela hora, pensei eu, que até 15 minutos antes terminava de editar o texto com a notícia mais relevante daquele fim de domingo: o Oscar. A cerimônia tinha terminado uma hora antes, no máximo, daquele momento.

Em uma hora, considerando as etapas logísticas, seria no mínimo desafiador fechar o texto, revisar, mandar para a gráfica, imprimir, empacotar, transportar, chegar ao jornaleiro e ele já estar ali, caminhando soturnamente madrugada afora. Logo, dificilmente aquela edição teria a notícia mais comentada da véspera – o que não impede, claro, de ter muitas outras relevantes.

Já estava tarde, mas achei que deveria refletir sobre isso. Se não havia a cobertura do grande fato do dia anterior, o que, então, agregaria valor para aqueles papéis? Que caminho deve seguir um jornal para não cair na irrelevância – se é que é possível em tempos cada vez mais digitais?

São bons assuntos para se discutir em mesas de redação e de bar, além de bancos da academia. É preciso pensar nisso para tentar se aventurar no futuro da profissão, on e offline.

Farol nas sombras

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Sem vaidade, mas fiquei genuinamente feliz e satisfeito ao saber da aprovação de uma ex-estagiária minha em seu Trabalho de Conclusão de Curso. A minha, agora, colega Lívia Rossa tratou sobre curadoria no jornalismo – um tema que, a meu ver, merece atenção especial por esses tempos.

Pude ajudá-la no TCC ao ser entrevistado. Já não estou há pouco tempo como editor no Correio do Povo e, mais recentemente, também atuo diariamente na confecção da newsletter Matinal. Como se não bastasse, há 12 anos respondo pela comunicação na Federação Gaúcha de Judô. Alguma coisa já vi e já tive que decidir sobre caminhos a seguir, portanto.

Quando ela falou comigo, o que seria um café virou almoço. Aquela coisa corrida, sem muito tempo pra pensar. O que pode tornar toda entrevista mais genuína, como de fato foi. A Lívia perguntando, eu pensando e respondendo com um olho no prato e outro no relógio. Uma rotina de trabalhador proletário.

A Lívia fez perguntas difíceis, admito. Mas ótimas para se refletir, assim, de supetão, quando somos mais honestos. Ao ser questionado sobre qual o papel do jornalismo hoje em dia, ainda consegui bolar uma metáfora que, sinceramente, espero que tenha sido usada no texto dela, de tão poética que ficou. Era algo como que o jornalismo deveria ser um farol em meio aos atuais tempos obscuros.

E, sim, deveria. E deve!

Podemos trocar a metáfora dos ares sombrios para ruidosos. Talvez seja mais adequado, porque o que ofusca hoje não é a claridade da informação, e sim a quantidade de barulho em volta. É muita gente falando. É muita versão para um fato. É muita autoridade falando absurdo – e às vezes, principalmente, só para aparecer.

Há tempos que tenho uma bronca com o jornalismo declaratório. Cada matéria de “fulano diz” talvez necessite de outra, a do contraponto. Só que aqui temos um leitor apressado, que, ao fim, pode vir a perder o contexto, por mais links, gráficos – e todas as outras possibilidades da internet – que se tenha à disposição. Nisso, elogio – e muito – o Nexo e o El País pelo jornalismo que produzem. Creio que jornalistas deveriam se inspirar mais nesse norte que ambos seguem.

Fato é que o modus operandi jornalístico mudou de uns anos pra cá. Se, quando comecei a frequentar redações, pouco mais de dez anos atrás, havia o embate impresso x internet, hoje, com a massificação de smartphones – que são outra forma de se consumir o jornalismo, diferente do que simplesmente “na internet” –, agora há o desafio cada vez mais permanente da edição, ou, se olharmos com calma, da curadoria.

A provocação é: se temos tudo, que tipo de material dispomos ao alcance do nosso leitor?

É papel, penso eu, do bom jornalista separar o joio do trigo em meio a todo esse zumzumzum. Para o grande e apressado público as fontes podem estar mais opacas – aqui entra outro desafio: é preciso recorrentemente se enxergar como leitor para pensar curadoria e edição. Nas redes sociais afora, muita gente disfarça panfletagem como jornalismo exatamente para tentar confundir hoje em dia. Passar à frente a versão desejada. “Precisa ter olhos firmes, pra este sol, para esta escuridão”, já alertaram Gil e  Caetano.

Temos que saber bem qual conteúdo devemos propagar. É preciso ser farol em tempos obscuros.

No mais: parabéns, Lívia! Que a nota 10 no TCC seja o início de uma grande carreira.

Morreu, mas passa bem

Ainda sobre o Marcelo Yuka, tema do último post, mas principalmente acerca de jornalismo online. O músico morreu no sábado, 19 de janeiro. Mas duas semanas antes, em 3 de janeiro, ele também havia morrido.

Como assim? Bem, confusões. Morreu porque seu ex-colega d’O Rappa, Marcelo Lobato, publicou em seu Instagram uma mensagem de “valeu, Yuka. Sentiremos sua falta”. Coisa assim. Num breve texto, ainda que desse a entender, sequer anunciava de fato a morte do músico. Apesar de fraco, o pulso ainda pulsava.

Foi, porém, o bastante para pelo menos dois grandes veículos publicarem a morte de Marcelo Yuka. Julgaram que a pauta já estava apurada o suficiente e tocaram no ar. Tiveram que se desmentir nos minutos seguintes, quando a questão fora levemente esclarecida, com o assunto ganhando corpo em nível nacional na primeira quinta-feira do ano.

Conhecendo redação, dá para dizer: foi uma aposta. Tivesse morrido mesmo, teriam sido os primeiros a publicar. O que se ganharia mesmo com isso? Mais cliques? Um lugar melhor no Google? Talvez. Mas não vale a pena.

A pressa por um “furo” desses, em caso envolvendo morte – seja de artista famoso ou anônimo – é uma armadilha. Pare-se aqui para não entrar na seara da discussão ética sobre noticiar a morte de alguém vivo.

Coberturas que envolvem a morte requerem cuidado e respeito. Até porque, ao repórter, poucas situações são mais desagradáveis do que ter de fazer uma nota desmentindo uma informação dada poucas antes. Tornando-se um famoso caso do “morreu, mas passa bem”.

Jornalismo, e não só o online, cobra apuração e não correria.

Jornalismo precisa ser muito mais que números

O bom humor é algo que não necessariamente faz gargalhar, mas que provoca reflexão. Vídeo recente do Porta dos Fundos pode ser um caso desses: “Tabela de conversão” satiriza a busca por uma manchete em um jornal carioca qualquer. Uma série de ocorrências sangrentas na periferia são levantadas – e ironizadas pelo editor – até se decidir pelo de uma pessoa branca esfaqueada em zona nobre levar o destaque da capa.

Bom mesmo se fosse apenas engraçado ou tragicômico e não tivesse quê de verdade. Ainda que, é claro, imagino e quero acreditar que os debates não são naquele nível do canal em redações reais – ou na maioria dessas. Mas me incomodou um pouco que o resultado não chega a ser tão diferente.

Óbvio que há uma série de critérios técnicos na definição do que é notícia e principalmente aquilo que vira manchete, tais como localismo e ineditismo. Pode, por exemplo, ganhar destaque o mais inusitado sobre o mais grave.

A verossimilhança do vídeo com algumas situações que já reparei na imprensa, porém, me incomodou. No âmbito regional e recente, aconteceram algumas situações das quais lembrei assim que vi o vídeo. Não por se dar destaque a um ou outro caso, todavia pela seleção daquilo que terá ou não repercussão futura.

Infelizmente, casos de homicídios não têm faltado na mídia gaúcha. E essa situação vem de muito tempo. Só que há uma clara impressão de que os casos mais graves – a exceção de chacinas, que volta e meia têm pipocado no noticiário – têm perdido suítes para alguns específicos, em que as vítimas eram casualmente mulheres, brancas e bonitas.

A questão é delicada, assim como o tema. A rigor, não há caso de homicídio que não mereceria uma nova matéria. Afinal, estamos falando de uma vida ceifada. Porém, diante da infinitude de casos, quando é impossível repercuti-los, quais escolher?

porta

O novo jornalismo – esse com ainda mais pressa para se publicar, menos repórteres e menor contato direto com o local dos crimes – vive o desafio de não se desumanizar. Não deixar crimes virarem meros números corriqueiros – a “terça-feira lá”, citada no vídeo. Em tempos de very hard news, o contexto é tesouro.

O jornalismo é e precisa ser uma ciência humana. Necessita tocar o público e as autoridades. Isso normalmente é consequência da boa apuração numa boa pauta. Alcançar manchete e ter repercussão deve ser visto como consequência. Antes do clique, o bom jornalismo tem como missão identificar e cobrar solução daquilo que está errado na sociedade. Em prol da sociedade.

Quer pagar quanto?

tuite

Dias atrás lancei uma pergunta despretensiosa no Twitter a fim de descobrir quanto que meus seguidores estavam dispostos a pagar pela assinatura digital de um veículo jornalístico. Esclareci que não se tratava de uma pesquisa científica ou coisa assim, até porque faltam aí diversas variáveis. O mote da questão remetia ao velho bordão das Casas Bahia: “Quer pagar quanto?”

Houve três faixas de preço: até R$ 9,90, até R$ 19,90 e até R$ 29,90. Em três dias 27 votaram, garantindo uma vitória acachapante da primeira e mais barata opção (78%). Outros 19% admitiriam desembolsar até R$ 19,90 para se informar. O restante, 3%, deu uma de mão aberta no levantamento e se dispôs a bancar R$ 29,90 – praticamente R$ 1 por dia – por um jornal online.

Apesar da vitória, ficou um palpite sensível: a opção de pagar até R$ 9,90 só saiu vencedora porque a pesquisa não ofereceu a alternativa: “Nada”.

A falta de disposição em não pagar pelo conteúdo jornalístico decorre de uma clara sensação de que as notícias – matéria-prima do jornalismo – hoje estão facilmente ao nosso alcance. E são, via de regra, gratuitas, através das redes sociais, por exemplo, onde manchetes dos links postados, seja por veículos ou por pessoas, já de certa maneira informam.

Conste-se também a imensa gama de canais por onde se informar – fenômeno esse projetado já no início do século, ou seja nos anos iniciais da internet comercial, quando dos primeiros passos da chamada web 2.0, que quebraria o modelo até então consolidado da comunicação emissor-mensagem-receptor.

E o modelo quebrou, de fato. Receptores tornaram-se emissores e multiplicadores de conteúdos. Em questão de pouco tempo, diversos canais alternativos e informativos surgiram na concorrência a veículos de comunicação já consolidados, alguns havia décadas. Nem todos necessariamente jornalísticos, mas sim uma espécie de simulacro, o qual já satisfaz a boa parte do público leigo e/ou ansioso por apenas uma determinada informação.

Importante frisar que paralelo a esta quebra, consolidaram-se nas redes sociais a distribuição de conteúdo. E de forma linear foram colocados um clique gratuito e um clique pago, por meio de paywall, ao mesmo tempo em que mudavam drasticamente o mercado publicitário, tomando para si uma verba que sustentava redações.

Ano após ano, portanto, o leitor (ou antigo receptor) desacostumou-se a ir atrás da notícia, pois neste vaivém ela de alguma forma acabava aparecendo. E até não muito tempo atrás, sempre de graça. Então, por que pagar? E, se pagar, quanto?

Determinar quanto custa o trabalho jornalístico é algo subjetivo, porque mudam, de texto para texto, a quantidade de tempo empregado, gastos com transporte, telefone, internet, entre outras variáveis, como um bom servidor, necessários para a produção e propagação do conteúdo. Lado a lado poderão estar publicações prontas em minutos e reportagens feitas ao longo de semanas. Contudo faz-se necessário, e já com urgência, entender a mudança de cenário, agora, com internet – e o mobile – à frente do tradicional impresso.

A mesma aposta para um produto nem sempre agradável

Pesa ao jornalismo, principalmente ao diário de hard news, ainda ter que “vender” notícias nem sempre agradáveis ao leitor, ao invés de fatos ou conveniências que lhe proporcionem algum tipo prazer, semelhante à sensação quando se compra algo que gosta ou se procura. Em outras palavras, vender jornalismo pode significar ter que buscar receitas com um produto que nem todo mundo gostaria de comprar.

um break bem-vindo porque o texto é grande e foi impossível não lembrar deste filme:

ok, retomando

Em uma linha geral, a rentabilização na internet passa por conhecer os dados do consumidor e saber como tomar pouco de dinheiro de cada um. Receita que, apesar de trabalhosa, se parece mais segura que o contrário, receber muito de poucos – base da publicidade que passou décadas aportando o jornalismo.

Os veículos mais antigos necessitam reconhecer que, apesar de tanto tempo de história, há todo um trabalho que precisa ser reiniciado quase que do zero, situação que coloca novos portais ao lado de nomes consagrados. Disputam o clique de um mesmo leitor. E ele, se estiver disposto, irá querer pagar pouco e ter retorno.

Pouco, neste caso, pode ser sinônimo de estabilidade. E isso é o contrário do que os jornais tradicionais brasileiros parecem apostar. Pouco não significa promoção. A pergunta que motivou o tuíte citado foi originada a partir da busca por assinaturas em jornais consagrados no Brasil.

Três dos maiores e mais acessados veículos jornalísticos do país usam de promoções na esperança de atrair assinantes. Em São Paulo, Folha e Estadão cobram apenas R$ 1,90 no primeiro mês para depois multiplicar o valor: a Folha para R$ 29,90 e o Estadão, R$ 21,90. O Globo, do Rio, busca uma medida mais equilibrada e paulatina: R$ 9,90 nos seis primeiros meses e dobra para R$ 19,90 a partir do sétimo.

No Rio Grande do Sul, o cenário não é diferente. GaúchaZH tem a mais arrojada promoção, cobrando R$ 4,90 no primeiro ano de assinatura, só que, a partir de então, o preço quase quadruplica e salta para R$ 18,90. Principal concorrente em Porto Alegre, o Correio do Povo oferece a assinatura por R$ 14,90 nos primeiros seis meses, com o preço praticamente dobrando, indo para R$ 29,90, do sétimo mês em diante.

Também da Capital, o Jornal do Comércio tem um modelo de negócio semelhante à assinatura do impresso, com planos mensal, trimestral, semestral e anual, com desconto progressivo. Enquanto assinar por um mês custa R$ 24,90, o preço do anual torna o gasto por mês a R$ 20,80 – mediante o pagamento único de R$ 249,60. Para efeitos de comparação no âmbito regional, o Diário Popular, de Pelotas – uma das maiores cidades do interior gaúcho – tem praticamente todo o seu conteúdo restrito apenas para os assinantes. A assinatura, sem promoções, custa R$ 9,90 por mês.

Veículos nascidos na internet já adotam uma política de preço levemente mais baixa, ainda que sua cobertura seja em nível nacional. O Jota, especializado em conteúdo jurídico, cobra R$ 19,90 por mês dos assinantes, oferecendo aí outros tipos de seções, como newsletters especializadas. O Nexo pede R$ 12. Ambos dão dois meses de graça na compra do plano anual.

Se não uma luz, um exemplo

Uma breve olhada para o cenário internacional deve esmiuçar o trabalho desenvolvido pelo The New York Times, que desde o ano passado já superou o número de 2,6 milhões de assinantes exclusivamente digitais. Em 2018, o NYT alcançou a casa do bilhão de dólares de receita com assinantes – contando aqui também os assinantes do impresso, ainda responsáveis por boa parte do bolo, frise-se.

O esforço recente resultou numa virada sadia, ocorrida nesta década: hoje o The New York Times fatura mais com assinaturas do que com publicidade. O preço de uma assinatura digital básica não tem promoção, mas tampouco varia: US$ 6. Na conversão de julho de 2018, é mais barato que quatro dos sete jornais brasileiros supracitados.

Compreender o fenômeno do New York Times e considerar suas variáveis com o mercado brasileiro – que são muitas – talvez seja entender o norte para o caminho da rentabilidade dos veículos jornalísticos online. A partir daí direcionar os esforços tanto na produção do conteúdo a ser oferecido quanto onde e como buscar potenciais novos leitores dispostos a pagar para se informar.

Não existe fórmula mágica, existe sim um mercado novo a ser pensado pelos publishers. E como toda novidade é necessário conquistar o novo leitor, tanto com preço, como com conteúdo. Não adianta comparar assinaturas de jornais a modelos de streaming como Netflix e Spotify ignorando os tópicos preço e qualidade do produto entregue. Só a partir daí acontece a fidelização e, consequentemente, a rentabilização.

Promoções, claro, são parte importante de estratégias de marketing e seu poder não deve ser desprezado. No entanto, diante de fatores como principalmente a instabilidade econômica atual e o alto índice de desemprego nacional, oferecer um preço fixo mensal pode ser mais atrativo do que fazer o valor ao qual o leitor se acostuma a pagar dobrar em questão de tempo.

Numa situação em que a consagrada teoria de McLuhan virou algo do passado, o jornalismo precisa se enxergar como receptor para reaprender a se capitalizar como emissor.

 

*Artigo também publicado no Observatório da Imprensa

Por mais palavrões, carajo!

carolglobo

Shit happens

Dias atrás Donald Trump falou alguns absurdos sobre as mulheres, vocês devem ter visto. Absurdos que fizeram alguns aliados pularem de sua campanha, além de provocar certo asco em pessoas socialmente racionais. Dia 10, a GloboNews repercutia o caso transmitindo ataques dele (que serviam para justificar o que havia sido dito) pouco antes de as imagens voltarem à repórter Carolina Cimenti, que, obviamente, sem saber que estava ao vivo, desabafou:

Convenhamos: “Puta que pariu” é o mínimo a se dizer diante do caminhão de absurdos que o candidato republicano dispara volta e meia. De pronto a gafe ganhou as redes sociais. Mas a tônica ficou mais na iminente demissão da repórter, que tem nas costas diversas coberturas complicadas, do que na repercussão dos fatos em si.

Ainda na TV, mas dias antes, o venezuelano Seijas extrapolou na sinceridade após mais uma derrota do Inter: “Situação está uma merda”. A “merda” virou “M…” nas matérias vindouras. Dentre os grandes portais, uma exceção foi o UOL, que manteve o termo.

Para alunos do primeiro semestre de faculdade, ao menos os de 2005, o letrado professor Juremir Machado da Silva montou uma interessante lista dos 10 mandamentos do texto jornalístico. Uma delas: “O uso de palavrões deixa seu texto uma merda”.

Mas a não-publicação de palavrões não chega a ser uma lei universal, nem mesmo debatida – como ocorrem em casos que envolvem suicídio. Jornais de língua espanhola, por exemplo, fazem uso do baixo calão. Alguns, mais despojados, não poupam nem sua capa, caso seja necessário. Isso sem falar nas rádios esportivas em momentos de gols cardíacos. Aí o “carajo” corre solto pelas vias da emoção da hora.

Saliente-se: não perdem credibilidade ou audiência com isso. Aí, pelo contrário, aproximam-se de seu público.

Aqui, então, faz-se a reflexão: se o jornalismo se propõe a retratar de forma fiel a sociedade, por que restringe-se aos limites do puritanismo ao reportar um meio onde o palavrão é algo comum no mínimo desde a pré-adolescência?

Não que a reportagem devesse se tornar algo completamente coloquial ou informal, como numa conversa de bar entre amigos. Não, até porque o bom jornalismo exige seriedade e, claro, respeito para com o próximo. Entretanto, em diversas situações, a ênfase do baixo calão poderia tornar mais verossímil o relato.

De qualquer forma, quando uma repórter competente acaba por deixar escapar um desabafo na forma de uma palavrão, o público deveria mais saudar o fato – “olha, a repórter também é uma humana” – do que ficar brincando com uma possível demissão. Ainda que não pareça às vezes, jornalismo é feito por pessoas. (e pessoas falam palavrões!)

Palavras para guardar ou passar

Livros“Um abraço ao meu grande e fiel amigo” e eu parei de ler por aí. Por óbvio, era uma dedicatória, que estava no livro “102 que contam”, organizado por Charles Kiefer. Não haveria o menor problema se a obra não estivesse a venda, por R$ 10, em um sebo no Centro de Porto Alegre.

Eu estava ali por acaso, matando tempo quando encontrei o livro. Li a dedicatória e em seguida tuitei: “Constrangimento: abrir um livro usado em um sebo e dar de cara com um dedicatória que começa com “ao meu grande e fiel amigo…””.

Num sucesso incomum, tão logo recorri à rede social, as repercussões começaram. Uma colega pouco caso fez, outro questionou o “constrangimento”, uma terceira concordou comigo e, depois, mais um entrou no que virou um debate, sugerindo que o “grande e fiel amigo” pode ter morrido e, por isso, o livro estava naquela estante. Em meio à isso, um sebo passou a me seguir no Twitter.

Achei engraçado o assunto quase banal gerar a discussão. No fundo, mexe um pouco no âmago de qualquer um familiarizado com a literatura. Qual a utilidade de um livro usado, afinal? Deixá-lo na estante, parado, quase como um enfeite intelecutal na casa. Ou passá-lo adiante, a fim de difundir a cultura amigos afora.

Livros, talvez, podem ser comparados com amigos. Parafraseando o Vinicius de Moraes: nem todos estão próximos ao mesmo tempo. Às vezes tu sabes que determinada pessoa está fazendo um bem enorme a grupos distintos, mesmo longe de ti. E às vezes se fica bem faceiro só em saber que ele está ali, ao seu alcance, para reler um parágrafo, um verso marcante.

Fico dividido. Em meio àqueles sonhos empoeirados, acho que anseio por ter um cômodo da minha grande casa destinado a ser um biblioteca particular, onde um Gabriel García Marquez comprado em Bogotá (que ainda nem li) divide espaço com um livreto com discursos de Fidel Castro, vindo de Cuba. Onde Millôr Fernandes e Luis Fernando Verissimo teceriam eternamente textos geniais. Enfim.

Mas, ao mesmo tempo, tem tanta gente que – mais do que poder – deveria lê-los, que fico em dúvida. Volta e meia empresto (troco) livros com alguns amigos. Admito, porém, que esse meu círculo é bem restrito.

Fato é que, por mais que a frase “no fim, a vida inteira se torna um ato de desapego”, vista em um bom filme em cartaz por aí, tenha me feito refletir, algumas coisas talvez sejam imutáveis para mim, como livros com dedicatórias pessoais. Esses são para se levar pra sempre.