O triste (?) fim de um mercadinho

Chamava-se “Mercado Tropical”, e entrar nele tinha um quê de voltar à parte de uma infância que foi minha e de tantos outros com pelo menos 30 e poucos anos ou mais. Apesar do prenome, seu porte era mais para o diminutivo, mercadinho. Ou, talvez para ser mais exato, lembrava bem uma boa e velha venda. Em plena avenida!

Tinha pouco de quase tudo. Uns azeites do lado dos sacos de feijão, umas esponjas perto de alguns desodorantes. Coca-Cola (ou Pepsi?) numa geladeira e hortifrúti ali num canto. Alguma marca de cerveja, além de uma que outra fornada de pão por dia também eram garantidos. Tudo ficava bem perto, umas coisas das outras, num ambiente com aquele cheiro típico de mercadinho. Um quebra-galho para horas de apuros.

Já nesses tempos mais modernos, aceitava até cartão de crédito para clientes, mesmo os menos habituais como eu. Mas aposto: com um mínimo de intimidade, a moça ou o moço que estivessem no caixa (e que também atendiam na padaria e no açougue) puxariam o caderninho. “Bota na conta”, diria eu, se fosse freguês assíduo. Fim do mês ou perto do dia 5, a gente se acerta. E tudo bem.

Chamava-se Mercado Tropical, mas poderia ilustrar um sem fim de exemplos. Uma venda, armazém, bodega qualquer, dessas que tinham aos tantos nos miolos de bairros da infância de gente que tem pelo menos seus 30 e tantos nas cidades grandes – mas que, certamente, ainda insistem em sobreviver em cidades interioranas.

No caso do Mercado Tropical, a cidade era Xangri-Lá, essa que exibe sem constrangimento há alguns anos a alcunha de “capital dos condomínios” como se isso fosse alcunha digna de ser exibida. Uma cidade que se orgulha que seus moradores escondam suas casas dentro de perímetros de muros altos. Muros, aliás, que seguem se alastrando, desde o mar até a estrada para comportar seus novos habitantes, que chegaram às pencas desde que a covid resolveu aparecer.

Com tanta gente nova na área, sobrou, então, menos espaço para mercadinhos quaisquer. E quem chegou vem de carro e pode pagar por aproximação. Em que pese o vento constante do litoral gaúcho, não dispensa um forte ar-condicionado funcionando a pleno.

Assim, neste verão, qual não foi minha surpresa logo ao chegar na praia e não encontrar mais o Mercado Tropical, que havia anos estava no mesmo lugar. Ainda que já tivesse trocado de nome ao longo da última década, abandonando um mais familiar “Tio Freitas”, o conceito tinha se mantido. Agora, não.

O antigo Tropical tomou um banho fashionista, vestiu-se de preto, capinou até o terreno ao lado para colocar uma placa escrita “estacionamento”. Cresceu em sua fachada, onde soletrou: “Casa de Carnes Suprema”. E com direito ao desenho de um boi meio brabo, esse com dois chifres.

Jamais teria coragem de pedir pra anotar uma compra no caderninho num lugar desses. Tampouco encontraria variados produtos empilhados em parcas prateleiras. Agora, ali, os cortes são selecionados e pelo que espiei, separados por refrigeradores. Deve ter Angus beef, steaks, prime ribs diversos, essas coisas – deliciosas, obviamente, mas impraticáveis nos mercadinhos.

A troca de Tropical para Suprema, porém, talvez queira dizer um pouco mais sobre o mero reposicionamento de um mercado. Talvez tenha mudado acompanhando a tendência da vizinhança, agora visivelmente mais chique do que era uns anos antes, chegando com suas SUVs no lugar de velhos buggies. E, claro, com gosto mais exigente que outrora. Uma vizinhança refinada.

Quem sabe, essa mudança tenha sido encarada com naturalidade e sem estranhamento e isso, quiçá, fala até um pouco mais da nossa sociedade empreendedora, essa mais de redes que de rua, mais de cartão de crédito do que de caderninho. Essa que prefere ficar um pouco de lado, enquanto os outros ficam para lá, mais longe da avenida.

Crônica publicada na edição 214 da Parêntese e que não deixa de ser uma prima d’A cidade com eme no céu

Aprendizado

Certa feita publiquei um texto refletindo sobre os meus primeiros cinco anos como profissional. Foi uma crônica de desencantamento, um pouco sobre como sair das nuvens embriagantes de uma formatura para colocar o pé no chão nos desafios diários de uma redação de jornal. Lembrei dessas palavras nesses dias dezembristas, em que passamos a régua no que fizemos de bom e de ruim nos últimos 12 meses.

Se naquela oportunidade eram cinco anos enquanto formado, hoje estou perto de completar o primeiro quinquênio na dita “imprensa alternativa” ou “independente” – adjetivos que, admito, não gosto muito, mas que normalmente vêm colados à Matinal, quando esta é mencionada. São complementos que, não raro, soam até como elogiosos ao trabalho feito ali e não na “grande mídia”.

Neste caldo de pensamentos analíticos, também percebi que estou próximo de completar o primeiro ano na condição de mestrando. É algo que jamais havia projetado na minha carreira, em especial em outra área de formação, o planejamento urbano. E é algo que sempre me impõe a condição de mero aprendiz, desconsiderando boa parte da trajetória que tive até ali.

Somando as duas condições, fico feliz de reparar que entrarei em 2024 com um olhar cada vez mais crítico a respeito do que se passa ao redor, na pauta e nas ruas. Uma crítica sobre o que é e pode ser notícia, uma crítica sobre como ela deve ser relatada e publicada no seu caminho até o leitor, até o cidadão.

Hoje, dou um viva à implicância com certos termos que por muito tempo me passaram batido, como uma palavra ou sinônimo qualquer. Faço careta e descarto outras tantas palavras que se disfarçam de inocentes, mas cujos significados importam e impactam bastante à pauta e a quem as diz respeito. Talvez isso se chame experiência, o que não deixa de ser um processo de aprendizado.

Desde aquela reflexão sobre os cinco anos de carreira, lá se vai praticamente uma década. Entre tantas outras desilusões e festejos que se somariam àquele texto, é bom se perceber ainda com capacidade de aprender e, mais, de estar disposto a isso. É o que vejo como a minha contribuição. Pouca, claro, irrisória no cenário em que estou. Mas um pontinho a mais disposto a fazer um jornalismo melhor.

Trajetórias

“Daqui a dez anos eu quero estar trabalhando numa agência e ganhando R$ 10 mil por mês.” Ouvi essa frase ali por 2008, de uma colega publicitária, que assim como eu estava às vésperas de se formar na faculdade. Eu creio que guardei na memória essa frase por achar que ela continha uma ousadia expressiva para uma formanda (se R$ 10 mil hoje ainda é um bom salário, naquela época era uma fortuna), mas também por ecoar em mim – às vésperas de virar um profissional diplomado – a total falta de planos que tinha para o meu futuro.

Ok, “total” é meio exagerado dizer. Mas a verdade é que nunca fui de fazer planos a longo prazo, embora seja capricorniano-permanentemente-pé-no-chão – ou talvez seja exatamente por isso, enfim. Findada a faculdade, eu queria trabalhar, reportear romanticamente a pauta que viesse, onde que fosse e imaginando que, mais cedo ou mais tarde, chegaria à RBS para trabalhar na Zero Hora. Esse era o sonho fomentado pela Famecos daquela época. Antes, por razões pessoais, queria trabalhar no Correio do Povo.

Bem, realizei só a parte do CP. E lembro com carinho da vez que mostrei para a minha avó, em seu último ano de vida, meu nome impresso naquele jornal que ela assinou durante décadas. Com a parte da Zero Hora nunca se realizando, apesar de chegar a estar próxima algumas vezes, fui ficando na Caldas Júnior por tempos a fio, até completar 12 anos de casa. Saí para um lugar que sequer existia naqueles idos de 2008. Saí para um jornal que ajudei a fundar, veja só.

A Matinal completa neste 21 de setembro mil edições, enviadas ao longo de pouco mais de quatro anos e meio de trabalho. Presente na confecção da maior parte delas, sou, dentre os três que criaram esse projeto em 2009, o que restou no dia a dia da produção desta newsletter. Enquanto o Paulo Antunes resolveu olhar jornalismo por fora, o Filipe Speck ascendeu a diretor do que hoje é a empresa Matinal.

A efeméride me fez retornar àquela conversa com a minha colega. Passaram-se mais que dez anos, eu não ganho R$ 10 mil mensais, sigo sem planos profissionais plenamente estabelecidos para o futuro, ainda que agora possa contar com alguma tranquilidade advinda da experiência, essa coisa que se conquista com o passar dos anos.

Hoje tenho algo para me orgulhar. Algo maior do que a aspiração de emprego ou alto salário desejado de formando. Ajudei a criar um veículo relevante para a minha cidade, que nasceu da inquietude e da disposição de três e, logo depois, tomou forma e se consolidou com a ajuda de muitas outras mãos de competentes profissionais que estiveram ou ainda estão ao nosso lado.

Pode não ser R$ 10 mil, pode não ser o emprego dos sonhos. Mas é uma história e tanto. Que seja uma longa trajetória.

Hoje, eu só trago versões

Em uma noite como essa, 14 anos atrás, fui diplomado jornalista profissional. Era um sonho realizado, concluindo a expectativa da entrada na universidade e posteriormente os anos de faculdade. Eu achei que estava pronto. Cinco anos mais tarde, revisitei aquele 9 de janeiro em outro texto, um dos que considero icônicos deste blog, e concluí: estava era bêbado de felicidade.

Não que seja uma especificidade do jornalismo, mas a vida se mostrou bem mais complicada no momento pós-academia do que quando se era estudante. A questão, porém, é que o Brasil mudou, e mudou rápido. A estabilidade civil e democrática que vigorou até a década passada talvez nos tenha deixado mais acomodado. O conta veio a partir de 2013.

Em paralelo, se acelerou uma nova dinâmica tecnológica e de comunicação. Terminei meus estudos em jornalismo num momento imediatamente anterior ao boom das redes sociais. O Tiago que saiu da faculdade mal tinha ouvido falar em Twitter e sequer imaginaria que aquela rede social contribuiria para um movimento como a Primavera Árabe de dois anos depois. Ao mesmo tempo, ele apostaria que tablet poderia ser um excelente modelo para a salvação dos negócios do jornalismo.

Influenciador? Esse termo só entrou no vocabulário da forma atualmente conhecida tempos depois. Eram tempos mais ingênuos e com o webjornalismo sendo o primo pobre e feio da imprensa, coisa para nerds ou recém-formados.

Felizmente, acho que aprendi um pouco ao longo deste período e datas como essas sempre servem para se fazer um balanço. Hoje, ao contrário de muitos colegas, posso dizer que trabalho num jornal, o qual tive a honra de ser um dos fundadores, em que realmente acredito. Que abre cada edição com a disposição de se fazer uma sociedade melhor. Isso é reconfortante.

Ainda assim, o jornalismo e o jornalista seguem em xeque. Semanas atrás escrevi um artigo em que provoquei “quem que dizia a verdade”, ainda no contexto das eleições de 2022. Creio que profissionais da minha área, de décadas atrás, não teriam tantas dúvidas para responder como eu tenho agora.

No texto, tangenciei a ideia e o termo, mas, em tempos como esses, aquela dúvida segue me martelando. “O que é a verdade?” Hoje, eu tenho 14 anos de jornalismo profissional, muitos erros e acertos nas costas, e já alguma experiência. E eu só trago versões do que, certa feita, foi a verdade. Versões e contexto.

Isso diante de um público cada vez mais convicto no que quer acreditar. Um público acostumado, para mal e para bem, à pós-verdade. Como noticiar para ele? Jornalistas e credibilidade não rimam, sequer combinam, para parte considerável da população.

Há, pela frente, enormes desafios pela frente para os jornalistas que se propõem a fazer um trabalho sério. Se tenho diversas críticas à formação que tive, guardo alguns mantras e aprendizados como tesouro. Um deles, do Mestre Leonam, frisa: “Repórter não pode ingênuo”.

Tenhamos olhos abertos, ouvidos atentos e sigamos.

Sobre abraços e sociedade

Tem na minha carreira como jornalista dois abraços que considero inesquecíveis. Eles são separados por cinco anos, ocorreram em redações e momentos completamente diferentes. Mas, dei-me conta nesta semana, têm algo em comum.

O primeiro deles foi numa noite fria de junho de 2017, no Correio do Povo. Era véspera de um feriadão às portas do início do inverno. Corriqueiro pr’aquela noite talvez fosse termos atualizações de movimento de estrada, coisas assim. Só que não foi o caso.

No início da noite, a Brigada Militar cumpriu ordem judicial para a desocupação de um prédio no Centro de Porto Alegre – o qual, ao menos até pouco tempo atrás, seguia vazio. Foram cerca de 200 pessoas de 70 famílias, que lá estavam havia mais de ano, colocadas para fora. À noite, em véspera de feriadão e no frio crianças testemunharam a brutalidade da força do Estado no cumprimento de uma decisão judicial.

Foram horas tensas, com sirenes, incertezas e violência até que tudo enfim fosse apaziguado à força. Escalada para cobrir pelo jornal, eu lembro como a repórter, ainda jovem, voltou para a redação do CP: olhos esbugalhados, falando sem parar, assustada. Um tanto dela queria passar mais informações, um tanto queria desabafar, porque o jornalismo é, ao fim, uma ciência humana.

Eu já era editor, mas a única coisa que lembrei de oferecer na hora para ela foi um abraço, prontamente recebido depois de ter testemunhado tudo aquilo a poucas quadras do jornal. Ela precisava de alguns segundos de calma. Certamente eu também.

O outro abraço que não vou esquecer foi na minha colega do Matinal, minutos após a vitória de Lula nas eleições 2022. Um abraço com olhos marejados, emocionado, como quem começa a acordar de um pesadelo que foi (ainda é, em tese) o governo Bolsonaro. Um abraço de esperança em meio a tempos sombrios em tantas áreas sociais.

O fio que liga essas duas cenas passa pela atuação da polícia militar. A mesma corporação que protagonizou cenas fortes em 2017 é a que pediu gentilmente – e descaradamente foi ignorada – a manifestantes cuja pauta golpista e antidemocrática sequer é escondida sair do lugar em que estavam.

A questão não é defender o emprego da violência ou de uma mera conivência. Mas, entre esses dois abraços, eu fico me perguntando o porquê de agir de formas tão diferentes. E, nesta reflexão, eu não posso ignorar contra quem eram os mandados, que cor tinham os manifestantes em questão nos dois eventos.

Situações como essas escancaram que ainda temos um longo caminho enquanto sociedade para trilhar, um racismo estrutural para combater e uma cidade mais justa para construir. Que nos dê mais motivos para abraços esperançosos do que de abraços de consolo. Não vai ser com ares de injustiça ou movimentos antidemocráticos que chegaremos à ela.

Pra trás e pra frente

É março de 2022 e vou dormir impressionado após maratonar uma série em podcast, cujo nome modernoso é “audiosserie”, mas que nada mais é que uma velha radionovela. Aquilo que fazia sucesso em lares Brasil afora quando minhas avós tinham algo perto da idade que eu tenho hoje.

A bem da verdade, uns 15 anos atrás, já quase formado, tive uma disciplina na faculdade que foi quase que inteiramente voltada à produção de uma radionovela. Confesso que até foi divertido, mas achei uma perda de tempo. E ainda não estou convencido de que não foi.

Mas hoje, veja bem, sou editor de um jornal cujo principal formato é uma newsletter, esse modelo voltado ao e-mail e criado em priscas eras da internet. Os colegas com os quais iniciei essa jornada dividiram comigo as aulas do curso de Especialização em Jornalismo Digital, entre 2010 e 2012.

Jamais esqueço que ali nos garantiram que o e-mail estava com os dias contados!, assim, com ponto de exclamação e tudo, tamanho era o entusiasmo. O futuro, ao menos o visto naquela época, pertencia às redes sociais. Em especial ao Facebook – esse mesmo site que hoje parece ser mais referência a pessoas com idades mais próximas à da minha mãe do que à minha.

(hehe, eu dedico cada edição do Matinal a essa lembrança)

Dia desses, aliás, inserimos um gif (!) na nova newsletter do grupo (veja bem como vai o negócio). O gif, esse mesmo formato mais leve que o jpeg. Teve um quê de inovador, achamos nós. Um verdadeiro culto àquela configuração de imagem desprovida de megapixels e que tanto fora carregada em internet discada décadas atrás.

Essas voltas que o mundo dá são engraçadas. Em internet, não se pode ter rancor, pois sempre parece que cruzamos ontem com soluções que precisaremos amanhã.

O cais fechado da cidade que tem nome de porto

O Cais Mauá, vazio | Foto: Maria Ana Krack/PMPA

Eu escolhi jornalismo por convicção. E não às vésperas do vestibular, foi antes. Faz tempo, mas não me arrependo. Só que pra não dizer que nunca olhei para o lado, em algumas raras vezes tive vontade de cursar outros caminhos, alguns longe da rotina das letras. Um deles foi a química, motivado por um namoro interessante que tive com a química orgânica, durante o segundo ano do antigo segundo grau. Mas foi só voltar a estequiometria que as nossas relações ficaram distantes.

Outro, em algum momento que não recordo bem, foi com a arquitetura, porém sempre mais perto do urbanismo – algo que só fui notar mesmo mais recentemente, mais adulto e, especialmente, aprendendo a me mover por cidades em ônibus, trens ou bicicletas. Hoje, mobilidade urbana é algo que especialmente mexe comigo, pessoal e profissionalmente.

Assim como também o bom uso de espaços. Principalmente dos que estão tão à nossa cara e acabam tão desgastados com o cotidiano que mal o valorizamos. No caso minha cidade, um desses é o Cais Mauá. Ironicamente, minha cidade ainda tem Porto em seu nome e por anos viveu de costas para suas águas. Algo que até Amyr Klink criticou em uma palestra um tempo atrás.

De alguns anos para cá, esse reencontro vem acontecendo, através de revitalizações na orla. Foram um sucesso tão grande e é tão popular, tão porto-alegrense, que certamente as novas orlas são os lugares favoritos de considerável parte dos moradores da cidade.

E aposto que, ali ao lado, o Cais Mauá também o seria – como já foi, até fechar, há pouco mais de dez anos. Sim, piscamos e passou uma década que um dos cartões postais mais famosos da capital gaúcha tem cercas e guardas impedindo a entrada. Ao longo desse tempo, propostas, projetos de revitalizações – alguns querendo descaracterizar o local – surgiram e naufragaram.

Estão por apresentar mais um em breve. Mas o que será? E para quem servirá? Vai um tempo, abriu-se ali perto o Cais Embarcadero, na ponta do cais, onde ficava, por coincidência, o prédio do meu primeiro estágio em jornalismo – estrutura essa que foi demolida há algum tempo. Criou-se ali uma vilinha classe AA, onde tudo o que é consumível é ainda mais caro do que já está, mesmo com a inflação nas alturas.

Leigo, pergunto: precisa gentrificar para se revitalizar? Gente que entende bem mais do assunto do que eu apresentou nesta semana uma proposta de reocupação do cais. E isso sem a necessidade de se meter um shopping no local por onde a cidade teve início, sem precisar colocar um restaurante cujo prato do cardápio passe dos 15% do salário mínimo.

A ideia seria transformar o cais num polo de cultura, fazendo do cais – hoje fechado – um local de circulação de gentes, ritmos e diversões. Em armazéns históricos, com vista privilegiada, retomando uma área ainda um tanto degradada do centro.

Contei mais nesta matéria, que informa também que que quem deveria ler essa proposta com atenção, não o fez. Devem ter outros planos. Espero que esses sejam bem mais plurais.

Daqui em diante

Uma nova redação: em casa, com café e água para a filha

Deixar 12 anos de uma grande redação estadual pra trás não foi uma decisão fácil. Mas ela foi sendo construída gradualmente a partir dos fins de 2018. Naquelas semanas, eu, Filipe Speck e Paulo Antunes, entre muitos e muitos cafés, sentamos para construir algo. Dali saiu o que hoje é o Matinal Jornalismo, que apareceu oficialmente para o mundo em março de 2019.

Sair do Correio para o Matinal não foi uma simples troca de redação, mas uma mudança de proposta e perspectiva. E aqui friso que o novo não buscar busca necessariamente ser melhor que o anterior, e sim distinto: em cobertura, em pautas, em formas de se chegar ao leitor.

O ambiente jornalístico do Brasil está poluído e ruidoso há tempos. Nunca se leu e se publicou tantas notícias para se compreender tão pouco. Existe, portanto, uma falha em algum ponto, seja do jornalismo, seja no receptor, seja no meio. Acredito que essa poluição venha, principalmente, do excesso.

Daí a necessidade de ser diferente. De forma objetiva, contextual e localizada, o Matinal se propõe a falar sobre Porto Alegre, a discutir a Capital e visa dar voz e ser participante de mudanças para tornar a cidade um lugar melhor. Sem inventar a roda, porém ocupando um espaço que se percebeu vago.

Jornalisticamente, há bastante trabalho pela frente para nos livrarmos desse ambiente poluído. Apenas culpar as redes sociais pode não ser o suficiente para escapar dessa crise, que passa, ao meu ver, por educação midiática desde cedo.

Também é preciso defender o jornalismo profissional, só que isso vai ocorrer em um contexto de se passar a cobrar por algo que o leitor se acostumou a receber de graça – em timelines, por mensagens ou e-mails. Há, porém, uma forte crise financeira, que atrapalha ainda mais esse processo. Faz-se, ainda mais necessário, ser relevante no dia a dia.

O caminho não é fácil, tem vários percalços. A estrada é longa e há de ser trilhada. Espero contar contigo, caro(a) leitor.