A Kuki chegou aonde não deveria ter chegado. Ainda logo depois de filhote, foi, se não abandonada, descartada em uma pet. Por mais clichê que soe, ensinou a quem viria a ser sua família, o que era amor à primeira vista. O mesmo olhar com uma pigmentação abaixo da normal foi capaz de furar um escudo ainda traumatizado com a recente perda de outra doguinha.
A Kuki chegou quando eu ainda era algo entre o adolescente e o adulto. A Kuki me viu estudante, me viu aprender. Em madrugada fria de TCC, me acompanhou no chão do quarto sem eu sequer perceber. Madrugada afora, dias afora. Vida afora. Viveu em algumas casas conosco. Me viu crescer, me viu virar pai, me viu aprender tanta coisa.
Com gritos quase descontrolados, assustei a Kuki a ponto dela se esconder quando Adriano Gabiru fez o gol contra o Barcelona, em 17 de dezembro de 2006. Dias felizes. Mas também houve outros dias: xinguei-a algumas vezes, como quando ela destruiu uma camiseta nova que eu gostava. E, aliás, não foram poucas as roídas em travesseiros e almofadas. Nunca vi tamanha bagunça, junto com tanta cara de pau naquela sala.
A Kuki rosnava pra mim quando ainda corria atrás da bolinha ou do bichinho de pelúcia de plantão. A Kuki rosnava pra mim quando pegava seus filhotes. Mas a Kuki nunca me mordeu, porque sabia que podia confiar em mim e do quanto eu a amava desde aquela primeira vez. E porque desde aquela primeira vez eu a peguei no colo tantas e tantas e tantas outras vezes.
A Kuki viu tanta coisa com aquele olhar meio despigmentado, que, em algum momento, a gente até esqueceu que ela era uma cachorra. E que, por alguma dessas coisas que a gente não pode mudar, cachorros vivem bem menos tempo que pessoas. Hoje a Kuki partiu. E mesmo que já estivesse mais pra lá do que pra cá, mesmo que tenha sido necessário e que tenha havido racionalidade, dói. Dói bastante.
Não é em toda a vida que a gente convive com almas como a Kuki. Que o céu de cachorros pra ela seja lindo, como lindos foram esses mais de 17 anos.