A Kuki

A Jade, a Kuki e os sorrisos das lembranças antigas ❤

A Kuki chegou aonde não deveria ter chegado. Ainda logo depois de filhote, foi, se não abandonada, descartada em uma pet. Por mais clichê que soe, ensinou a quem viria a ser sua família, o que era amor à primeira vista. O mesmo olhar com uma pigmentação abaixo da normal foi capaz de furar um escudo ainda traumatizado com a recente perda de outra doguinha.

A Kuki chegou quando eu ainda era algo entre o adolescente e o adulto. A Kuki me viu estudante, me viu aprender. Em madrugada fria de TCC, me acompanhou no chão do quarto sem eu sequer perceber. Madrugada afora, dias afora. Vida afora. Viveu em algumas casas conosco. Me viu crescer, me viu virar pai, me viu aprender tanta coisa.

Com gritos quase descontrolados, assustei a Kuki a ponto dela se esconder quando Adriano Gabiru fez o gol contra o Barcelona, em 17 de dezembro de 2006. Dias felizes. Mas também houve outros dias: xinguei-a algumas vezes, como quando ela destruiu uma camiseta nova que eu gostava. E, aliás, não foram poucas as roídas em travesseiros e almofadas. Nunca vi tamanha bagunça, junto com tanta cara de pau naquela sala.

A Kuki rosnava pra mim quando ainda corria atrás da bolinha ou do bichinho de pelúcia de plantão. A Kuki rosnava pra mim quando pegava seus filhotes. Mas a Kuki nunca me mordeu, porque sabia que podia confiar em mim e do quanto eu a amava desde aquela primeira vez. E porque desde aquela primeira vez eu a peguei no colo tantas e tantas e tantas outras vezes.

A Kuki viu tanta coisa com aquele olhar meio despigmentado, que, em algum momento, a gente até esqueceu que ela era uma cachorra. E que, por alguma dessas coisas que a gente não pode mudar, cachorros vivem bem menos tempo que pessoas. Hoje a Kuki partiu. E mesmo que já estivesse mais pra lá do que pra cá, mesmo que tenha sido necessário e que tenha havido racionalidade, dói. Dói bastante.

Não é em toda a vida que a gente convive com almas como a Kuki. Que o céu de cachorros pra ela seja lindo, como lindos foram esses mais de 17 anos.

É por esperança

Ao longo de todos esse ano estou com um texto na cabeça. Um texto que escrevi em fevereiro de 2012, colocando-me na perspectiva do meu sobrinho, então com seis anos de idade. Um punhado de parágrafos pra dizer que, ao contrário de mim, ele lembraria de um Brasil grande em sua infância.

Eu estava otimista, ainda no início da minha vida adulta, alguém que havia se formado há pouco na faculdade, dava seus passos rumo a algum patrimônio e passava a conhecer e entender um pouco mais das coisas. Mas eu cometi um engano naquela crônica, o da ingenuidade. Achei que aquele momento não era fase, e sim permanente. E esqueci de mencionar o contexto de quando aquela análise foi escrita.

De 2012 pra cá, a vida mudou bastante, com muito mais tropeços do que avanços, pra usar os mesmos termos de dez anos atrás. Em especial no campo político – e isso vai ser motivo para outro texto, da perspectiva jornalística, de como a imprensa não foi preparada para a década de 2010 no Brasil.

Enfim, faltou dizer que o país só havia melhorado, que o dragão da inflação tinha sumido e que, dali a dois anos, o Brasil até sairia do mapa da fome, porque um governo comprometido com a população estava onde deveria estar, no Planalto, da mesma forma que perigos à democracia estavam onde deveriam estar, no obscurantismo.

Eu tenho receio de que, quando a minha filha ter seis anos, ela veja o país mais parecido do que como eu vi, do que como o meu sobrinho pôde vivenciar. É por esse futuro que é preciso fazer um escolha certa nas eleições. É para mandar as aflições e as ameaças de atraso institucional para o esgoto.

Um tablet, o futuro e o passado

Eu gosto de pensar que a internet é, tal como a moda, algo cíclico. Ter, finalmente, comprado um tablet nesta semana me fez voltar a essa reflexão. Um tablet, veja só. O primeiro que eu tenho. Depois de já considerá-lo tanto objeto de desejo e pesquisa, quanto algo bolorento e dispensável, consegui encontrar um espaço para ele na minha rotina.

Assim como uma gama de exemplos, é uma mídia que já teve altos e baixos em seus poucos mais de dez, 12 anos de vida. Se lá no início, ainda estudante de jornalismo, me empolguei com as possibilidades que ele poderia trazer à forma do jornalismo, que ainda tinha no papel impresso uma raiz muito forte, não muitos anos depois já preteria o tablet profissional por um celular pessoal na hora de uma cobertura – em especial no corre-corre que foi junho de 2013.

Agora mesmo, ele só entrou na minha vida a partir de uma demanda acadêmica. Encaixou-se como solução a uma demanda de uma situação a qual seria desconfortável ou antiquado levar o notebook e/ou calhamaços de cópias de livros impressas da rua para uma sala de aula, da sala de aula para casa. Terá, enfim, um papel para cumprir em uma rotina. Buscará ser essencialmente útil sem mais prometer grandes revoluções no lado profissional, ainda que possa oferecer novas experiências.

Lembro sempre que ouvi na pós-graduação de jornalismo digital que o e-mail estava morto. Foi uma frase que me marcou pela convicta crueldade com um formato tão consagrado, ainda que um tanto em baixa naquele momento, início da década passada. A aposta na época era nas redes sociais, então em ascensão e ainda com uma promessa de democratização à informação, na esteira da primavera árabe. Os jornalistas ouviam que os leitores estariam ali, como de fato estiveram considerável parte. Contudo, foi por um tempo apenas

“A internet vai virar o Facebook.” Ouvi isso mais de vez. Soa velha, mas essa frase tem dez anos de vida, 11 no máximo. Todo mundo estava no Facebook, era importante estar e interagir no Facebook como parte essencial ao cotidiano digital e social, como lazer e como profissional.

Pois bem, decidi neste 2022 não instalar o aplicativo do Facebook. Vai ser a primeira vez em anos que não farei isso em um aparelho meu. Dez anos depois daquelas premonições todas, esta rede social decaiu tanto a ponto de fazer até sua empresa-mãe mudar de nome – apostando agora em um outro caminho de futuro, que também parece familiar com algo que já passou por aqui. Se é errado dizer que não há mais ninguém por lá (ainda tem muita gente), pode-se afirmar que o futuro não passa exatamente por ali.

O irônico desta percepção foi notar que só usava o Facebook recentemente para clicar na aba “lembranças” e rever postagens, fotos e pessoas que um dia frequentaram o livro de rostos – que de certa forma não deixa de ter a mesma função de um álbum de fotografias analógicas.

A propagada promessa de futuro virou, pra mim, só espiadela rápida e procrastinadora no passado. Eu, hoje, fundador e editor de um jornal enviado por e-mail, mal uso Facebook, mas agora tenho um tablet (e estou postando este texto em um blog, claro). O que mais será que se reinventa desde o passado para a gente ver no futuro?

Pra trás e pra frente

É março de 2022 e vou dormir impressionado após maratonar uma série em podcast, cujo nome modernoso é “audiosserie”, mas que nada mais é que uma velha radionovela. Aquilo que fazia sucesso em lares Brasil afora quando minhas avós tinham algo perto da idade que eu tenho hoje.

A bem da verdade, uns 15 anos atrás, já quase formado, tive uma disciplina na faculdade que foi quase que inteiramente voltada à produção de uma radionovela. Confesso que até foi divertido, mas achei uma perda de tempo. E ainda não estou convencido de que não foi.

Mas hoje, veja bem, sou editor de um jornal cujo principal formato é uma newsletter, esse modelo voltado ao e-mail e criado em priscas eras da internet. Os colegas com os quais iniciei essa jornada dividiram comigo as aulas do curso de Especialização em Jornalismo Digital, entre 2010 e 2012.

Jamais esqueço que ali nos garantiram que o e-mail estava com os dias contados!, assim, com ponto de exclamação e tudo, tamanho era o entusiasmo. O futuro, ao menos o visto naquela época, pertencia às redes sociais. Em especial ao Facebook – esse mesmo site que hoje parece ser mais referência a pessoas com idades mais próximas à da minha mãe do que à minha.

(hehe, eu dedico cada edição do Matinal a essa lembrança)

Dia desses, aliás, inserimos um gif (!) na nova newsletter do grupo (veja bem como vai o negócio). O gif, esse mesmo formato mais leve que o jpeg. Teve um quê de inovador, achamos nós. Um verdadeiro culto àquela configuração de imagem desprovida de megapixels e que tanto fora carregada em internet discada décadas atrás.

Essas voltas que o mundo dá são engraçadas. Em internet, não se pode ter rancor, pois sempre parece que cruzamos ontem com soluções que precisaremos amanhã.

Porto de Bons e Alegres Ares

Cais Mauá. Foto: Maria Ana Krack/PMPA

De cais a cais navego entre os tempos desses lugares nem tão próximos, e ainda assim tão juntos – e meus.

Caminho nas cidades através das viagens que já se foram, mas também nas que virão. Porque sempre há um destino nesses meridianos que as minhas latitudes encontram.

E param. E ficam.

Reconheço-me entre o mate e o chimarrão. Ando de Palermo ao Mont’Serrat. Desde a Bombonera ao Beira-Rio. Da feria de San Telmo ao Brique da Redenção.

Enxergo um Laçador em plena 9 de Julio ao passo que me deparo com o Obelisco no Parcão. E como se o Rio da Prata desse na Andradas, eu sigo. Eu flano.

Venho. E sempre volto. (para as minhas cidades)

Caminho por tantas ruas que me encontro ao longo dos anos. Andei jovem ali, voltei adulto aqui. Ainda seguirei quando estiver tão velho quanto o eco do tango de Gardel no Odeon.

De Porto al puerto. Respirando desses ares. Alegre.

Recuerdo desde Puerto Madero | 2008

Esse texto foi o “trabalho final” para o curso de extensão Cartografia das Cidades, da PUC-RJ. A meta era criar uma paisagem, por meio de fotos, textos, colagens. Ou versos (e recordações, por que não?).

Da nossa essência

“O que somos nós se não a nossa essência?”

Foi esse o questionamento que ficou martelando na minha cabeça após ter visto e revisto algumas vezes o curta de animação “Juntos Novamente” (“Us Again”), lançado uns dias atrás no Disney+.

Nele, um casal de passado aparentemente feliz e dançante inicia a história em seu apartamento. Há música no ar, que contagia a esposa. O mesmo, porém, não se replica no homem, que, velho e amargurado, prefere o sofá – e o silêncio. Isso até ela partir, a solidão chegar e ele, graças a um milagre chuvoso, rejuvenescer. Claro, ele então parte atrás dela enquanto a chuva cai.

Enfim. É um curta e, em seis minutos se conhece todo roteiro em torno desta busca.

Mas depois do embalo de um bom ritmo do funk e do soul, me ficaram perguntas, ao fim do filme: o que nós somos resiste ao tempo? O quanto as concessões da vida nos transformam? E quanto já nos transformaram? Tudo isso não é filosofia demais para um simples curta que assisti acompanhado da minha filha no sofá de casa?

Noite dessas imaginei um encontro entre um Tiago de 20 e poucos anos e que recém começava a explorar ruas por aí e um eu já na casa dos 30 e tantos, mais velho – e provavelmente mais sisudo por conta do tempo acumulado. Acho que eles ainda teriam pontos de convergência importantes, ainda que por certo esbarrariam em convicções quase conflitantes, especialmente para um mesma pessoa.

Apesar de algum esforço, não consegui imaginar direito como seria essa conversa. Mas torci para eles se darem bem e que, ao fim, tenham reconhecido a própria essência.

Sobre relógios e vidas

Detesto relógios. E ainda assim tenho uns dois ou três na prateleira da minha sala. Funcionando, porque uma vez minha mãe me ensinou que não se deixa relógio parado em casa, porque não é algo bom. Haja pilhas.

Adiante, adiante. O tempo passa entre tiques e taques sem fim entre o silêncio da madrugada. Nessa hora que fecho os olhos por um segundo a mais. E lá estou eu de volta à casa da minha avó, que hoje já não resta tijolo em cima de tijolo e agora é só um fantasma no labirinto da minha mente e que me conduz ao passado através de memórias.

Esses tiques e taques eram comuns lá. Assim como a minha mãe, minha avó também me deu ensinamentos sobre relógios: eles só são acertados para frente, e não importa se for necessário dar 11 voltas no ponteiro maior. O tempo não volta, afinal!

Mas, se não volta, como que fui parar naquela casa em um piscar de olhos? Diante de uma memória antiga como um retrato, uma outra dúvida vem: quantas vidas vivemos na nossa vida?

Acordo. É cada pergunta que a gente se faz de madrugada, como houvesse um momento em que teremos dado sentido às coisas. Desisto. Levanto e vou dormir, pois se ontem era neto em cama quentinha, hoje sou pai de sono leve.

No caminho para o quarto, o canto de olho espia a prateleira. São três relógios ali. Mas um está parado. Justo o único que me veio de herança da minha avó. Ele é a corda e tem algo em si quebrado, parece que seu tempo já passou. Hoje virou enfeite. Ou lembrança do que foi em outra vida.

Crônica de litoral, parte 3

Praia

Talvez seja por ter vivido um tempo livre no Litoral Norte gaúcho, por ter visto esse cenário tão característico de outra forma e, em especial, com outra velocidade. Mas passada toda infância, adolescência e, sei lá, primeira parte da vida adulta, a ida à praia fora do veraneio ainda me causa uma espécie de fascinação.

O movimento menor dessas cidades litorâneas em outonos e invernos acaba por fazer eu me sentir um intruso, um observador da vida alheia, ao contrário do verão. Na época de calor, eu e meus conterrâneos – e seus carros de placas “Porto Alegre” – dominamos esses lugares. Avacalhamos a tranquilidade, numa verdadeira revolta dos haoles, para usar uma expressão praiana.

Agora, não.

É maio, já faz até um friozinho. E tudo está mais calmo perto do mar. Ainda que, em razão deste tempo pandêmico, esteja mais movimentado do que acredito ser o verdadeiro normal para esta época do ano. Pela quantidade de gente pela rua, certamente teve porto-alegrense quarentener que veio passar um tempo e quase idosos adiantando a sonhada mudança de CEP antes planejada para a aposentadoria.

A fuga de Porto Alegre em umas férias em meio à pandemia me trouxe agora para cá como um turista inesperado em destino arredio. Tudo está diferente do que quase três meses atrás, quando vim pela última vez, em meio ao carnaval. Fazia calor e coronavírus era pauta da parte internacional do jornal, apenas. Não passou 90 dias, mas a distância parece muito maior.

Ainda que esteja esse meio termo – além desse clima esquisito que nos obriga a usar máscaras por aí – andando por ruas de paralelepípedos tortos pesco uma sensação de décadas atrás, impedida hoje. A de perambular a esmo por entre a vizinhança, como se a praia fora do verão fosse uma cidade fantasma, algo que enchia a imaginação dos pequenos.

Éramos crianças e era tudo nosso. Entre as casas fechadas, passeávamos no jardim alheio. Em meio à grama já alta, reparava em detalhes de varandas que não eram minhas e encontrava objetos esquecidos por seus donos na hora de partir, e que por certo virariam ali adiante ecos nostálgicos de verões passados.

Bem antes de pensar em ser jornalista, eu indagava naqueles gramados: quem passou parte da vida ali? Que histórias esse lugar viu? Velhas casas na praia, se falassem, sempre teriam uma boa história pra contar.

Mas histórias, essas, que não deverão despertar curiosidade à minha filha como a mim fazem. Ela, que andou na freeway pela primeira vez fora do verão, já chega nessa realidade diferente, de mansões e janelões nos condomínios, de casa na praia equipada como na cidade grande – só que devidamente demarcada com a cerca que veio a se tornar uma característica do litoral. E sem mais explorações em jardins alheios.

Como alguém que por muitas vezes já veio para cá, não consigo não me espantar ao notar que, agora, até mesmo o conforto apareceu, no lugar do improviso. Saiu a televisão velha que mal pegava um canal e a decoração esquisita e entrou o wifi e a Netflix. O litoral, antes tão longe, tem se transformado em Região Metropolitana da Capital.

Da praia em que eu fui quando criança para que ela irá daqui em diante, resta, como sempre, só o mar. Esse, sim, mais constante que o velho vento Nordeste que sopra por aqui.

Minha vó, uma centenária

gladys vicente tiago

Das nossas últimas fotos

Foi num 26 de março como hoje, mas 100 anos atrás, que nasceu a menina que iria se tornar a minha avó, a pequena Gladys Eunice. Foi a primeira a vir ao mundo dentre os meus quatro avós, e a única já na cidade onde, 65 anos depois, eu cheguei, Porto Alegre.

Por conta do centenário, tenho pensado um pouco mais nela nesses últimos dias. E, devido a toda essa situação, encontro um paralelo entre aquele momento e o presente. O que ela representou e o que eu penso agora.

A vó veio a um mundo e uma cidade em busca de regeneração pós-traumática, ainda que talvez menos ansiosa com o acompanhamento em tempo real de notícias. O planeta e a capital gaúcha, naqueles dias, buscavam reerguerem-se do recém passado surto de gripe espanhola.

Aquela pandemia, que acabou por tornar-se a pior do século passado, ceifou a vida de pelo menos 1,3 mil dos 190 mil moradores de Porto Alegre. Não reconheço nem por foto a minha bisavó, mas agora, sendo pai, consigo imaginar a preocupação dela, grávida, diante daquela ameaça invisível que ainda não tinha sido totalmente superada em 1919.

E consigo entender a alegria que foi a chegada da minha vó naquele 26 de março. Uma bebê, e hoje sei disso, ao mesmo tempo que catalisa nossos piores temores, nos dá a força da maior esperança de que as coisas melhorem. Pra ela, pro mundo. Pro mundo dela.

Nesses tempos de pandemia, Maria Flor serve como um alento. E, sem que saiba me dá uma força enorme para novos tempos que hão de vir. Creio que 100 anos atrás foi assim também entre aqueles que talvez tenha visto o rosto em retrato em preto e branco.

No tempo em que estivemos juntos aqui, sempre tive um amor enorme e uma ótima relação com a minha vó. Passados quase dez anos desde que ela subiu de andar, guardo no coração provas de amor feitas não só em palavras, mas também em atitudes. Até por isso não consigo compreender aqueles que ainda têm seus avós, esses seres maravilhosos, arriscarem-se a sair na rua a esmo, acreditando em mitos e contrariando a ciência.

Hoje, se minha avó ainda estivesse no número 222 da rua Dona Augusta, eu certamente não a visitaria, mesmo que doesse. Seria o gesto de amor à minha, agora, centenária vovó. Espero, realmente, que quem ainda tem a sorte de ter avós, também adie um pouco a visita.

liniers abuelos

Por Liniers

 

Tempos duram passam, vamos aprender isso. E dão lugar a novas eras de esperança, palavra essa tão bonita e tão querida. Como um beijo de vovó.

Inadjetivável!

sorriso

Gostava muito da época em que a boemia era uma constante na minha vida – e nas minhas noites. Uma época bem antes do #sextou de hoje em dia, até porque integrei um grupo que não tinha preconceito com noite alguma. Foi um tempo em que era possível dormir tarde e acordar cedo no dia seguinte de forma regular.

Com os bons amigos que tenho desde aquela época, sempre nos ativemos à palavra. Nas formas objetivas e, principalmente, subjetivas de passar uma mensagem – ou definir certos atributos em corpos alheios. Numa dessas vezes, o Rodrigão saiu-se com uma boa. Resumiu uma situação em um único termo, que nada e tudo dizia ao mesmo tempo: “Inadjetivável!” Assim, exclamado.

Claro, ele não inventou a palavra. Mas não lembro de ter ouvido esse curioso adjetivo antes e, desde então, reservei-o para apenas momentos especiais, nos quais exclamar inadjetivável! torna-se muito mais legal que qualquer expressão batida como “sem palavras”.

Pois bem, este tempo boêmio passou. A decantação da palavra pelo álcool ficou cada vez mais rara, à medida que anos e boletos se acumulam. No entanto, a visa segue nos reservando situações especiais. Principalmente nas madrugadas. Ainda que não seja no bar, mas sim no quarto da tua filha, quando vais só dar (mais) aquela conferidinha pra ver se está tudo bem com aquele soninho.

Metido que és, tu vais ajeitar a posição dela, pra que durma ainda melhor dentro daquele berço, que muito te custou, mas que valeu cada esforço. E ficarás, como de praxe, um segundinho a mais contemplando, apesar do cansaço, apesar do horário avançado e do despertador temprano.

E é nessa hora que furtivamente pode acontecer. Ela, mesmo dormindo um lindo sono infantil, vai sorrir um sorriso lindo, inocente, fugaz e sem dentes. Inadjetivável, a sensação, meu caro. Inajetivável!

Eu não sou ninguém para dar conselhos, e tampouco escrevo aqui para isso. Colocar filho neste mundo acarreta uma responsabilidade e tanto. E sem volta. Cansa, é estressante e rouba a tua liberdade de outrora – inclusive a boemia. Mas, ainda assim, é inadjetivável! o sentimento que isso gera. Assim, com exclamação no fim.