Brexit: um passo para trás

A Copa do Mundo de 2014 foi, de longe,  período mais legal que vi minha cidade viver. Com o perdão do trocadilho infame, mas, àquela época, o meu Porto estava de fato muito Alegre. Além de muito mais simpático, até.

copa integracao

All together!

Ainda que tenha havido uns quantos protestos antes do evento, que tensionaram a atmosfera, ficou claro que aquilo que aconteceu dentro de campo foi mera formalidade. A parte mais legal da Copa sempre esteve nas ruas, do lado de fora dos estádios – “elitizados” na crítica das manifestações. “Copa pra quem?”, questionavam, por meio de pichações e gritos. Foi para todos.

Foi muito legal sair pelas ruas e cruzar com estrangeiros naqueles dias. Encontrar gente que tinha vindo de longe, às vezes do outro lado do mundo, para descobrir a minha cidade. Um intercâmbio cultural contínuo motivado pelo futebol e, não raro, movido a muitas garrafas e latas de cerveja.

Há oito anos iniciei uma experiência, que logo se tornou um vício e hoje é sempre um objetivo: viajar. Passagens aéreas se tornaram uma espécie de cotação – ao lado da cerveja, confesso. Quando quero comprar algo que custa um pouco mais caro que o habitual, questiono-me quantas cervejas posso comprar ou para onde viajaria com aquele dinheiro. Só depois deste aval que me autorizo ou não adquirir o bem (ou juntar e fazer poupança para ir para longe).

Desde aquele julho de 2008, quando pousei em Havana, já foram outros dez países visitados. Se outrora achei que este número seria muito, hoje acho pouco. E cada vez que procuro conhecer mais, percebo que tão pouco viajei. É algo deliciosamente paradoxo, pois o mundo é grande, afinal. Da mesma forma que estive longe de casa, outras tantas fui aos meus vizinhos – como sinto-me bem no Uruguai ou na Argentina. Como é bom cruzar essas fronteiras, em suma.

E é mais ou menos por essa nem tão escassa vivência adquirida que lamento a decisão do Reino Unido, onde fica uma das mais cosmopolitas cidades em que já estive, de isolar-se da Europa, aprovando o Brexit. Entristece-me ver o discurso anti-imigração se fortalecer e realmente temo que esta onda nacionalista atravesse o oceano e chegue a Washington daqui a cinco meses. Escolheram se fechar justo numa era globalizada.

big ben

Talvez Londres fique um pouco mais longe com o Brexit

São tempos complicados, esses. Mas dificuldades sempre acabam por valorizar o papel e a força da união. Que acabe com esse desfecho, pois reforçar fronteiras nunca fez bem a ninguém.

Memórias de um reino distante

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Desfile antes da música

Monarquias não me pertencem. Para mim, é um substantivo empoeirado, de séculos passados. E isso que vivo num país que adora umas coroas, tendo um rei só para o futebol, outro da músico e sem contar uma rainha dos baixinhos e agora um para camarotes (!). Imagino que o pessoal da minha idade pense assim também e, por mais que não tenha opinião política bem definida ou que não tenha tido a oportunidade de votar naquele plebiscito de 20 anos atrás, com certeza é amante da democracia mesmo sem saber.

Entretanto, é fascinante o poder que monarquias ainda exercem sobre plebeus em geral. Menos mal que não as absolutistas que ainda existem por aí, mas algumas têm um que magnetizantes. Em especial a família real inglesa. Em especial os protocolos que os cercam. E isso vende.

Era um fim de manhã meio abafado de domingo quando lá estava eu de frente para o Palácio de Buckingham para ver… a troca da guarda. Para os meus padrões, cheguei cedíssimo, mais de hora antes do horário marcado da cerimônia. E já estava cheio. Gente se amontoando nas grades ou no monumento em frente, todos para ver uma dúzia de jovens tocando músicas ao estilo banda marcial e executando algumas manobras de ordem unida – algo que eu já fiz muito quando servia ao quartel.

guardas (2)

Mas, ok,uma vez na vida, é legal.

Ver de perto algum integrante da família real é algo raro, imagino. Porém, a coroa e faz presente espalhada por Londres, esse lugar que faz questão de registrar (e manter) suas datas e heróis. Ao longo de quatro dias de muitas caminhadas por lá diversas vezes me deparei com placas lembrando que Elizabeth, The Queen, esteve em tal dia de tal ano, fomentando uma tradição, lembrando daquilo que se torna memória.

Ainda que haja certo apego com os monarcas (o que não é unânime, ressalte-se), Londres está longe do que se pode chamar de uma cidade velha, apesar de seus quase 2 mil anos. Reflexos não só da modernidade como de um ar futurista contrastam com a tradição inglesa. Aos poucos, talvez um tanto a contragosto de seus habitantes, a cidade vai recebendo arranha-céus envidraçados, que se destacam no horizonte, tal como o novo estádio de Wembley, reformado há seis anos. Ou então o Shard London, um baita cone no centro da cidade.

panoramica

Big Ben: 1859; London Eye: 1999

Em meio a esta mistura arquitetônica, uma gente plural. Hoje, 40% dos moradores de Londres não são de Londres. E percebe-se facilmente isso ao andar pela cidade em algum coletivo ou metrô. Uma salada de sotaques e idiomas se mesclam ao dia a dia do pontual inglês. Alguns locais não gostam e preferem deixar a cidade Natal para viver nas cercanias, indo à capital apenas a trabalho.

A tendência, no entanto, é favorável à miscelânea, que deve aumentar com a entrada dos ex-soviéticos Bulgária e Romênia na eurozona a partir de 2014. Muito mais que um cartão postal, a terra da Rainha é uma terra de oportunidades para um sem número der pessoas. De várias regiões do planeta.

E, por falar em rainha, nem mesmo a coroa faz com que o tempo passe. Resta envelhecer com dignidade. Até nas moedas:

moedas

A de cima é 1981; a segunda é de 1994 e a terceira – e atual – é de 1999

 

Reflexões e lembranças em meio à chuva

Genial foto do Daniel Cassol, via Twitter @dbcassol

Genial foto do Daniel Cassol, via Twitter @dbcassol

Hoje é 11 de novembro de 2013, uma segunda-feira. Chove forte desde a véspera em Porto Alegre. Parece que vai chover mais do que a média mensal nessas 24h, dia de #AlertaPOA Para variar, minha cidade virou um caos, em muitos sentidos. Dentre eles, o mais especial é o trânsito. É sempre assim.

Como todo brasileiro, o porto-alegrense em geral adora carro. “É questão de statis”, diria um meme. Transporte público – que até nem acho tão ruim quanto dizem – é considerado coisa de pobre. Já as bicicletas, pouco a pouco, estão ganhando seu espaço – ironicamente, desde que um motorista maluco e estressado atropelou 17 ciclistas, jogando holofotes à causa. Mas as magrelas ainda  são incipientes por aqui.  Resultado: milhares de carros engarrafados todos os dias. Até nos secos.

Culpa do aquecimento global ou não, fato é que, pelo menos uma vez no ano, ouço/vejo/sinto a sentença “choveu (quase) um mês inteiro apenas em um dia em Porto Alegre”. Sempre é caos. E culpar São Pedro por todo o infortúnio acaba sendo muito fácil. Em dias de sol, contudo, a cidade não se prepara – da mesma forma que não se preparou bem anos atrás. Esbarra em burocracias mil, em falta de vontade (ou às vezes confronto) política(o).

Tudo aqui é assim: se a boa ideia é de A, o B é contra. E vice-versa. Uma cidade – na verdade um estado inteiro – fica no meio disso. À mercê disso. É a velha mania dualista gaúcha, que se arrasta – e atrasa – há séculos estas terras.

T2 londrino e ciclista, lado a lado

T2 londrino e ciclista, lado a lado

Lembro, então, que conheci Londres e algumas cidades da Alemanha há pouco mais de dois meses. Cheguei a escrever que o transporte público de lá é algo incomparável com o daqui. Da mesma forma saliento que a capital inglesa mentiu para mim com seu tempo bom e que uma viagem de férias não pode servir como embasamento definitivo em uma comparação com onde se vive.

Devem haver sérios problemas por lá, com certeza. Mas, imagino eu, a mobilidade deve ser um dos menores, muito por causa de sua grande variedade (ônibus, VLT, metrô, trem, bicicleta etc) de opções. Obviamente não é imune a hecatombes de chuva, é claro. Mas sem dúvida até isso é bem mais resistente que o nosso.

Aqui em Porto Alegre, antes de sair de casa leio no Twitter relatos irritados de amigos meus, todos atrasados para o trabalho. Alguns dentro de seus carros, outros parados em ônibus ou lotações. O sistema está em colapso de novo, depois de aliados a falta de perícia dos nossos motoristas com a falta de estrutura das nossas ruas. A segunda-feira continuará complicada.

Meses atrás houve os famosos protestos de junho, que tiveram como bandeira principal o transporte público. Seu próprio bordão marginalizava o movimento, o transporte público: “Somos do povo e a passagem os ricos vão pagar”. Pouco a pouco, os protestos ganharam cada vez mais violência e perderam apoio… da população.

Lembro dos dias pós-protestos, também. Muito lixo acabava ficando na rua mesmo. Assim como muito lixo é jogado diariamente no chão, um tanto por falta de lixeiras por perto, um muito por causa da nossa porquice mesmo. Boa parte deste lixo entupiu há pouco as bocas de lobo que recolhem a água em excesso e ficou à mostra, boiando no maior arroio da nossa capital. As pessoas aproveitam a tranqueira e, assustadas dentro dos ônibus, tiram fotos. É sempre assim.

No ar, na água e no chão de Londres

Os cabos da London Eye

Os cabos da London Eye

Londres me enganou. Esperava uma cidade quase sombria, com uma garoa fina e constante mesmo no último mês de verão. Contudo, em quatro dias na capital inglesa, vi apenas o sol – e senti até certo calor. Talvez não haja outros quatro dias assim até o próximo verão. É o que dizem.

Sorte a minha, então, que a única vez em que desenbainhei o guarda-chuva foi para me esconder do forte do sol do meio-dia, na longa fila da London Eye, aquela imensa roda gigante que te leva a 135 metros nos céus do centro londrino, ao som de sotaques mil de turistas (muitos com câmeras e tablets para gravar tudo e colocar no YouTube depois!).

Outro momento em que quase usei o guarda-chuvas foi no passeio de barco pelo Rio Tâmisa, algo extremamente turístico, porém não menos necessário. Um pacote combo com esses dois, foram 57 libras gastas – pra duas pessoas.  Contando o tempo de fila, o de subir e descer na roda gigante e de ir e voltar de barco foram cerca de três horas. Se deixasse para ir no meio da tarde, imagino, levaria ainda mais tempo (de espera).

Mas há outras formas de circular pelo Tâmisa, claro. Assim como em Paris, existem pontos em que os barcos, tal como ônibus, param. Porém, nesse transporte público não se tem algumas das explicações interessantes sobre determinados pontos. Passes diários para embarcar são vendidos por cerca de 10 libras. É interessante, em especial, para quem vai para os lados de Greenwich.

Nada como uma soneca à beira da queda do rio

Nada como uma soneca à beira da queda do rio

Sem precisar gastar pound algum, uma das melhores lembranças daquele domingo turístico foi a caminhada pela orla do Tâmisa. E como há gente! De roda de capoeira (!) a um cara tocando uma tuba cuspidora de fogo. De esportistas correndo a gente dormindo em cima do muro. De monumento egípcio ao teatro de Shakeaspeare. Sem falar das Casas do Parlamento e o Big Ben.

Tem um pouco de tudo em cerca de dois, três quilômetros. E tudo interligado por dezenas de pontes, que, não raro, são tão históricas quanto os prédios ao redor. Não é à toa, afinal, que Londres é uma das capitais deste mundo.

The Circus

The Circus

Londres, uma capital do mundo

Londres (2)Escrevo estas linhas quase dois meses depois que voltei da minha primeira viagem à Europa. E, cara, confesso que é meio difícil retornar à rotina do lado de cá do Atlântico. Em especial porque conheci Londres. Que cidade, meu velho, que cidade! A Alemanha é fantástica, Paris é encantadora, mas Londres é tudo.

Confesso que tive certo receio e talvez até um pouco de preconceito com a capital do Reino Unido. Sempre achei os ingleses meio nariz-empinado e alguns vários amigos meus que foram para lá voltaram um tanto diferentes – pra não dizer forçadamente undergrounds. Bobagem, enfim.

Até não muito, Londres era o centro deste planeta. Ser rei ou rainha da Inglaterra já teve muito mais importância do que apenas o glamour (e os paparazzi) atuais. Ainda assim, não há um aspecto decadente de ex-maior potência lá. Bem pelo contrário. Londres pode não ser mais o carro-chefe, contudo mantém grande importância neste cenário globalizado da diplomacia.

Com o perdão do clichê, mas a história londrina é um livro aberto, espalhada através de monumentos e museus. Em 2013, Londres chegou ao seu 1970º ano de fundação – feita pelos romanos, que em 43 d.C. a batizaram de Londínia.

Londres (1)Há, portanto, muitos rastros da história da civilização humana. Alguns até mais antigos que a própria Britânia, como uma torre aí do lado, construída em Alexandria há 5 mil anos e que hoje vive às margens do Rio Tâmisa, dada como presente à monarquia. Registros mais atuais da humanidade, como as artes de Banksy, também estão nessa miscelânea de épocas.

Desde que conheci a Alemanha e Londres suspiro por voltar um dia. Fazia muito tempo que não conhecia um lugar que me fizesse pensar “moraria aqui”. Ainda assim evito simplesmente taxar que lá é melhor, tudo de bom e ponto. Quando se viaja é preciso aproveitar o que se tem de bom, mas não se deixar iludir, que tudo o que é novo “é melhor”. É simplório e errado, isso.

A partir dessa linha de pensamento passei a acreditar que há fases nesta vida, tanto para pessoas quanto para lugares. Hoje vejo a civilização brasileira/porto-alegrense em que vivo apenas bem atrás do que a desta parte do “Velho Continente”, não necessariamente “pior”. Queiramos ou não aqui se vive em sociedade (nos moldes atuais) há bem menos de 500 anos – um quarto da de Londres, por exemplo. Talvez evoluamos mais rápido a partir desta nova democracia. Talvez não.

20130901_155424Para ilustrar essa reflexão lembrei da primeira cena de “O Tempo e o Vento”, na qual se contextualiza o cenário d’O Sobrado. O ano era 1893 e a Revolução Federalista estava desencadeada. A guerra – mais uma entre tantas outras na época – fez com que 10 mil homens morressem, a maioria degolados, nos campos do Rio Grande afora.

Pois bem, em 1893 o metrô de Londres estava comemorando 30 anos de operação – e já são quase 151. Aqui na minha cidade, se tudo der certo, lá por 2020 talvez eu ande de metrô. Um trechinho relativamente curto, que ainda será incomparável ao que tem lá.

Tudo na vida são fases, afinal.  Um dia a gente chega lá. Ou não.