Era uma volta de creche qualquer em que escutávamos a “música do macaco triste” – não é esse o nome, mas chamamos assim porque no filme “A Jornada de Vivo”, ela surge quando Andrés, o tutor do Vivo, morre. Eis então que me vem uma simples e difícil pergunta para se responder às 19h30 de uma segunda-feira:
– Por que ele morre, papai?
Neurônios a mil e naquele espaço de tempo de meio segundo precisava formar uma resposta minimamente aceitável para satisfazer a curiosidade daquele ser de quatro anos no banco de trás. Tergiversei. Respondi com qualquer evasiva, cujo objetivo maior era trocar o assunto o quanto antes. Consegui com sucesso.
Acho que ainda tenho certo controle sobre o que posso ensinar agora e o que posso deixar para falar depois com a Maria Flor. Morte e por que ou como as pessoas morrem – ainda que ela já saiba que isso acontece – foi um assunto que preferi deixar para daqui a pouco, com um mínimo a mais de maturidade.
Há, porém, pontos que prefiro não ensinar. E deixar como está. Por exemplo, quando estamos na garagem ou passeando, ela me convida: “Vamos juntas”. A norma culta do português que me perdoe, mas vou deixar minha filha, uma menina do século XXI, flexionar o quanto quiser o gênero quando for me chamar para algo.
Entre tantas lições a serem vivenciadas, igualdade de gênero é uma que espero que minha filha não só aprenda, como desfrute. Mais do que as princesas oitentistas da Disney, que ela tanto gosta, puderam aproveitar em seus enredos em torno de príncipes.
E vendo – e revendo e revendo – filmes como esses, que mal ou nem podem ser chamados de velhos, ainda que um tanto antiquados, noto o quanto a sociedade evoluiu nesta pauta. Muito dos roteiros aprovados naquela época sequer seriam considerados hoje em dia. Porém, é importante não fazer vista grossa e ter consciência de que o caminho ainda é longo.
Horas antes daquela pergunta sobre morte, teve jogo do Brasil na Copa. Admito que nem vimos, um tanto pelo fuso-horário, um tanto por, de fato, não termos nos contagiado com o clima de Copa no feminino tanto quanto no masculino – quando a Flor ganhou até uma camiseta amarela.
Mas isso pode mudar. E, mais, se além de mudar. Se essa virada que o país deu no último ano chegar a campo e, por ventura, o esperado hexa vir em 2023, pelos pés das gurias? Já estaríamos preparados para inserir a sexta estrela sobre o escudo da CBF sem pestanejar?
Eu não sei a resposta. Mas torceria para que a Seleção da minha filha optasse que sim.
Em tempo: após escrever este texto e procurar foto do jogo do Brasil na Copa que notei que, desta vez, a equipe feminina não faz uso das estrelas conquistadas pelo time masculino. Até a última Copa, as lembranças de conquistas do Brasil estavam lá.