Da energia que não se vê, entre o sacro e o profano

Por certo existe muito mais coisa no Centro Histórico de Santiago de Compostela que história, fé, peregrinação e lojas de souvenires.

Há, também, muita vibração a partir daquilo que não se vê a olhos nus – e que faz a energia correr solta.

Arrepiei-me quando, à noite no hotel, imaginei como seria uma caminhada àquela hora nas ruas dali. Uma hora qualquer e escura, nas apertadas ruas centenárias daquele lugar, testemunhas de um sem fim de histórias de gente de todo o mundo…

…mas também de gente que por ali se criou e viveu, bem antes do conceito de turismo se aplicar ali. Se Santiago é conhecida por sua imponente basílica, a Galícia, a comunidade autônoma da qual faz parte, é uma terra também marcada por forte presença de bruxas, as “meigas”, no que constrói importante parte de sua mística e cultura popular.

Não são necessariamente más, até são conhecidas por suas habilidades mágicas e curativas. Porém são figuras femininas com poder – algo que, no geral, costuma a assustar detentores da força política. Ainda que hoje sejam celebradas, por certo séculos atrás, em plena inquisição, não eram bem vistas ou aceitas pelos vizinhos das igrejas.

Aí que reside todo o conflito invisível naquelas ruas de Santiago. Se a fé, ou algo que o valha, faz com que milhares de peregrinos atravessem a estradas para chegar até o local onde há diversas igrejas católicas, a crença no poder das meigas ainda se faz presente naquela região, anos e séculos após suas histórias ganharem fama.

Um capítulo a mais do embate entre o sacro e o profano mundo afora.

Santiago, as igrejas e a eternidade

Não foi caminhando ou de bicicleta. Muito menos peregrinando. Mas, certa feita – de carro – cheguei a Santiago de Compostela, ao fim de uma tarde de inverno, em que o tempo estava indeciso entre a chuva e o sol – o único elemento constante, sim, era o vento, que entre uma esquina ou outra, mostrava sua força.

Ao me hospedar perto na região central, fiquei a poucas quadras do que é mais interessante naquela cidade: o seu medieval Centro Histórico, onde as ruazinhas bem antigas dividem seu cenário com algumas lojas piscantes de capitalismo e tem seu chão apinhado de turistas de tudo o que é lugar.

O Centro Histórico, onde a cidade em si começou, mais de um milênio atrás, constitue-se num emaranhado de ruas, praças e igrejas – o que denota o tamanho da força e da onipresença do catolicismo (de seus padres, de seu rigor e sua punição) de séculos atrás.

Claro, a mais destacada e, digna de um adjetivo tal como “imponente”, é a Basílica de Santiago, destino final de um sem fim de peregrinos, esses sim que chegam à cidade caminhando ou pedalando, vindos de centenas de quilômetros de distância. À primeira, ela vista impressiona por sua robustez ante a paisagem.

Santiago, nesta região, conta com uma arquitetura antiga, duradoura e impressionante a leigos e a entendidos. Essa se destaca pelo tamanho, mas também pelos detalhes. Em pleno século XXI, oferece uma viagem a uma época medieval – em que pese o excesso de lojas que buscam algum vintém de turistas e peregrinos.

Se há lugares eternos, talvez a praça principal seja um deles. Foi de tirar o fôlego a contemplação – num momento premiado pela boa vontade do clima. Numa segunda visita, já sob forte chuva, se focasse a minha visão no choque entre a água e as pedras que ali estão há séculos, poderia me perguntar: afinal, em que época estou?

Coisa de lugares que são, enfim, eternos.

Certa feita, em Vigo

Uma vez na vida estive em Vigo. Cidade que me pareceu mui simpática, na Galícia, costa espanhola. Localizada entre um relevo proeminente e um mar de um azul profundo, Vigo é um daqueles lugar que se simpatiza à primeira ou à segunda vista.

Estive em Vigo de passagem. Seriam – e foram – poucas horas. Daqueles encontros rápidos e fugazes que temos na vida e em, especial, durante viagens. Daqueles em que o tchau é provavelmente um adeus. Mal deu tempo de tirar foto. Gosto dessas situações. São marcadores de vida.

Estive em Vigo uma vez na vida, de passagem. Mas Vigo mal me viu. E isso porque cheguei quase passando a hora do almoço. Cheguei para pegar a última mesa de um restaurante e, quando acabei a refeição e o postre, já era hora da siesta.

E como os hispânicos respeitam a siesta!

Em pleno centro, lojas fechadas. Não por meia hora, uma horinha. E sim até, pelo menos, 16h30, 17h. Por que a pressa se a vida é longa? Pra que viver uma tarde com sono se pode-se estar relaxado? É uma filosofia e tanto de vida. Sinceramente, admirei.

Simpatizei com Vigo, ainda que mal possa dizer que estive por lá. Mesmo nessas horas fechadas de cidade, achei as poucas ruazinhas do centro aprazíveis de uma caminhada. Vigo, em plena sesta, cavou uma lembrança e uma micro-história que agora eu posso contar.

Se nos veremos de novo? Só o futuro decidirá. Mesmo entre bocejos, gostei de Vigo.

A tempestade na Espanha

Plaza Mayor

Ninguém sabe ao certo quando a pandemia vai terminar, quando a vida, doravante em uma “nova realidade”, emergirá a pleno. Mas depois de algumas semanas de muita dor e milhares de tragédias familiares, o sol parece estar próximo de raiar em alguns lugares, como a Espanha.

Nesta semana, iria entrevistar duas amigas minhas que moram por lá, para o podcast Direto ao Ponto. Iria ser entrevista, virou conversa – que é o que acontece quando as boas entrevistas fluem. Ficou um relato claro de que a pandemia não é “gripezinha” e sim um problema de dimensões catastróficas à sociedade.

Como tudo na vida, essa pandemia vai passar, com mais ou menos dor por aqui. Não foi a primeira grande crise sanitária, provavelmente não será a última. A diferença é que nessa podemos salvar melhor os registros, para quem sabe tirar lições para o futuro, de como atravessaremos essa tempestade.

O resultado está aqui.

 

Obrigado Mariana e Terena por ajudarem nesse relato. Fico feliz pela ajuda, e ainda mais, por saberem que vocês estão bem.

A manobra do El País

El Pais

El País, um jornal digital | Foto: Bernardo Péres / El País

“Quando cheguei ao El País, disseram-me que era um jornal impresso que tinha um site. Minha missão era, pouco a pouco, transformá-lo num site que também tinha um jornal impresso.” Essa, em essência, foi a frase dita jornalista espanhol Gumersindo Lafuente, então diretor do El País, em uma palestra que ele ministrou em Porto Alegre uns dois ou três anos atrás.

Tal ideia me marcou. Em meio a uma classe apegada com seu passado de tinta e papel, aquela foi uma ideia que soava completamente revolucionária. E, acima de tudo, correta visando o futuro – isso em um presente que ainda não havia sido dominado pelos smartphones.

Pois bem, o futuro chegou. Em carta à redação do El País, o diretor-chefe da equipe, Antonio Caño, anunciou o passo seguinte à ideia apresentada a Lafuente anos atrás: o El País não terá mais papel e será “essencialmente digital”. Em outras palavras, vai virar um somente site, com o papel tendo seus dias contados.

É um passo ousado, a medida que o modelo econômico qeu sustenta o jornalismo digital ainda não está consolidado – talvez nem perto disso. Mas eles sabem disso: “Decidimos não apenas não ter medo da mudança, mas antecipar-nos na medida do possível para estar na vanguarda dessa mudança”, diz o comunicado.

A carta não informa datas, cortes e/ou redirecionamentos da equipe. Apenas libera uma pista: “Será uma redação sem escritórios, aberta à colaboração e à troca de ideias, na qual as equipes se misturarão para construir novas histórias. A partir de agora, no coração da planta principal será instalado um moderno espaço aberto dedicado à criação e à coordenação de informações e sua distribuição nos diferentes canais. O centro dessa redação contará com uma moderna ponte de comando, na qual haverá perfis jornalísticos, de desenvolvimento tecnológico, de edição gráfica e de vídeo, de design, de produção, de medição de audiência, de redes sociais, de SEO [otimização de sites] e de controle de qualidade. A partir dali serão criadas novas narrativas e novas formas de comunicação que continuarão a manter este jornal na vanguarda do jornalismo global”.

Esta redação sem escritórios faz sentido. O jornal espanhol se proporá a ser “cada vez mais americano”, conforme seu diretor. “Pois é na América onde o nosso crescimento é maior e nossa expansão mais promissora.” Madri e Barcelona, então, ficaram pequenas diante do alcance das redes sociais, ainda mais com o jornaleiro e a banca do século XXI.

Em um mundo repleto de incertezas e com uma crise que às vezes parece não ter fim, o El País adianta-se ao futuro, numa manobra arriscada. Porém, acima de tudo, corajosa e respaldada pela qualidade de seu material. Como leitor e como jornalista, fico na torcida.

Curvas e cores de Gaudí

Admito ser leigo no assunto, mas talvez justamente por isso eu adore debater arquitetura e urbanismo em mesas de bar mundo afora. E muito por esta razão foi encantador conhecer Barcelona, um lugar em que se fica provado o valor e o impacto de curvas e cores no cenário público.

O fato de admirar arquitetura apenas por fora não me faz estudar arquitetos. Mas estar em Barcelona é ser logo apresentado a Antoni Gaudí, alguém que, definitivamente, nunca gostou de linhas retas. E fez de Barcelona uma atração turística em si graças às suas ideias.

Estamos em Passeig de Gracia. E apenas ali há dois prédios separados por poucas dezenas de metros e que mostram a sua genialidade: a Casa Milà (La Pedrera) e a Casa Batlló. Ambos são um sem fim de curvas e, no caso do segundo, Gaudí levou um edifício de alguns andares inteiro para um mergulho no mar usando entradas de luz e tons de azulejos, além de, claro, curvas. Muitas.

casa batllo

Porque, com curvas, a fachada é muito mais legal

A apreciação é livre – e disputada – por pequenas multidões que visitam as duas casas diariamente. Encantam gente que vive em cidades como a minha, em que o antigo é logo considerado velho e o novo não passa de linhas retas que impõem um padrão de ostentação.

Não cheguei a visitar La Pedrera, mas, lhe garanto, caro(a) leitor, que entrar na Casa Batlló foi um dos grandes passeios que fiz em Barcelona. Muito, também, por sua conectividade ao longo de toda a trajetória. A narrativa da visita ajuda a entender muito o seu conceito.

park guellUm pouco mais distante de Gracia fica o Park Güell, uma das poucas áreas mais altas da plana Barcelona – e uma das áreas mais coloridas, também. Por centenas de milhares (ou já milhões?) de pequenos pedaços de azulejos colados lado a lado. Por ali morava Gaudí. Se ele já fazia verdadeiras obras de arte para a cidade, imagina para a sua casa e quintal? Com uma bela vista do balneário e com uma grande área verde ao redor, o local passou a ter entrada paga recentemente.

Para quem gosta de tirar fotos e apreciar a vista lá do alto, é uma ótima opção. Tal como quem gosta de correr mais junto à natureza, fugindo um pouco do forte urbanismo barceloneta.

Nada de Gaudí, porém, supera a Sagrada Família. A obra o mantém vivo até hoje – mesmo porque não está pronta, ainda que a construção tenha iniciado há cerca de 130 anos e o arquiteto tenha morrido há quase 90. Culpa de diversos fatores ao longo da história, como uma das característica das mais humanas: guerras.

Por fora, um sem-fim de detalhes a serem notadosÉ um marco de Barcelona, talvez tão forte quanto o time que leva o nome da cidade (e do orgulho catalão) a diversos cantos deste planeta. Pudera, suas torres mais altas hoje têm 107 metros de altura. E as futuras irão passar disso. Há de ser alto para aproximar-se dos céus. Tal projeto, inclusive, pode torná-lo um beato da Igreja Católica, tamanha devoção. O processo corre no Vaticano enquanto a basílica recebe turistas, uns mais devotos que os outros, quase que ininterruptamente.

Cada um dos inúmeros detalhes da Sagrada Família tem uma razão de ser, uma simbologia que faz falta na arquitetura atual, essa que adora prédios só de janelas de vidro, alheia a seu ambiente. Na Sagrada Família há curvas, santos e demônios impossíveis de serem descritos em apenas um post – quiçá em apenas um livro – em apenas uma visita então, muito menos. São demasiados detalhes saídos de uma complexa e genial mente que vive até hoje, apesar de o corpo já não estar presente.

sagrada familia 2

Por dentro, a Sagrada Família é imponente

Barcelona inspira

Barcelona (2)Se algumas cidades do mundo têm o poder de encantar rapidamente, por certo Barcelona está nesta lista. E ainda que os seus primeiros vestígios de história já datem os 4 mil anos, Barcelona mantém uma jovialidade incrível. Seja por sua arquitetura destacada, por seu amor pelo futebol ou pela utópica expectativa de um dia separar-se da Espanha.

Some-se a esses ingredientes uma bela praia, pessoas bonitas e um ensolarado verão que não faz feio para país tropical algum deste planeta. Tal receita, é claro, ainda inclui um sem-fim de opção de bares, para pessoas de públicos variados e que gostam de ficar até bem tarde (ou bem cedo) na rua.

Barcelona empolga. Ou Inspira, como sugere a atual logomarca do turismo local. Suas ruas fáceis de caminhar e o metrô que cobre tão bem a cidade deixam, também, o visitante sem desculpa para não caminhar bastante por entre pessoas jovens, admirando prédios que por si só são obras de arte e mergulhando na cultura com a arte de gente do calibre de Pablo Picasso, Joan Miró e Salvador Dalí, entre outros.

Barcelona (1)Barcelona, enfim, inspira. E muito.