Julho de 2008. Eu era quase um jornalista formado quando desembarquei em Havana para uma viagem, a princípio, apenas de férias. Minha primeira grande aventura internacional e logo para um dos destinos mais únicos que já conheci.
Mas, ainda mais para um quase jornalista, é impossível aceitar ser só turista na Cuba de menos de cinco meses após a saída de Fidel Castro da presidência, momento que o assunto ainda era relativamente novo. As aberturas econômicas, a aproximação com os Estados Unidos e até o show gratuito dos Rolling Stones eram impensáveis então.
E é difícil segurar perguntas quando os cubanos são tão simpáticos e vêm, a toda hora, puxar papo no meio da rua. Logo ouviam: Quem, de fato, era Raúl Castro? Fidel faria falta? Se os cubanos pediam tantos regalos aos turistas – de roupas e até papel higiênico – como podiam exibir orgulho por viver neste país em que o acesso à educação e à saúde são, em tese, universais?
Sorrisos amarelos. Nova pergunta: o que a Yoani Sanchez escreve era verdade ou apenas golpismo?
Lembro também que o taxista/guia ilegal que nos levou para conhecer Havana, e que dizia ser médico, “brincou” e insistiu para eu conhecer, casar e levar a filha dele para o Brasil. Eu dizer que tinha namorada no Brasil soou como detalhe.
Em muitas dessas ocasiões – não raros em um bar comigo e meu pai bancando a bebida aos cicerones – as respostas vinham em um volume mais baixo e só depois de olhar para os lados, conferindo se alguém não estava de olho. Com medo de um Grande Irmão, presumi. Eram falas rasas e dispersas, ansiosas por um novo assunto.
A melhor resposta, porém, veio quase em tom de sincera brincadeira, caminhando em alguma calle habanera: “Para entender Cuba é preciso fazer um curso de cubano”, sorriu o nativo.
De fato. Nesta resposta reconheci-me, enquanto brasileiro, adaptando-a para meu país. Certas coisas, em especiais da política brasileira, seriam impossíveis de explicar a qualquer gringo. Anos depois, em dezembro de 2015, uma alemã que passava por Porto Alegre me perguntou incrédula: “O Eduardo Cunha pode fazer isso mesmo?”, referindo-se à abertura do pedido de impeachment.
Naquela visita, depois de uma breve explicação e uma troca de assunto providencial, pensei na sorte que tive ao não ter que detalhar a relação PMDB-governo-oposição. E seriam muitas coisas a ter que explicar: como os parlamentares do meu país pedem a saída da pessoa que ocupa o cargo máximo da República e, dias depois, saem de férias, voltando a falar do assunto meses depois, somente?
Ou como um ex-presidente diz que não é dono, e não declara, imóveis que usa? Como o governo o chama para ser ministro apenas quando está em vias de ser preso, se ele seria tão útil quanto disseram? Como um juiz divulga áudios de telefones grampeados (ou, falando corretamente, “escutas autorizadas pela justiça”) de momentos em que as falas já não eram para estar sendo captadas? E o que dizer dos vazamentos seletivos desses trechos? Outra: como um juiz despacha uma liminar impedindo o ex-presidente de ser ministro antes de receber o processo?
O momento político do Brasil é extremamente delicado. O país parece estar zonzo com um governo que recebeu extrema unção e uma oposição que não reflete esperança alguma – tal como a linha sucessória da presidência. Tanto que não chega a surpreender o fato de a maioria dos deputados que integram a comissão de impeachment terem algum imbróglio com a Justiça – e não haver maior repercussão disso.
“Para entender o Brasil seria preciso um curso de brasileiro”, concluo, lembrando do cubano de 2008 e desejando, nesses turbulentos dias de 2016, apenas calma e contexto. Nunca fizeram mal à opinião de ninguém.