O Gabo de fevereiro

Há uma tradição que mantinha há alguns anos de sempre ter alguma obra de Gabriel García Márquez à mão nos meses de fevereiro para ser devorada. Via de regra é só uma, para não gastar tudo de uma vez só, como já ensinou o mestre Leonam em outras ocasiões, numa receita de como manter relação com nossos autores favoritos.

Por conta da correria que acabou sendo o segundo mês do ano, o Gabo de fevereiro só pôde dar às caras em março. E sequer era um Gabo legítimo, mas sim uma pupila do grande escritor colombiano, falecido há quase dez anos. Calhou-me de ler – e devorar – “A cabeça do santo”, de Socorro Acioli, ex-aluna de García Márquez.

Não se trata de lançamento, mas gostaria de frisar: Que livro, que história!

A história foi desenvolvida em uma oficina promovida por Gabo, em Cuba. Apresenta elementos de realismo fantástico em pleno sertão nordestino, num enredo com pitadas de amor, humor, religiosidade e sociedade.

Com protagonistas que despertam empatia, o livro tem do início ao fim um texto muito fluído, no qual cada capítulo acaba com um convite para ler o próximo.

Ainda preciso acertar as minhas contas com Gabo em 2024, e feliz por ter um inédito dele sendo lançado neste momento, adiando um pouco mais o temido dia em que haverei de ter lido toda sua produção. Mas por ora, a pupila substituiu o mestre em grande estilo.

Aquilo que li em 2020

Absolutamente ninguém pediu, mas, sabe-se lá o porquê, rememorei os livros que li ao longo deste marcante 2020 que, apesar de todos os pesares, me nego a condená-lo – ainda tem um lado Poliana em mim dizendo que vamos sair melhores, de alguma forma.

Foi um período bem complicado, é verdade, mas ainda assim produtivo em termos de leituras, considerando a rotina de pai e editor de três sites em meio ao home office.

Então, puxando de memória, vamos lá:

• Gabriel García Marquez
Eu provavelmente leria todos os livros do Gabo em sequência, mas, como ensina o mestre Leonam, é bom poupar seu escritor favorito para sempre ter o que ler. Então encasquetei uns anos atrás de manter uma tradição de sempre ler algo dele todo início de ano. De birra, 2020 me fez ler mais, Doze Contos Pelegrinos, “Do amor e outros demônios” e um outro livro de contos que, a essa altura, já não lembro o nome. Não foram os mais marcantes, mas a gente repara a boa história quando sente saudade da personagem no dia seguinte que a história foi concluída. Aconteceu, porque Gabo sempre vale a pena.

• Amanhã Vai Ser Maior, Rosana Pineiro-Machado
Escrevi sobre esse livro em junho. Trata-se de uma obra fundamental para quem quer expurgar a extrema-direita do poder no Brasil. Um didático contexto do que aconteceu ao longo da década e das saídas que podem se apresentar. Li a primeira vez no kindle. Gostei e comprei o livro físico.

• A Máquina do Ódio, Patrícia Campos Mello
Se o livro da Rosana explica os caminhos sociológicos que levaram o Brasil até a extrema-direita, o de Campos Mello detalha como foi o trajeto prático, em especial via WhatsApp, de extremistas ao Planalto. É, também, uma aula de jornalismo.

Ailton Krenak
E se o princípio de uma retomada esteja numa reconexão nossa com a terra? Uma maneira de repensar a nossa relação com a natureza e a ancestralidade é o que propõe o escritor Ailton Krenak, de quem li “Ideias para Adiar o Fim do Mundo” e “O amanhã não está à venda”. Ambos leituras rápidas e didáticas.

• Para educar crianças feministas, Chimamanda Ngozi Adichie
Eis aqui uma breve reflexão sobre feminismo, útil a quem está disposto a entender um pouco mais sobre a sociedade a qual crescemos. Pessoalmente, considero essencial para quem é pai de guria. Não precisa concordar com tudo, mas será importante se o texto conseguir ampliar a visão de mundo.

• Taxitramas volume 4, Mauro Castro
Mauro Castro é um escritor que explora um taxista. Ou um taxista que sustenta um escritor. Perambula há décadas pelas ruas de Porto Alegre em busca do seu ganha pão. É uma tarefa que inclui de aventuras que colocam sua vida em risco, mas que geram histórias que já renderam quatro livros. Uma boa rota de fuga de dias pesados.

• A Uruguaia, Pedro Mairal
Se esse post fosse relevante o suficiente para entregar uma espécie de troféu revelação, por certo iria para Pedro Mairal, por sua uruguaia. Não é um livro necessariamente leve, porém tem uma narrativa digna de roteiro cinematográfico, com um protagonista deveras real e um desfecho digno de palmas.

• Ruína y Leveza, Júlia Dantas
Escrevi aqui sobre esse livro. Se a narrativa d’A Uruguaia cairia bem no cinema, a história de Ruína tem muito de realidade para muitos adultos jovens de classe média alta de Porto Alegre. Um belo e inspirador romance para um ano que foi bem duro fora dos livros.

Hora do conto – Ruína y Leveza

Um nariz de cera introdutório

Lembro que botei o olho naquele livro no dia em que o Gonzaga o ganhou, na redação do Correio do Povo. Flertei com a obra, assim como muito já fiz antes, dentro e fora de livrarias. Aquela coisa, uma hora a gente se encontra. Sem pressa. Mais cedo ou mais tarde, certamente, leria Ruína y Leveza, de Júlia Dantas, pelo simples fato de ter simpatizado com o nome, a temática e o texto na orelha.

Como tantas outras vezes, dentro e fora de livrarias, o tempo passou e aquela atração meio que caiu no esquecimento. Só alguns anos mais tarde que nos encontramos. Mas forcei, admito. Em um hiato de leitura, “ainda no tempo em que as redações eram cheias”, recordei o Gonzaga, que de pronto me emprestou o livro. O mundo ainda girava normalmente e a ideia era devolvê-lo dali a alguns. Só que teve uma pandemia no meio do caminho.

Ruína, em meio a mudanças forçadas de rotina, até começou a ser lido, porém no arruma aqui e ali do dia a dia acabou esquecido na mochila do trabalho, que, devido ao home office, nunca mais foi ao trabalho. Por semanas a fio ficou pendurada, como uma decoração da casa.

Pois bem. Recuperado meses depois, voltou à lembrança, ainda que atrás de outros que, mesmo chegando depois, tinham preferência na leitura. O tão momento de encontro entre eu e aquela obra de uns anos atrás, então, acabou sendo apenas no meio das férias, em plena pandemia.

Do livro

Minha mãe, professora de português e literatura, sempre alertou que os romances às vezes começam devagar e só tomam jeito mesmo mais pro meio do livro. Não deixa de ser verdade e, talvez por esse ensinamento materno, valorizo demais uma boa arrancada de texto. A partir disso, aliás, que Gabriel García Márquez se tornou meu escritor favorito.

Nunca tinha lido nada da Júlia, mas o início de Ruína nos prende – literalmente na história – de tal maneira que torna-se incômodo não continuar a ler. Claro, longe de compará-la a Gabo, entretanto a história da protagonista Sara não deixa de nos cultivar a curiosidade de acompanhar a jornada, seja em Porto Alegre, seja em rincões do interior da América Andina.

Sara, desde o começo, me soou tão conhecida. Por também ser do meio da comunicação de Porto Alegre, por suas dúvidas (nem tão) existenciais assim, por sua luta e descoberta de destino. A personagem tem muito paralelo com histórias de jovens comunicadores da capital gaúcha, com a diferença que ela tem a coragem e o incentivo de seguir com uma ideia que lhe chegou no susto.

O formato não linear do romance ajuda a conhecê-la melhor. E ao longo de uma autodescoberta, Sara faz uma ode não-forçada à liberdade sem que sua história escorregue em clichês, que já poderiam ser esperados nas primeiras páginas.

Ao construir sua coragem e desprendimento, a ex-publicitária vira aquelas personagens que gostaríamos de conhecer pessoalmente, de ouvir como foram os detalhes acontecidos e narrados ao longo dos 13 capítulos do livro.

E Sara, quando parte na última página de Ruína y Leveza, deixa a saudade para quem não a acompanhará mais nos dias seguintes.

Sara

Sara me lembrou quando estive quase que por acaso em Bogotá, em agosto de 2012. Me lembrou uma noite fria em que só eu e uma japonesa dormíamos em um quarto meia boca e com diversos beliches de um hostel qualquer e barato da capital colombiana. Muitas e muitas Saras devem passar por lá.

A japonesa, recordo eu, era diferente do estereótipo criado por nós, ocidentais, daquele país. Meio desarrumada, ainda que bastante respeitosa – estava preocupada em não fazer barulho quando saísse, de madrugada, para não me acordar. Tímida, ela mal falava espanhol e estava do outro lado do seu mundo, sozinha. E viajando.

Parte minha certamente toparia seguir com Sara interior latino-americano a dentro, porém a outra parte vive como a primeira fase da personagem. Com menos drama e mais estabilizado, por certo. Mas hoje vai se tornando alguém com cada vez menos experiências que só a estrada e os momentos únicos pelo mundo ensinam.

O que passou e o caminho a seguir

Em meio a cuidados de uma bebê de um ano e para não esquecer de limpar tudo com água, sabão e álcool gel quando necessário, as últimas férias também foram um período para uma breve e tímida tentativa de leitura. Apesar de escassas, renderam.

Destaco dois textos que acabam sendo um farol para o campo da esquerda em tempos pandêmicos de bolsonarismo no Brasil. “Dentro do Pesadelo”, um artigo de Fernando Barros e Silva na edição 164 da revista piauí, e o livro “Amanhã Vai Ser Maior”, de Rosana Pinheiro-Machado.

O primeiro é daqueles textos ainda raros na imprensa brasileira, com palavras certas em tons adequados. Grave. Há uma tendência no jornalismo brasileiro – e acabo por estar nisso – de amenizar o adjetivo ante a uma situação conflitante. Costumam sair termos como “racista” e “machista” para dar lugar ao vago “polêmico”.

O texto na piauí, porém, como o próprio nome já sugere, remete a algo pesado de alguém que cobriu a última eleição presidencial e o primeiro ano e meio do novo governo. Não que o que esteja acontecendo não pudesse ter sido esperado, vide a trajetória anterior do atual ocupante do Planalto. E aponta “cegos”, “omissos” e “cínicos” (inclusive nós, da imprensa) ao longo deste caminho:

O que define o bolsonarismo é o desprezo pelo Congresso, pelos partidos, pelas instituições, pela imprensa livre, pela sociedade civil organizada. Ele gosta do caos, ele gosta de dar tiros. Sua opção política funciona porque ele tem o Exército às suas costas. O projeto autoritário de Bolsonaro passa pela atrofia do poder civil e do estado laico, dois pilares da vida democrática.

Os tempos são duros, em especial para quem pensa à esquerda do espectro político. De 2016 pra cá, duras derrotas em diferentes níveis. Mas esse cenário começou a se desenhar quando, afinal? E o que fazer agora? Rosana Pinheiro-Machado, se não tem uma fórmula mágica, traz contexto e projeções em seu livro – um dos que mais fiz marcações na vida.

É preciso, explica ela, entender onde, quando e porque esse movimento de extrema-direita teve início para evitar novos erros que levem a futuras derrotas. Não basta apenas encher a boca e gritar “Eu avisei” na cara de qualquer um que esteja insatisfeito ou arrependido com o que está acontecendo. Vai ter que ter muito diálogo para começar a tentar a reverter a situação.

O que ocorreu no Brasil não se deu em função de um surto coletivo, mas de um não rompimento com nosso passado autoritário e com as estruturas que perpetuam a desigualdade.

Hora do conto – A Bahia, suas cores e fés

TendaFui três vezes à Bahia e só agora, 17 anos após a primeira viagem, que terminei de ler um livro inteiro de Jorge Amado. “Tenda dos Milagres” foi uma das compras na última Feira do Livro de Porto Alegre. Um livro usado, publicado antes da reforma gramatical, mas ainda assim riquíssimo em prosa e conteúdo. Não deixa de ser uma metáfora desta obra.

Tenda dos Milagres foi publicado em 1968. Sua narrativa, porém, se passa na década de 1940 principalmente. Retrata a história de Pedro Archanjo – inspirado em alguém que viveu de verdade, Manuel Querino. Fortemente ligado ao candomblé, mestiço de origem pobre, intelectual e sábio sem estudos formais, viveu em meio a uma sociedade em que o racismo não era tão velado assim. E isso em meio às ladeiras de Salvador.

Daqueles protagonistas marcantes, Archanjo lidera uma luta popular por inserção e reconhecimento (igualdade, afinal) da gente mais humilde da Bahia. Bahia, mas pode ser Brasil – ou não só este país. Reconhecimento a ele, mesmo, só quando um gringo o percebe e alerta a seus pares: “É um gênio”.

Décadas depois de sua publicação, o enredo de Tenda dos Milagres continua encontrando ecos na atualidade. Tal como algumas das frases do cativante protagonista: “É mestiça a face do povo brasileiro e é mestiça a sua cultura”.

Passados anos de miscigenação e de fluxos migratórios pra lá e pra cá, quem discordaria de Mestre Archanjo?

O dia seguinte

Livro dia seguinte

Meio esgualepado, mas com conteúdo

Quando dei por mim lá estava correndo em direção às escadas, refutando toda a tranquilidade que havia planejado para aqueles minutos vespertinos. Às pressas, então, recolhi cadeira, revista e chimarrão e pus-me atrás da cachorra. A leitura no terraço do prédio ficara para outra hora. Uma hora em que eu tivesse a certeza de qua Lisbela não encontraria com os gatos do 401.

Desci e logo depois me arrumei e fui trabalhar, tal como reza a minha cartilha proletária. Nem passou pela minha cabeça de que o livro poderia ter ficado na laje, abandonado em meio à correria. Choveu – e não foi pouco – aquela noite.

Antes de dormir ainda o procurei. Mas mesa de jornalista é aquilo. Tem revista, caneca, jornal e, claro, contas. Tudo a ser conferido, guardado, lido – e pago. Não encontrar um livro específico já em meio ao breu da madrugada soou mera trivialidade, portanto.

Foi, sim, na manhã seguinte que me dei conta. E, puta que pariu, de fato concluí que a chance de o livro ter ficado lá em cima era enorme. “Mas que grande bosta, Tiago”, penitenciei-me, já ao vê-lo posto no sol para secar, pela faxineira do prédio. “E ainda me custou quase 50 contos.”

Há, no entanto, um detalhe – revelado só no quinto parágrafo de propósito. O livro reúne crônicas do Vitor Necchi. E, ironicamente para esta situação, é intitulado “Não existe mais dia seguinte”, lançado no mês passado pela Editora Taverna.

Pois teve.

Se na hora que o vi já me preparei psicologicamente para desembolsar seus R$ 44 para um novo exemplar, ao abri-lo, me surpreendi. Não tinha nada de tinta borrada, nem mesmo a dedicatória que ele fez pra mim e minha mulher – por sinal foi essa a primeira pergunta que a Ana fez ao saber do ocorrido.

O livro do Vitor, tal como seu autor, sobreviveu àquela noite de tormenta e chegou ao dia seguinte. Com elegância. Precisou de algum isolamento, um tempo ao sol e à luz para se recuperar. Mas seu conteúdo está lá e, diria, em ótima forma. Passada a tempestade, houve enfim um descobrimento. Do professor que agora também é escritor.

Alguém que escreveu diversas sacadas “que eu gostaria de ter escrito”, para usar a mesma provocação que o então futuro autor nos passava quando lia referências nas salas da Famecos. Nessas sequências de chuva e sol, é sempre bom se reencontrar nas metáforas da vida e da literatura.

Pitacos da Copa – Sobre a Rússia

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Por motivos óbvios de Copa do Mundo, a pesquisa sobre a Rússia foi intensificada no fim do primeiro semestre deste ano. A Rússia enquanto país, não apenas esteriotipada em seu presidente domando ursos ou nos bizarros vídeos de trânsito que volta e meia pululam em timelines alheias.

Um texto e um livro, em especial, me chamaram a atenção em meio ao grande conteúdo disponibilizado. O primeiro que li foi publicado na revista piauí. “Histórias da Rússia”, pelo escritor norueguês Karl Ove Knausgård. Um mergulho numa Rússia profunda, tanto em Moscou quanto nos arredores.

A longa reportagem conta algumas histórias de pessoas, desconectadas entre si, mas que não deixam de ser figuras comuns nesse lado distante da Praça Vermelha. A Rússia, faz bem nós ocidentais lembrar, é muito mais do que aquele chavão-imaginado.

Por sorte e/ou por edição, Knausgård encontrou gente disposta a conversar e contar um pouco de histórias. E daí vai desde um caminhoneiro até a uma senhora de 102 anos. Embalam uma Rússia que o jornalista acredita ainda ser parecida com a descrita por Ivan Turguêniev em “Memórias de um Caçador”, escrito no século XIX.

“A Rússia é uma terra de histórias. Histórias do czar e de seu povo, de Lênin, da revolução e da Grande Guerra Patriótica; da transformação de um país retrógrado num Estado industrial poderoso e moderno; do Sputnik, de Laika e de Gagarin; depois, do reino de terror de Stálin, de um país que se calcificou, estagnou e acabou sucumbindo; e de Vladimir Putin, o oficial da KGB que chegou ao poder em meio ao caos e restabeleceu a ordem. E como ele fez isso? Por meio de histórias do passado recontadas de modo a oferecer uma justificativa à Rússia de hoje.”

Já em “Com vista para o Kremlin”, a jornalista Vivian Oswald relembra o período em que foi correspondente do jornal O Globo em Moscou, no início desta década. A narrativa hoje soa uma história levemente defasada, visto que ela estava lá ao fim do primeiro período de Vladimir Putin, na transição para Dmitri Medvedev.

No texto, Vivian, como diz o mestre Leonam, consegue “jogar o leitor lá”, na realidade moscovita. Consegue-se simpatizar (ou não) com diversas das pessoas citadas ao longo da história. Assim como imaginar-se admirando as famosas estações de metrô da capital russa, de tão bem descrita é, esta parte:

“São verdadeiros museus subterrâneos. Lustres suntuosos, mármores, estátuas de artistas renomados, afrescos, mosaicos e projetos revolucionários que, à época da construção, desafiavam as condições desfavoráveis do clima e as abissais profundidades.”

No livro aparece uma Rússia que ainda abria-se e descobria o capitalismo, isso 20 anos após a perestroika. Isso sem deixar para trás histórias como os apartamentos comunitários e bastidores de reportagens produzidas para o jornal neste período.

São dois textos diferentes e interessantes, que mostram que a Rússia é um país muito mais complexo do que as notícias que chegam cá a este lado do oceano. Vale a pesquisa. E, para quem pode, serve como incentivo para descobrir in loco o país da Copa de 2018.

ps: o primeiro texto seguia disponível para o acesso no site da piauí. O livro tem preço variando entre R$ 22 e R4 39,90 na Estante Virtual

Sobre os autógrafos verdadeiramente especiais

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Meu primeiro contato com o jornalismo da PUC aconteceu quando eu tinha 17 anos. Era então mais um rapaz prestes a terminar o terceiro ano do ensino médio e às vésperas do seu primeiro vestibular. Um pessoal da universidade foi na escola onde estudava apresentar um pouco de cada curso.

Naquele fim de ano do já longínquo 2003, já havia me decidido pelo jornalismo, opção então diversas vezes confirmada em testes vocacionais – de que até hoje não me arrependo, apesar dos pesares. A apresentação que assisti só reforçou a ideia do que gostaria de me tornar.

Recordo que nessa ocasião leram uma crônica – que até não tinha muito a ver com o jornalismo em si – de alunos da Famecos em que o fio condutor da história imaginava uma utópica sociedade onde as pessoas para quem pediríamos autógrafos fossem professores e não jogadores de futebol.

Pois bem. Aquilo ficou na minha cabeça, porque tinha achado bem inusitado. Naquele momento tinha alguns professores por quem nutria admiração, mas jamais havia passado na minha cabeça pedir autógrafo a eles, ainda que dominassem como ninguém mistérios químicos e físicos, algo que realmente me faz tirar o chapéu até hoje.

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Dos recados nas correções: sempre um aprendizado

Cinco primaveras depois daquele dia eu estava prestes a terminar outro ciclo. Já estávamos nós, colegas de Famecos, nos olhando com um princípio de saudosismo diante do fim da faculdade. Neste último ano, sem muita pretensão, organizamos um evento junto aos professores. Era o “Mestre Cuca”, que nada mais consistia em convidarmos alguns dos nossos mestres a preparar uma janta regada a boa conversa e álcool.

A ideia pegou e teve até professor oferecendo casa e data para cozinhar para nós que, modéstia à parte, formávamos uma turma muito legal, além de competente – ao menos na arte de beber socialmente. A cada período de tempo, em meio a um capuccino ou outro da Famecos, decidíamos quem seria o nosso professor. Consciente ou inconscientemente, deixamos o mais especial por último, Marques Leonam.

Quem teve aula com ele, certamente nutre uma admiração difícil de traduzir em palavras. Leonam tem um jeito peculiar de ser cativante, tanto em grupo quanto individualmente. Antes de ser um jornalista, é um repórter – e há uma diferença nisso. Lamento não encontrar mais gente parecida com ele no meio em que convivo.

Na noite dele, Leonam foi para um jantar como se fosse para uma aula, trazendo consigo sua já surradinha pasta cheia de papéis com o que ele transformava em pílulas do saber. Preciso confessar que Leonam foi o único que não cozinhou para a nossa turma. E ninguém se importou. O professor não pilotou o fogão para não ser atrapalhado entre uma história e causo ou outro.

E como praxe em todas as suas aulas, deixou conosco um desses papéis com uma mensagem. Foi quando, e aí não lembro quem começou, que reparei que ele estava assinando um a um deles, com uma dedicatória. “O autógrafo de um professor”, sorri, lembrando, então no fim do meu curso, daquele contato inicial com o jornalismo da PUC.

O encantador de pessoas

Atenção de uma plateia encantada

Nesse 6 de junho, mais uma vez, recordei daquela crônica. Troquei de horário no trabalho, encarei uma fila de mais de duas horas apenas para encontrá-lo e receber mais um autógrafo seu, agora no livro que conta sua história, com um justíssimo nome de “O Encantador de Pessoas”, escrito pelas jornalistas e ex-alunas Ana Paula Acauan e Magda Achutti.

O lançamento transformou-se numa noite de boas recordações e reencontro. Mas também uma noite em que me provou que bom é o mundo em que a gente prefere pegar autógrafo de um professor ao invés de qualquer jogador de futebol. E olha que essa certeza me vem às vésperas de uma Copa do Mundo.

***

A Famecos cobriu o evento e disponibilizou fotos neste link. Interessados em comprar o livro podem entrar em contato pelo e-mail mestremarquesleonam@gmail.com.

Hora do Conto – dos relatos perfeitos

cronica gaboHá uma vantagem de ser um leitor tardio de Gabriel García Márquez: sua obra é muito vasta. Se não for feito um intensivo e sim degustado pouco a pouco, é possível ler seus livros e textos de tempos em tempos, por um longo período. É o meu caso, um leitor de Gabo há apenas dez anos.

Um breve parêntese: primeiro livro que li dele foi logo “Cem Anos de Solidão”. Certa feita, em um horário de almoço no meu estágio, ganhei uns minutos a mais, porque meu então chefe viu o livro que estava lendo. “Pode continuar aí que eu seguro as coisas um pouco.”

Pero bueno. Meu García Márquez deste início de 2018 foi “Crônica de uma morte anunciada”, publicado originalmente em 1981. Bom contextualizar que o autor era, como vocês devem saber, jornalista. E, usando a mescla da linguagem jornalística com o enredo de romance, criou aqui um de seus melhores relatos. É um livro, mas poderia ser lido em um jornal.

A história conta sobre a morte de Santiago Nasar – “condenado” pelo crime de ter, supostamente, desvirginado uma noiva em alguma pequena cidade caribenha. Revisitada anos depois do assassinato, a história relatada inicia horas antes da morte até a hora do crime, com citações de dias seguintes.

É uma climatização capaz de jogar o leitor no ambiente daquela “terça-feira que começava sombria”, antes da chegada do navio que trazia o bispo – evento para o qual todos do lugar haviam se mobilizado.

“Questões de honra são lugares sagrados aos quais só os donos do drama têm acesso. ‘A honra é o amor’”

O texto, que de quebra oferecer volta e meia aquelas frases definitivas para serem relidas a qualquer momento, não deixa de ser um dos ápices não só do autor, mas do jornalista Gabriel García Márquez. Se toda reportagem fosse contada como o relato do narrador do livro, o jornalismo seria bem mais completo – e certamente mais consumido. Além de ter uma qualidade muito superior.

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Texto publicado no dia em que Gabo completaria 91 anos, lembrado por este doodle acima

 

Hora do conto – Um jornalista pelo mundo

hora do conto sem pautaDias atrás zapeando pelo site da Saraiva deparei-me com este livro, que achei que poderia ser bem interessante “Sem pauta – Reportagens, histórias e fotos de um jornalista pelo mudo”. Cara, foi o que eu sempre quis fazer. Comprei, ou melhor, tentei. Deu ruim, mas não desisti, larguei de mão a Saraiva e acabei comprando de um sebo via Estante Virtual.

Mal chegou em casa na semana seguinte e já foi direto para o bidê ao lado da cama, onde, em questão de poucos dias, já estava lido de cabo a rabo. E motivou-me a resgatar a tag “Hora do Conto”, há horas esquecida nos arquivos deste blog.

É uma leitura leve e fácil, ainda que os temas às vezes não sejam os mais bonitinhos e/ou turísticos, já que, basicamente, este livro trata de viagens. Luiz César Pimentel fez o roteiro que originou os textos entre o fim da década de 1990 e o início dos anos 2000. Ou seja, não trata de assuntos novos, mas os temas abordados são permanentes.

“Sem Pauta” é um livro escrito por um jornalista que faz questão de olhar os diferentes lados de um fato – e um local. Por exemplo, não trata das belezas paradisíacas do Vietnã sem falar dos campos minados de lá – e da história de alguém que plantava as bombas naquela área. Qualquer viajante mais atento sempre nota que todo lugar tem algo que os locais não gostariam de ser vistos por turistas. Pois.

Genocídios, o cultural no Tibet ou o sangrento massacre populacional o Camboja, são tratados no livro. O que é bom, pois tragédias são fatos que não devemos esquecer em nome do contexto, algo tão em falta em muitas discussões hoje em dia. Tudo isso descrito num texto leve e fácil de ler.

Mas nem tudo são dramas, claro. O livro de Pimentel acaba por sendo um guia de curiosidades locais. Ainda que no título tenha a expressão “pelo mundo” nem todos os continentes são abrangidos. Os países abordados nele são principalmente na Ásia, com rápidas escalas na Europa e no Equador.

“E por que a Ásia?” é a dúvida que logo nos vem. O próprio autor responde no livro: “A verdade é que eu precisava ir para a Ásia. E mais: passar uma temporada lá – já que o continente não é nenhuma estância litorânea a qual se conhece ao cabo de um fim de semana”, explica.

Detalhe, que principalmente os mais preguiçosos da leitura vão gostar: “Sem Pauta” tem uma grande quantidade fotos, que ajudam a ilustrar bem os textos. Infelizmente são em preto e branco, mas mesmo assim colaboram bastante à compreensão dos temas abordados. Mais a mais, o Google está aí para ajudar, qualquer coisa.

Sem Pauta. Reportagens, histórias e fotos e um jornalista pelo mundo
Autor: PIMENTEL, LUIZ CÉSAR
Editora: SEOMAN
Assunto: REPORTAGEM, VIAGEM