O delírio

Foto: José Cruz/ABr

Aguardava o sinal. Não sabia exatamente da onde, nem como ele viria. Mas viria. Sabia porque estava certo que um líder internacional desses de nome complicado recebera as mensagens, as denúncias. Todo o material de procedência inquestionável chegou até ele através de uma ousada missão, em que os enviados foram camuflados de torcedores numa Copa do Mundo e entregaram tudo em um pen-drive.

Agora, era tudo questão de tempo, coisa de 72 horas, talvez. Aguardava. Forças estrangeiras, indignadas com o que aconteceu no Brasil, restabeleceriam a ordem e a dignidade, quiçá até os bons costumes. Seriam equipes mandadas pelos líderes internacionais, esses de alta patente e de sobrenome cheio de consoantes. Esses que lutam contra o globalismo e que ficaram alarmados como o viram. Esses que jamais permitiram que a bandeira do Brasil se tornasse vermelha.

Tratava-se de uma missão arriscada, todos sabiam. Escapando ao sistema, toda a comunicação nas últimas semanas foi feita subliminarmente, à exceção do explícito pedido de SOS feito aos céus por patriotas mais ao sul. Ao longo das últimas semanas, o grupo precisou contar até copos de plástico e de vidro para interpretar o que o capitão enclausurado queria dizer. O vestuário, o cenário, tudo precisava ser levado em conta para se compreender o que realmente importava para os verdadeiros patriotas.

Não que o expediente fosse exatamente novidade, porque bons entendedores precisam de pouco para entender e se reconhecer. E o líder tem uma expertise nisso. Beber um copo de leite às vezes significa muito mais que apenas beber um copo de leite. Eles sabem.

Ó! Ouvem-se gritos! Barulho de multidões extasiadas. É agora, agora!! Ao que o patriota abre o olho e percebe a movimentação, transmitida por uma tela de celular: naquele exato momento, lá estava o inimigo mortal do grupo. Aquele ser, entre um militar dos nossos de espada em punho e uma tropa de prontidão.

Deu-se conta então que talvez perdera o momento do julgamento. Até não admitia em público, mas seu âmago vibrava com a sentença e o desfecho tão próximo. A ode ao ódio, uma festa.

E ele começou a caminhar. Estranhou que os soldados de arma em punho apenas olharam-no. Aquele ser seguiu mais uns passos… e nada. Estranhou que o nosso militar de espada o permitiu caminhar tanto para entrar em um carro. Bom, no mínimo aquele ser devia estar sendo preso, condenado enfim por sua ladroagem interminável contra a nação.

Só que algo estava estranho. Tirou os olhos da tela para ver ao redor. Ao seu lado, colegas patriotas não pareciam estar satisfeitos. O semblante dos demais soldados da pátria no acampamento era pura desilusão. Sem ainda entender muito bem o que se passava, voltou sua atenção novamente à tela. E aí não pôde acreditar no que viu: era ele, aquele homem, subindo aquela rampa.

Só então deu-se conta que tudo o que acreditou, defendeu e sonhou não passava de um mero delírio em pleno verão na capital federal – essa, veja só, ironicamente em festa pela democracia.

É por esperança

Ao longo de todos esse ano estou com um texto na cabeça. Um texto que escrevi em fevereiro de 2012, colocando-me na perspectiva do meu sobrinho, então com seis anos de idade. Um punhado de parágrafos pra dizer que, ao contrário de mim, ele lembraria de um Brasil grande em sua infância.

Eu estava otimista, ainda no início da minha vida adulta, alguém que havia se formado há pouco na faculdade, dava seus passos rumo a algum patrimônio e passava a conhecer e entender um pouco mais das coisas. Mas eu cometi um engano naquela crônica, o da ingenuidade. Achei que aquele momento não era fase, e sim permanente. E esqueci de mencionar o contexto de quando aquela análise foi escrita.

De 2012 pra cá, a vida mudou bastante, com muito mais tropeços do que avanços, pra usar os mesmos termos de dez anos atrás. Em especial no campo político – e isso vai ser motivo para outro texto, da perspectiva jornalística, de como a imprensa não foi preparada para a década de 2010 no Brasil.

Enfim, faltou dizer que o país só havia melhorado, que o dragão da inflação tinha sumido e que, dali a dois anos, o Brasil até sairia do mapa da fome, porque um governo comprometido com a população estava onde deveria estar, no Planalto, da mesma forma que perigos à democracia estavam onde deveriam estar, no obscurantismo.

Eu tenho receio de que, quando a minha filha ter seis anos, ela veja o país mais parecido do que como eu vi, do que como o meu sobrinho pôde vivenciar. É por esse futuro que é preciso fazer um escolha certa nas eleições. É para mandar as aflições e as ameaças de atraso institucional para o esgoto.

Remoer

Não basta se decepcionar na sinaleira ou brigar no grupo dos amigos no WhatsApp, é preciso ler e remoer esta matéria para enfim buscar se levantar e seguir adiante neste país. Todo este período, em que jornalistas e servidores são agredidos e mortos ao estarem fazendo seus trabalhos, não pode ser naturalizado.

Há algo de muito errado. É preciso saber o que e quem. É preciso seguir adiante.

Três livros para as eleições de 2022

Charge de Galvão Bertazzi

Há muitos caminhos para a construção de um voto. Passam por crenças, ideologias, experiências, notícias e balanços. Quero adicionar, também, contexto. Em especial a uma eleição que se mostra demasiado importante na história da democracia brasileira.

Afora o noticiário, há três livros que gostaria de sugerir a quem tem alguma indecisão com relação ao seu candidato nas eleições presidenciais de 2 de outubro. Acho que vão ajudar a contextualizar a forma sobre como chegamos a esse momento, e talvez abrir mais horizontes a muitos que tentam entender a complexidade deste país chamado Brasil.

Óbvio, há tantos e tantos outros livros, artigos, textos e fotos a mais para se embasar votos. Essa é uma lista que pode crescer muito ainda. Mas, pudesse eu recomendar apenas três, seriam esses, porque sociologia, tecnologia e racismo são pontos que se destacam para este momento.

Amanhã vai ser maior, de Rosana Pinheiro-Machado
É preciso entender como Jair Bolsonaro, um deputado de sete mandatos vendendo-se como nova política, chegou ao poder. Foi uma conjuntura de fatos, sim. Mas é preciso compreender fundamentalmente como o discurso da extrema-direita colou em grande parte da população, inclusive na de baixa renda, para se construir alternativas ao radicalismo.

Máquina do Ódio, de Patrícia Campos Mello
Eleições têm regras para se deixar a disputa entre os candidatos mais justas. Essas regras foram sistematicamente quebradas em 2018 internet afora. Aproveitando-se de um judiciário lento e de um terreno fértil ao ódio nas redes sociais, a desinformação correu solta. O livro é um exemplo da contribuição que o bom jornalismo pode fazer à democracia.

Racismo Estrutural, de Sílvio Almeida
O Brasil é majoritariamente negro. Mas quantos negros há em postos-chave de poder, seja na esfera privada, seja na pública. E por quê? Quem visa um país mais justo precisa compreender as diferenças das dificuldades da vida de negros e brancos, acabando com o mito da igualdade racial. Leitores brancos que leem a partir da perspectiva de um intelectual negro podem ter muito a aprender um pouco mais sobre o Brasil real.

Eleições? Justo agora

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Quatro anos em poucos segundos: em breve | Foto: TSE

Vivemos tempos de ressaca, nesta época pós-impeachment. Paira por aí uma aguda desilusão política, ainda que disfarçada de excesso de convicção. Isso num momento em que perdemos a capacidade de diálogo em redes sociais. Não precisamos de muitas palavras para virar logo coxinha/golpista ou petralha/comunista. Sem meio termo nesta época de opiniões fortes.

Mergulhados em crise de representação, em menos de um mês vamos às urnas eleger aqueles que mais influenciam diretamente na nossa vida cotidiana, prefeitos e vereadores. Legislativo municipal, inclusive, coberto de maneira deficiente pela mídia em geral apesar de sua importância e impacto mais imediatos, diga-se de passagem.

Se não se atentar tanto à campanha, às vezes dá a impressão que ela mal começou. Ao menos em Porto Alegre, mal que mal se vê números das siglas e de seus candidatos. Talvez seja uma higienização forçada após anos de poluições. Campanha em si, igualmente pouca. Quando o material chega, em meio a toda esta crise institucional da sociedade, passa a impressão que há mais candidatos preocupados com o bem-estar dos animais do que, veja só, direitos humanos.

Defender direitos humanos virou em algum momento ser defensor de bandido, conforme os entendidos juízes de Facebook. Na campanha, é bola fora e, ainda que não seja atribuição do legislativo municipal – e sim do Estado –, o que não falta em Porto Alegre é gente prometendo mais segurança. Como isso vai acontecer? Não dá tempo de descobrir mais a fundo.

Não dá tempo, porque não há tempo. Juntos, os candidatos a representantes da população têm apenas dez minutos para pedir votos na TV e no rádio. Dez minutos compartilhados, poucos segundos para cada um – período insuficiente até para ler este parágrafo em certos casos. Cortaram o tempo que o eleitor tem para analisar seu candidato justo em um momento de grave crise de representação política.

É, mais do que nunca, uma eleição a jato. Mal começou, tem feriado no meio – num quase irônico Dia da Independência – e já vai terminar. Ao fim, tudo pode continuar igual e mal vamos reparar que fomos às urnas.

Por que tanto ódio?

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Um muro separa a esplanada dos ministérios, em frente ao Congresso Nacional do Brasil | Foto: José Cruz/ABr

Pouco a pouco, conversar com quem tem pensamento antagônico foi ficando mais difícil. Bastava algum indicativo de opinião e já vinha um carimbo “Coxinha” ou “Petralha”. Mais recentemente ainda houve a nova definição, “Isentão”, que acho que são esses chatos que não deixam seus argumentos serem totalmente guiados por A ou por B e que citam erros e acertos em ambos os lados.

Só que essa áurea foi tomando conta. Do grupo do WhatsApp, da discussão em família, entre amigos. Redes sociais, em muitos casos, viraram bolhas de opiniões únicas, sem o contraditório apresentado. Opinião divergente, em certos casos, virou fala do inimigo, merecedora da destruição. Noutros casos a violência saiu da verbalização e tornou-se física. Só porque o outro pensa diferente – ou sequer isso, por não vestir vermelho ou verde e amarelo.

É, enfim, um momento delicado, um momento grave. A partir daí tentamos tentamos, na redação do Correio do Povo, analisar o porquê deste ódio. O fato de estarmos brigando com familiares, amigos e mesmo desconhecidos por conta de política significa que estamos, sim, mais politizados? Esses engravatados que ocupam as tribunas do parlamento, de fato, nos representam?

O resultado desses questionamentos se transformaram numa matéria que editei, depois de ser escrita pelos repórteres Bernardo Bercht e Lou Cardoso. Recomendo a leitura e compartilho o link aqui e aqui.

“Para entender o Brasil seria preciso um curso de brasileiro”

Julho de 2008. Eu era quase um jornalista formado quando desembarquei em Havana para uma viagem, a princípio, apenas de férias. Minha primeira grande aventura internacional e logo para um dos destinos mais únicos que já conheci.

Mas, ainda mais para um quase jornalista, é impossível aceitar ser só turista na Cuba de menos de cinco meses após a saída de Fidel Castro da presidência, momento que o assunto ainda era relativamente novo. As aberturas econômicas, a aproximação com os Estados Unidos e até o show gratuito dos Rolling Stones eram impensáveis então.

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É trabalhando que se chega lá?

E é difícil segurar perguntas quando os cubanos são tão simpáticos e vêm, a toda hora, puxar papo no meio da rua. Logo ouviam: Quem, de fato, era Raúl Castro? Fidel faria falta? Se os cubanos pediam tantos regalos aos turistas – de roupas e até papel higiênico – como podiam exibir orgulho por viver neste país em que o acesso à educação e à saúde são, em tese, universais?

Sorrisos amarelos. Nova pergunta: o que a Yoani Sanchez escreve era verdade ou apenas golpismo?

Lembro também que o taxista/guia ilegal que nos levou para conhecer Havana, e que dizia ser médico, “brincou” e insistiu para eu conhecer, casar e levar a filha dele para o Brasil. Eu dizer que tinha namorada no Brasil soou como detalhe.

Em muitas dessas ocasiões – não raros em um bar comigo e meu pai bancando a bebida aos cicerones – as respostas vinham em um volume mais baixo e só depois de olhar para os lados, conferindo se alguém não estava de olho. Com medo de um Grande Irmão, presumi. Eram falas rasas e dispersas, ansiosas por um novo assunto.

A melhor resposta, porém, veio quase em tom de sincera brincadeira, caminhando em alguma calle habanera: “Para entender Cuba é preciso fazer um curso de cubano”, sorriu o nativo.

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Os mantras da revolução poderiam servir à política também

De fato. Nesta resposta reconheci-me, enquanto brasileiro, adaptando-a para meu país. Certas coisas, em especiais da política brasileira, seriam impossíveis de explicar a qualquer gringo. Anos depois, em dezembro de 2015, uma alemã que passava por Porto Alegre me perguntou incrédula: “O Eduardo Cunha pode fazer isso mesmo?”, referindo-se à abertura do pedido de impeachment.

Naquela visita, depois de uma breve explicação e uma troca de assunto providencial, pensei na sorte que tive ao não ter que detalhar a relação PMDB-governo-oposição. E seriam muitas coisas a ter que explicar: como os parlamentares do meu país pedem a saída da pessoa que ocupa o cargo máximo da República e, dias depois, saem de férias, voltando a falar do assunto meses depois, somente?

Ou como um ex-presidente diz que não é dono, e não declara, imóveis que usa? Como o governo o chama para ser ministro apenas quando está em vias de ser preso, se ele seria tão útil quanto disseram? Como um juiz divulga áudios de telefones grampeados (ou, falando corretamente, “escutas autorizadas pela justiça”) de momentos em que as falas já não eram para estar sendo captadas? E o que dizer dos vazamentos seletivos desses trechos? Outra: como um juiz despacha uma liminar impedindo o ex-presidente de ser ministro antes de receber o processo?

O momento político do Brasil é extremamente delicado. O país parece estar zonzo com um governo que recebeu extrema unção e uma oposição que não reflete esperança alguma – tal como a linha sucessória da presidência. Tanto que não chega a surpreender o fato de a maioria dos deputados que integram a comissão de impeachment terem algum imbróglio com a Justiça – e não haver maior repercussão disso.

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Em Brasília, nem tudo é o que reflete

“Para entender o Brasil seria preciso um curso de brasileiro”, concluo, lembrando do cubano de 2008 e desejando, nesses turbulentos dias de 2016, apenas calma e contexto. Nunca fizeram mal à opinião de ninguém.

Sobre questionamentos e narizes vermelhos

   Li essa notícia aqui (Promotor pede a prisão de Tiririca) e vieram-me à mente uma série de questionamentos em diversos níveis. Longe de passar a mão na cabeça do Tiririca e chamá-lo de coitado. Mas, a grosso modo, não estaria a sociedade brasileira – a mesma que elegeu uma presidente do “governo da banda larga” – querendo prender uma pessoa porque ela não sabe ler.
   Tiririca errou? Errou, na minha opinião. Quis brincar com coisa que tem que ser séria, que é a política e a governança de um país. Porém, junto a ele, mais de 1,3 milhão de pessoas também erraram. Sem trocadilhos e dando vivas à democracia, mas a eleição dele foi uma palhaçada.
   Desde então, se levantou a primeira questão: que recado será que estão passando esses eleitores que preferem votar no cantor do clássico “Florentina” a um candidato engravatado? É um protesto ou uma palhaçada mesmo? Ou então seria efeito do slogan “pior do que tá não fica”?
   Tiririca é eleito – e elege mais uns quatro, de barbada. Começam as acusações (?) de que ele seria analfabeto. Na defesa, alguns simpatizantes alegam que a imprensa está de perseguição. O que levanta outra questão: esse era para ser o papel dos jornalistas, não? De fiscalizar algo que pode estar errado, para que as entidades responsáveis façam a coisa certa. Enfim, até o presidente da República reclamou.
   Depois de ser submetido a um exame que pode ser considerado ridículo para alguém que, digamos, costuma tirar uma nota 7 na oitava série do Ensino Fundamental, ele prova (?) que é alfabetizado. Estaria livre, portanto, para ser chamado de “excelentíssimo” e render R$ 2,7 milhões anuais ao seu partido, o relevante Partido da República.
   Entretanto, não satisfeito – e dentro de suas funções –, o promotor junta provas e resmunga, dando origem à matéria que me levou a essa elucidação toda em plena madrugada. “Pedi a condenação na pena máxima tendo em vista a repercussão social do crime e a natureza da falsificação, que foi feita para produzir uma fraude eleitoral de rumorosa consequência jurídica e social.”
   Corretíssima, a atitude dele. Afinal não se brinca com coisa séria e ele está dentro de suas funções. Todavia, já vi outra questão aí: não estaria ele, que usou o termo “repercussão”, encantado com as dezenas de microfones à sua frente todos os dias? O poder que a mídia pode proporcionar é absurdo. Capaz até de fazer qualquer um se eleger a um cargo de deputado federal, que tem extrema relevância no país onde vivo.
   Mas algo que me espanta mesmo nessa celeuma toda é a última questão que veio à mente. Ninguém, até agora – pelo menos eu não vi – levantou uma voz de revolta pelo fato de uma pessoa de 45 anos ser (ou ter que provar que não é) analfabeta. Ninguém – pelo menos eu não vi – fez um levantamento de como são as escolas na cidade de nome engraçado Itapipoca, lá no Ceará, onde Tiririca nasceu.
   Confesso que estou impressionado. Tiririca, ou Francisco Everaldo Oliveira Silva, poderia ser mais um deputado qualquer, ser mais um Chico. Mas é um caso fantástico de questionamentos. Sobre ele, sobre egos e sobre uma sociedade inteira.

Jornalismo rouba tempo

   Quem acompanha a Telha talvez tenha notado a drástica redução do número de posts nos últimos tempos. Boa (ou má) notícia: eu também. Não pense, porém, caro(a) leitor, que essa ausência é porque quero. Paradoxalmente, quanto mais escrevo (nos trabalhos), menos escrevo (aqui).
   Pra suprir um pouco, recomendo os links das matérias especiais que estamos fazendo lá no jornal sobre Copa do Mundo, até pra ter assunto nos bares, já que isso vai ser pauta por um bom tempinho. Por meio de listas, elegemos algumas seleções em categorias “pouco comuns”. Clica abaixo e confere:
Campeões no papel;
Eliminações da Argentina;
Pancadarias memoráveis;
Finais mais marcantes;
Pernas de pau;
Melhores defesas.

***

Da mesa de jantar às bancas

   Jornalismo come meu tempo, é verdade. Mas nem de folga eu me livro dele. E, certa feita, durante um jantar em Florianópolis, eu e o pai começamos a debater sobre Rio de Janeiro, Brasília e outras capitais de país que a gente conhece.
   Falando de Havana, Montevidéu e Buenos Aires, nos veio a lembrança da cultura que o seu povo expressa nesssas cidades. No entanto, quando debatíamos Brasília, nos veio à cabeça os monumentos, Niemeyer e não muito mais que isso.
   A conversa, então, virou para o campo da imaginação. “E se o Rio ainda fosse a capital?” O pai, que morou lá pouco após a construção de Brasília, citou um Rio de Janeiro histórico, que eu ainda não conheço, com saraus em livrarias, cultura emanando das pessoas e da cidade em si.
   Conclusão: mandamos a pauta pra Superinteressante e ela publicou na coluna “E se” deste mês. Não tenho o link, mas comprem a revista. O texto pegou alguns aspectos legais, porém não explorou outros, que podem vir a ser debatidos por aqui. Em breve, quando o jornalismo me devolver um pouco de tempo.
   Em contraponto, pra lembrar um pouco de Brasília, sugiro essas duas reportagens da querida colega Tamara Hauck sobre Brasília, feita na ocasião do aniversário de 50 anos. Confere aqui e aqui.

Translucidez

   A parte da frente da residência oficial do Presidente da República Federativa do Brasil, o Palácio da Alvorada, não tem muros. Entre o extenso gramado e o estacionamento, de onde os turistas podem admirar o prédio e tecer comentários sobre a obra de Niemeyer, há somente uma faixa d’água. Não que ela seja grande, mas é capaz de desanimar qualquer um que não seja triplista, de algum eventual plano de invadir a atual casa do Lula.
   Nesse ‘riozinho’ moram muitos peixes coloridos. Eles, presume-se, devem receber boas quantidades de ração para poderem crescer e, assim, luzirem suas escamas. Até aí, tudo bem, natural. O que não é nem um pouco normal, porém, é a atitude de muitos visitantes ali na beira. Contemplando o Alvorada, dão de presente aos peixes, quantidades significativas de… moedas. Cinco, 10, 25, 50 centavos às pencas repousam ali no fundo, ajudando a pintar ainda mais o rio improvisado.
   A poucos quilômetros do Palácio, as moedas dadas aos peixes presidenciais teriam utilidade muito maior. Ajudariam, por exemplo, a encher a caixa de sapato da simpática mendiga que vagueia pelo Eixo Monumental. Na direção do Congresso Nacional – onde diversos servidores, mesmo tendo suas contas bancárias bem gordas, ainda pleiteiam mais regalias a si próprios –, ela vai pedindo, níquel por níquel, um pouco de solidariedade.
   Ao receber R$ 1.00, depositado na sua caixa cor-de-rosa, a brasileira para e faz cara de admiração. Agradecida, faz questão de conversar um tantinho, feliz, como retribuição. Relata sua história triste, contudo sem perder o bom humor. Assaltaram-na, dias atrás. Uns gatunos levaram-lhe a preciosa caixa. Não fora agredida, nem ficou traumatizada, no entanto, perdeu os R$ 40.00 nela. Quantidade que, ela garante convicta, “dava pra comprar o mundo”.
   Pouco depois, ela segue a caminhada. Vai em busca da sobrevivência, na forma de mais algumas moedas, acumulando-as na caixa de sapato cor-de-rosa. Decerto, não com o propósito de comprar o planeta. Certamente, a economia lhe servirá apenas para saciar a simples vontade de ter o que comer.
   Pobres ricos, esses peixes do Alvorada… condenados a nadar no dinheiro, mas proibidos de comprar o mundo.