Aquele temporal

Não que não tivesse tido um aviso. Mas a velocidade da chegada foi surpreendente rápida. Se pouco antes o horizonte indicou que o nuvens pesadas estavam chegando, o mar revolto não demorou a confirmar que a tempestade que viera era pra valer. E, quando vimos, ainda estávamos no meio do mar, no meio do temporal.

O tempo para tomar qualquer decisão foi bastante escasso. Choveria – e forte – isso era certo. Mas em qual proporção e em quanto tempo chegaria? Essas foram nossas principais dúvidas, sanadas brevemente por um forte vento e ondas cada vez mais altas, em especial para uma praia que fica entre a baía e o mar aberto.

Diante de tantos olhos assustados, menos mal que um barco maior e mais seguro conseguiu encostar e levar os turistas embora. Deixou-nos a sós, já protegidos do sacolejo mais forte graças à uma ilha próxima, parados até a situação passar, o que poderia levar pouco ou muito tempo. A certeza apenas era de que: passaria. Todos ficariam bem desde que permanecêssemos ali, isolados.

Naquele tempo de espera – lembro bem – reparei nos sons da natureza na ilha e no mar acalmando, pouco a pouco. O movimento de idas e vindas de barcos, a gritaria na orla e toda a poluição sonora da praia badalada haviam cessado pelo resto da tarde, revelando uma faceta desconhecida, e genuinamente natural, daquele canto entre terra e mar.

E ainda que não parecesse questão de minutos antes, a seu tempo, tudo foi voltando ao normal, a partir de um momento que nunca esteve a nosso controle. Passado o susto, retomamos as nossas rotinas. E nossas vidas.

ps: a imagem, meramente ilustrativa, é de um lambe visto com alguma frequência em Porto Alegre, do Caio Mascarello: “Navegue na direção dos seus medos”.

Hay de tener fe

igreja

Santuário de Nossa Senhora da Conceição, em Florianópolis

“No creo en las brujas, pero que las hay, las hay”, provoca o famoso ditado em espanhol. Pero no solo brujas, sino también santas y dioses. Hay mucho más cosas entre el cielo y la tierra, podemos complementar, ainda no seu idioma original, assim como concluir que na hora do aperto não existe ateu.

Pois bem.

Anos atrás apresentei aqui a Nossa Senhora de Cidade Baixa, que na verdade era Nossa Senhora da Conceição disfarçada. Uma santa que me acompanhou no peito por alguns anos e hoje está guardada como uma querida relíquia em algum lugar da minha casa, ao lado do Santo Antônio que a substituiu no posto de pingente.

A verdade é que nutro grande respeito por ela, mas que a vida me afastou do catolicismo, aproximando-me do espiritismo. Tenho, contudo, muito carinho, em especial aos santos supracitados. Se existem e fazem milagres? No lo sé, pero que los hay, los hay.

E foi nessas obras do acaso que, após um congestionamento enorme na Lagoa da Conceição e a sequência de três motoristas mal-educados que não permitiram que eu trocasse de faixa, que mudei meu rumo, no meu último dia com 30 anos de idade. Conhecer o Projeto Tamar ficou para outra hora, que fôssemos a qualquer lugar longe daquele trânsito antônimo ao clima de verão.

Segui a esmo, então, a um dos poucos lugares não visitados em Florianópolis: o santuário da Imaculada Conceição, morro acima, na Costa da Lagoa. Igrejinha bonita, estilo barroca (?) e semelhante às mineiras que vi em Ouro Preto.

Após apreciada, chegara a hora de partir. Só que partir dali o carro não quis. Tentei uma, duas, 15 vezes e o veículo nem ligou. O cenário dramático contava com calor intenso, pouca água e sinal fraco de celular. Eis o que o homem de 30 anos age como filho mais uma vez e liga pelo socorro do pai.

Chega o velho: tenta-se uma ou duas soluções e não tem jeito. O negócio seria tentar pegar no tranco mesmo. Empurra-se o carro lomba acima e, antes da decida, de fora do carro reparo no outro lado da praça defronte à igreja e lá estava ela: Nossa Senhora da Conceição, abrigada por uma pequena gruta e cercada de velas devotas. Desci até mais perto para ver a imagem, sorri um sorriso imerecido de quem pede o tecnicamente impossível. E de lá escuto um motor: o carro pegou!

Depois ainda lembrei que não voltei a virar o rosto para agradecer, tamanha a surpresa com a inesperada partida do veículo. Ainda que ele tenha apagado em seguida, voltou a pegar no tranco e, sãos e salvos, todos chegamos onde tínhamos que chegar, quilômetros dali – para de lá trocar a bateria, claro.

À noite, rezei e agradeci à velha protetora da família, que já foi tanto à Cidade Baixa de Porto Alegre quanto ao alto de um morro com seu nome em Florianópolis apenas para dizer: pode contar comigo.

O lixo na urna

O que se ganha com o lixo ao invés da urna?

O que se ganha com o lixo ao invés da urna?

Caminhava rumo a um digno cachorro-quente podrão em Florianópolis quando me deparei com esta pichação. Era ainda em janeiro deste ano. Nem eu, nem os comunistas, os reaças e muito menos os políticos imaginavam o que iria acontecer dali a alguns meses.

Creio, porém, que acaba por simbolizar muito o atual momento dos protestos Brasil afora. Para mim, ela pareceu dúbia: Quem joga lixo na urna? ou Seria a urna um lixo?

Além disso, reflitamos: quem é o culpado por isso?

As respostas talvez expliquem muito da revolta dos brasileiros. Acho que não é coincidência o fato de um dia depois da “tomada do congresso” deputados preocupados com a nação prosseguirem os trâmites de um projeto tão importante para a nação como a “cura gay”.

O povo a rua, ao menos, invalidou o último verso desta estrofe de “Eu Protesto”, escrita anos atrás:

Foi você quem colocou eles lá
mas eles não estão fazendo nada por vocês
Enquanto o povo vai vivendo de migalhas
Eles inventam outro imposto pra vocês
Aquela creche que deixaram de ajudar está por um fio
E a ganância está matando a geração 2000
E a sua tolerância está maior do que nunca agora

Não é tão difícil assim

Muçulmanas com seus corpos devidamente escondidos cruzam com morenas atléticas suadas e seminuas; Negros correm ao lado de brancos em meio a conversas sobre como foi a virada de ano no calenário gregoriano; Héteros e homossexuais chamam a atenção da mesma criança que anda com sua bicicleta, acompanhada pelos pais.

Vips, pseudovips e o cordão dos puxa-sacos olham a paisagem de dentro de carros importados e menos abastados contam as moedas para o ônibus atrasado no congestionamento de verão – isso enquanto hippies, a pé, passam ao lado. Ciclistas mais apressados forçam a pedalada em busca da saúde ou da não-poluição.

Argentinos vindos de Buenos Aires “sacam” fotos da paisagem, enquanto uruguaios de Montevidéu se esforçam para entender o português acelerado falado na Ilha de Santa Catarina. Europeus sisudos descobrem que o Brasil vai um pouco além do Nordeste e do Rio de Janeiro.

Carros com placas estrangeiras lotam Ao mesmo tempo, o pescador vai ao mar querendo em voltar com algumas dezenas de peixes. Como faz diariamente. Há anos.

Todos mais ou menos no mesmo lugar. Isso tudo sem discriminação, tudo isso sem preconceito. A vida bem que poderia se resumir a um passeio na orla de Florianópolis às vezes.

Tédio. Ou “Só o Gonzo salva”

     Chove em Florianópolis. E com ela – literalmente – meus planos para a tarde foram por água abaixo. Todos ficam ocupados, menos eu. E se não há sol (ou pelo menos um tempo nublado), não há trilhas, praias, bundas ou afins. O tédio, então, impera. 
     Nesse momento comprovo, mais uma vez, a teoria de que o mais importante é a companhia e não o lugar. Afinal, não tenho ninguém para jogar um carteado. Aliás, sequer possuo um baralho. Menos mal que posso escrever para um blog…
     O que fazer é a grande questão. Até sentar na frente do computador para escrever este entediante texto, pensei em várias coisas. Entre elas, cinema ou corrida. Porém, nenhum deles se mostrou atrativo, por falta de qualidade ou por falta de vontade. 
     Dormir? Não!!! Já fiquei sobre a cama por tempo mais que suficiente pela manhã. A dupla Orkut & MSN também cansa. Estou de férias, é verão, portanto, computador na tarde não (desculpe a rima inglória, caro(a) leitor, foi sem querer). 
     Analisadas todas possibilidades, só algo poderia me salvar – e divertir – por algumas horas. A companhia escolhida foi o gonzo-jornalista Hunter S. Thompson. Justo na minha formatura, ganhei “RUM: diário de um jornalista bêbado”. Até não queria ler tão rápido de tão bom que é o livro, mas a chuva me obrigou a mudar de idéia. 
     Moral da história: há males (ou chuvas) que vêm pra bem.

Hoje aqui, amanhã não se sabe

     Fui no aeroporto na tarde dessa terça, 1º de julho, pra fazer minha carteira internacional de vacinação –  necessária para entrar em alguns países. Confesso que não estava nervoso, mas uma visão me paralisou.
     Eis que o avião da Gol acelerou na pista e começou a subir. ‘Puta-que-pariu… semana que vem sou eu lá dentro’, pensei. Sim, só falta uma semana. Terça, às 19h25min estarei em uma aeronave da mesma Gol indo para Florianópolis.
     Daquela ilha maravilhosa, saio 10 horas após meu desembarque. O destino: La Habana. Passando antes, em conexões, no Rio de Janeiro e na Cidade do Panamá.
     Devido ao fim do semestre – o penúltimo da faculdade -, estava sem tempo pra pensar na minha viagem. Só arquivando coisas no del.icio.us. Mas agora o semestre tá no fim. E os trabalhos também e minha cabeça cada vez mais parece estar indo para Cuba antes de mim.
     Enfim (suspiro), falta pouco… Ah, de repente, aconteça algum evento social de ‘até logo’. Em tempos de muitas blitze de tolerância zero, vamos arranjar motivo para sermos presos em algum boteco. Quem quiser ir, que entre em contato.

A festa

     Bah, nem contei pra ti, caro(a) leitor. Dia desses, fui numa festa simplesmente SEN-SA-CI-O-NAL!!! Era na casa de uma moça linda, linda, linda. (e com um decotão…), filha de um deputado federal, cujo nome não revelarei. Só o vi uma vez e sequer conversamos.
     Assim ó, a casa era numa ilha na bela Santa Catarina e, imaginem, na beira da praia. A vista de lá é linda no fim da tarde. O lugar fica bem em frente à Ilha do Arvoredo. Eu sempre quis conhecê-la. Não fui até lá, mas pelo menos comprovei que é de encantar. Isso sem falar nos coqueiros e na decoração do lugar.
     Tinha bastante gente bonita e tudo era muito bom, certamente a melhor festa que já fui. Para tu teres uma idéia, num determinado momento, mergulhei na piscina e logo que saí, foi-me servida um suculento e generoso pedaço de picanha. Nem cheguei a prová-la, porém tenho certeza que estava maravilhosa.
     Só que aí, aconteceu um probleminha, caro(a) leitor. Não com a festa, nem com as pessoas e sim comigo. No meio do bem bom, o meu despertador inventou de tocar e aí fui obrigado a sair daquele paraíso e me arrumar para ir trabalhar…
     Com um gosto de ‘quero mais’, levantei um tanto contrariado. Não queria mesmo que aquela experiência acabasse. Um dia eu ainda quero ser rico!

Razão ou coração?

     Era uma disputa de pênaltis entre os sexos de uma das turmas da 8ª série do Colégio Barddal, em Florianópolis. Como chovia naquele dia, meninos e meninas tiveram que dividir o mesmo espaço. No gol, um colega novo despontava como bom candidato a vaga no time. Em poucas aulas de educação física, havia se destacado e, em tempo recorde, chegou a ‘seleção da turma’. Naquela chuvosa manhã, defendia todas sem dó nem piedade.
     Até que a Thainá ajeitou a bola na marca penal. Encararam-se – como faziam em todas as aulas –, afinal de contas, gostavam-se. A turma toda já sabia disso, embora nenhum dos dois admitisse e refutasse, bem como fazem adolescentes de 13, 14 anos. Logo começaram os risos maliciosos e as piadinhas por parte dos colegas. Dúvida no ar. Será que ele deixaria entrar? Será que ele deveria deixar? Ela não era qualquer uma. Ela era ‘ela’.
     Thainá partiu, desferiu o chute. Fraco, mas em direção ao gol, como quase todas as outras gurias. Ele, que torcia para a bola ir para fora, viu-se em uma sinuca de bico: ou deixava a bola entrar e continuaria a ouvir piadinhas, além de ter sua invencibilidade quebrada quase no final do período, ou defendia, agindo exemplarmente, como fizera em todas oportunidades anteriores.
     Enquanto a bola vinha, pensava. Estendeu a mão para defendê-la, mas logo em seguida recolheu um pouco o braço, de uma maneira que permitiria o gol, depois esticou… e assim sucessivamente até o instante final. O instante em que a bola parou em suas mãos. Olharam-se de novo. Ele um riu, tímido pelo ato – em tese correto – e ela, mesmo sem aparentar tristeza, baixou a cabeça.
     Lembrei-me dessa história dia desses, quando conversava assuntos desse nível com uma colega minha. Dissertávamos sobre destinos e escolhas num canto de bar. Nessa situação, a dúvida é sempre a mesma. “É que Deus fez a cabeça, em cima do coração, para que o sentimento não ultrapasse a razão” – me responde um samba. Pode ser, mas estaria sempre certo isso?
     O goleiro pegou todos os outros pênaltis, terminando invicto naquela aula. No entanto, não saiu satisfeito. Sem dúvida, agira de maneira exemplar, da maneira esperada – principalmente de um goleiro. Todavia, fico eu na dúvida, se cometesse uma transgressãozinha só, talvez não o condenassem, talvez sequer ficasse com peso na consciência. Mas, é aí é que está o litígio: ‘Talvez’! Nunca se sabe o que pode acontecer quando não se pensa bem nos atos.
     Não que eu pretenda responder essa questão irrespondível, só quis compartilhar contigo, caro (a) leitor, esse debate que tive. Acho que ninguém tem uma resposta convincente para isso, porque ‘Depende’ não vale! Até a própria música que citei agora há pouco se confunde no refrão: “Saudade, saudade, hoje eu posso dizer o que é dor de verdade.”
     Apesar de meu signo – dizem – ser do elemento terra e com isso – dizem – tenho tendência de usar a razão, vez que outra, acho que um ato pela emoção cai bem. A razão é fundamental – ó o capricorniano se manifestando –, mas o coração pode proporcionar momentos inesquecíveis.
     Isso se percebe com o passar do tempo. Eu aprendi depois de ter pegado aquele pênalti e, logo depois, sair do Barddal e nunca mais ter visto a Thainá.

Pedaço de Paraíso – parte III

     Terça-feira de carnaval, 14 horas. Certamente nesse momento, o Rodrigão abria a cerveja dele em Laguna, o Pippo acordava com ressaca no Farol de Santa Marta e a Gabi e a Daphne ajeitavam os seus biquínis na Ferrugem, eu, ainda que estando no mesmo bendito solo catarinense, fiz um programa totalmente diferente dos amigos supracitados. Quem acompanha a Telha, já deve saber o que é: trilha.
     Sim, isso mesmo. A escolhida da vez foi a que leva para a Praia dos Naufragados, no extremo sul de Florianópolis. Para chegar lá, ou de barco ou pela trilha. Confesso que essa era uma que eu sempre quis fazer, por alguma razão. Nunca dava ou sempre enrolava… Pois bem, como não tinha nenhuma cerveja para sorver, ressaca para curar ou biquíni para admirar às 14 horas desta terça, rumei ao sul. E bota sul nisso.
     Para se chegar ao começo da trilha, é preciso ir até o final da Rodovia Baldiceno Filomeno, a ‘estrada-geral’ do Ribeirão da Ilha. Vá sem pressa, nem fique ansioso por chegar, porque a via é longa. Por vezes asfaltada, por vezes esburacada, e nesse ritmo vai se revezando e parecendo não ter fim até, quando vê, termina. Como este é um caminho procurado por ecoturistas e, consequentemente, bem visitado, há terrenos para se estacionar o carro. Pago, claro.
     Deixei o fusca lá e parti para encarar os mais de 2600 metros rumo a tão escondida praia. Subidas íngremes e com muitas pedras no início – o que a tornaria desanimadora para iniciantes. A vista é bacana já no começo da caminhada. A medida que se vai andando, o Ribeirão da Ilha, às costas de quem vai, revela um horizonte inesquecível. Em um lado, o mar, ao longe, no outro, o morro e, se você tiver sorte, quiçá veja um bovino pastando, totalmente alheio aos turistas que passam no seu lado.
     Ainda no começo, ganho uma companheira, que ficaria comigo até a praia: uma borboleta azul. Podia até nem ser a mesma que voava nas minhas voltas durante o percurso, mas era bem parecida. Exibida, não se deixou fotografar, embora passasse bem perto de mim em alguns momentos.
     A trilha pode ser facilmente percorrida a pé. Exige um certo preparo físico, é verdade, contudo nada de espetacular. Uma garrafinha de água cai bem em alguns momentos. E, o melhor de tudo, é a possibilidade de reabastecer esse líquido num dos seis córregos que cortam o caminho. Garanto, a água do maior deles, é boa. Há, no morro, uma cachoeira, origem dos riachos, porém não visitei nessa vez. Fica para a próxima.
     Outra coisa bacana dessa trilha é o seu som. Certa hora, parei para ouvir algo tão raro para uma pessoa que mora numa grande cidade como eu: o silêncio. O mais puro, mudo e surdo silêncio. Cortado apenas por cantos de pássaros e passos de animais a cada segundo. Indescritível. E, depois do silêncio, logo depois de uma curva, eis que o mar impõe sua presença. As ondas se fazem ser ouvidas quando restam alguns metros de caminhada e a presença humana já é notada ao redor.
     Achei a Praia dos Naufragados bem parecida com o Pântano do Sul, com a diferença que na primeira, por ser um dos extremos da Ilha, tem farol. Fui lá, mais trilha e só encontrei um lagarto de plantão. Fora isso, pedras nas pontas, areia clara, mar azul… e botecos na beira da orla. Quando cheguei, às 15h40min já tinha um pinguço sentado olhando pro chão da mesa, que estava sob umas sete latas vazias de skol. Esses estabelecimentos – que vendem até pão caseiro –, a possibilidade de poder voltar de barco e a natureza local fazem dos Naufragados um lugar excelente para passar um dia inteiro. Ou quiçá até mais – há uma que outra barraca por lá. Sem dúvida, é um ótimo passeio.

Tá, se tu já és leitor do blog, já deve estar se perguntando onde se clica para ver as fotos. Bem, caro (a) leitor, ficarei te devendo. Como contei, meu pai foi para o Ushuaia recentemente, levou a câmera e não tinha recarregado as pilhas até esta terça de carnaval e ainda quando estava aquecendo, se foi a bateria. Clicando aqui, tu consegues ter uma vaga noção do lugar que visitei. Vaga, frise-se. Prometo que, em breve, voltarei lá e trarei imagens inesquecíveis. 

Epopéia Jorge Beniana

     Eu, como a maioria, gosto de Jorge Ben Jor. E, assim como a maioria também, não tenho lá muitas oportunidades de vê-lo ao vivo, porque raramente ele toca em Porto Alegre, além disso, muitos dos seus shows são em eventos vips – coisa que, definitivamente, não sou. Por isso, resolvi dar uma de fã e encarar uma indiada daquelas para assisti-lo no Planeta Atlântida de Florianópolis. Embora já (faz algum tempo) não tenha idade para isso. 

O Planeta Atlântida. Ou “Por causa de você…”
     Pra quem não sabe, o Planeta Atlântida era um grande festival de rock aqui do sul, realizado pela rádio Atlântida (criativo, não?). Digo era, pois a Atlântida há muito deixou de ser uma rádio rock – hoje toca até funk na sua programação – então o Planeta virou mais um festival musical, cada vez mais aos moldes do que tem na Bahia.
     Já gostei muito de ir ao Planeta. Ansiava quase um ano para que chegasse o grande momento. Era o máximo. Sujeirada, mulherada, pegação e, de quebra, alguns shows nacionais. Uhuu! Mas isso aconteceu no auge da minha adolescência. Pouco antes e logo depois do Brasil ser pentacampeão mundial de futebol.
     Hoje não mais. Por acaso, até fui no ano passado. Ou melhor, o meu corpo esteve presente. Em meu álcool havia muito sangue. Quer dizer, o contrário. Ah, vocês entenderam… O problema é que Jorge Ben Jor ia tocar nesta edição. O cara que embala todas minhas noites aventuradas e desaventuradas na cidade baixa. Tinha que ir. Era uma obrigação.

O dia. Ou “Chove chuva…”
     A chuva que caía em Porto Alegre na manhã de 11 de janeiro era desanimadora para a realização qualquer ato fora do leito. Coincidência ou não, nem ouvi meu despertador tocar e quase me atraso pro trabalho. Tive que ser macho o suficiente para encarar aquele tempo fulo e ir a labuta. Lá, dei um jeito e fiz o que tinha para fazer em 8 horas em 5. Mazá! Às 15h20min, rumei ao aeroporto, para dali a 40 minutos embarcar rumo a Ilha de Santa Catarina.
     Chegando ao Salgado Filho, uma surpresa. Onde está a maldita fila para o meu vôo? Última vez que viajei de avião – registre-se: pela Gol – mofei na fila até 15 minutos antes de embarcar. Dessa vez, não. Preocupação. Dirijo-me ao check-in da Tam e tenho uma péssima notícia: meu vôo sairia na hora. Por quatro minutos o perdi. Puta-que-o-pariu, cadê o caos aéreo??? Tive que esperar mais duas horas no aeroporto por causa dessa pontualidade. Menos mau que portava o “Noites Tropicais”, do Nelson Motta, e isso colaborou para o tempo passar mais rápido.

O vôo. Ou “A girar… Que maravilha”
     Viajar de avião é algo único. Principalmente pra Floripa, cuja duração do vôo é 40 minutos, a medida certa para não encher o saco das alturas. O legal mesmo ficar na janelinha. Lá cima, tudo é diferentemente menor.
     As nuvens então. Capítulo a parte numa viagem de avião. Elas têm fases à medida que se vai subindo. A primeira dela é a encardida. Logo depois da decolagem, todas parecem estar meio sujas – ou pelo menos pareciam, já que o tempo não tinha firmado ainda. No entanto, é só subir mais um pouquinho que todas embranquecem de vez. Alvas como propaganda de Omo Progress. A fase seguinte é o Éden. O Sol refletindo nas nuvens e brilhando, parecido com quadros paisagísticos-religiosos que minha avó tinha em casa, desses que dão esperança de que os problemas têm jeito e todos podemos ser felizes. Sensacional, essa visão. Até se tornar monótona e perder a graça. Aí é hora de olhar para outra coisa. 
     O avião que estava dispunha de 11 canais de ‘rádio’. Interesso-me pelo canal três, cuja programação, segundo a revista, anunciara Maria Rita em ‘Samba Meu’. Tri! Queria mesmo conhecer esse disco. Conecto o fone e mesmo com seus dois plugs, havia um mau contato leve, porém irritantemente percebível, daqueles que a única solução é ficar apertando de uma maneira mágica. Azar! Funcionava, ao menos.
    O locutor começa: “alô amigos passageiros da Tam, hoje faremos um especial de uma dupla muito especial” – Putz! Duplas especiais… – “Sandy e Júnior!!!”. Merda. Ao invés da filha de Elis Regina, os filhos do Chitãozinho (ou seriam do Xororó?) no canal 3. Recorri a outro canal de música imediatamente.
     Não sei se foi o lanche servido pelas lindas aeromoças ou os milhares de pés de altura que provocaram um mal-estar súbito na passageira alocada na minha frente. Mas quando ouvi aquele barulho – um som intraduzível para onomatopéia – e senti um cheiro nojento de vômito, percebi que os últimos minutos de vôo seriam longos. Éca!
     De repente, o alvo fica escuro. Começamos a descer. Turbulência, cheiro de vômito, poltrona na posição vertical, que esse avião chego logo, pelamordedeus!!!
     Quando já era possível avistar a ponte Hercílio Luz e nitidamente acontecia a aproximação do solo – no caso, mar –, o avião sobe. E certamente não seria porque a música do Seu Jorge estava boa no meu fone de mau contato. Medo! Não foi bem uma arremetida, mesmo assim: medo! A aeronave sobrevoa Florianópolis. Aos poucos, o temor foi sendo substituído pela tietagem na janelinha. Paisagem linda e, nesse momento, me dou conta que minha câmera está a 500km de mim. Lá de cima, vejo minha casa, o Campeche, o Morro das Pedras, as pontes, tudo isso. E minha câmera a 500km de mim… Que merda mesmo.
     O comandante, enfim, nos explica o motivo da manobra: tinha um outro avião na pista na hora do pouso. Se ele descesse, talvez acontecesse um acidente. Ah, então é aqui que está o caos aéreo!!! Eu sou um azarado mesmo.

A noite. Ou  “Prudência e dinheiro no bolso não faz mal a ninguém”
     Toquei o solo florianopolitano às 19h23min, quase duas horas depois do planejado. Chovia. E Planeta com chuva é motivador. Para ficar em casa. Como disse, já não tenho mais idade para isso. Tudo bem, não era agora que ia desistir, o Jorge ia tocar logo mais.
     Na ilha, precisava resolver alguns tramites pessoais e burocráticos. Um deles, era a questão da locomoção. Para quem não conhece, Florianópolis é uma cidade onde tudo fica longe de tudo. Inclusive o local do show da minha casa. Não tinha tempo para caminhar 30km, portanto precisava de um carro. O da minha irmã, que é um pessoa humanamente subornável, surgiu como uma boa opção. Lataria pouco amassada, pneu meia-boca, mas andava, oras. Depois de uma rápida negociação, fui-me.
     Assim que comecei a dirigir o automóvel, Chorão, do Charlie Brown Jr, dava boa noite pra ‘galera’. A banda fez o último show antes do Jorge, ou seja, tinha pouco tempo, já que estava no continente, teria que ir até o norte da ilha pra buscar o meu amigo – e também fã do Jorge – Rodrigo, voltar um pouco para o sul, estacionar, trovar cambista, comprar ingresso e entrar. Um dia farei as coisas com um pouco mais de planejamento, prometo.
     O percurso ia tranqüilo rumo a canasvieiras. A estrada meio cheia, claro, porém, estava andando e isso me aliviava. O Charlie Brown fazendo um show muito parecido, com as mesmas falas entre as músicas, as mesmas marras e mensagens da época que eu era fã deles – no tempo que eu gostava do Planeta. Pouco antes da entrada de Jurerê, o engarrafamento previsto. Tudo bem, já esperava. O problema é que tinha ambulantes vendendo água na beira da estrada e caminhando por ela – o que já é bem ruim –, sinal de trânsito lento. Só que, pior ainda, é que eles estavam andando vaga e distraidamente e, ainda assim, mais rápido que o meu carro. Tensão, tensão.
     Numa velocidade pouco maior que a inércia, rodei 10km. No momento que Chorão acabou o show, passei na frente do Planeta. Podia ter marcado com o Rodrigo ali mesmo, canasvieiras não era longe. Mas não. Por que eu faço tudo em cima da hora sempre??? Segui mais alguns minutos até encontrar meu amigo. Quando ele entrou no carro, percebi que daria tempo pra chegar lá e ver a tão esperada apresentação.
     Acelero rumo ao Planeta. Vai dar, vai dar. O Jorge já está para entrar no palco. Acho um buraco – pago, obviamente – para deixar o carro. A banda começa a se posicionar. Desço do carro, a mulher me pede ‘vintão’ pelo estacionamento. Jorge começa a tocar sua guitarra. Descubro que os cambistas querem R$ 100 pelo ingresso, porque ‘tem Ivete depois’. O público vibra. Eu desanimo. Todo mundo canta. Eu vou embora. Frustração…

Sin perder la ternura jamás. Ou “Pelas moças bonitas, eu vou torcer”
     O que fazer? O relógio marcava 23h, cedo ainda. Se não vamos até Jorge, ele que venha até nós. Pelas ondas do rádio, sem graça, mas, um tipo de consolo. Acabamos indo para um boteco em Jurerê Internacional tomar uns chopes. A todo momento, o Rodrigo suspirava: “Logo hoje, que até me vesti de planetário?!”. Sim, ele estava mal-vestido, coitado.
     Depois de dois chopes e conversas acerca de diversos assuntos, saímos de lá. Dirigimo-nos para o lugar mais portenho de Santa Catarina: canasvieiras. Não me pergunte o que fazia ali, também não sei. Sorvi uma cerveja quente de marca desconhecida em uma birosca de oitava categoria e tendo o espanhol como língua principal. Situação periclitante.
     Eis que chegam três gringas, faceiras e a fim de papo. Descobri que conversar com argentina bêbada é uma coisa difícil. Tanto em espanhol como inglês – português é impossível para elas. Insisti dez minutos. Queria um consolo para minha frustrada tentativa de ver o show, entretanto uma hora é preciso aceitar a derrota. Essa hora chegou quando a argentina feia e de verruga no nariz aproximou-se perigosa e maldosamente de mim. Aí sim, percebi que a noite tinha chegado ao fim. No outro dia teria que voltar a Porto Alegre. De fusca, ainda. Porém, a história deste possante fica para o próximo post.
     Enfim, maldita seja a Ivete!