O texto “com emoção” para a próxima (e histórica) Revista da Sogipa
Por Tiago Medina e Fabrício Falkowski
Beijing, 2008. Pela primeira vez na história, não apenas a Sogipa, mas o Rio Grande do Sul tinha a chance de conquistar a sua primeira medalha olímpica em esportes individuais. Em eventos de despedida, treinamentos ou mesmo caminhando pelo clube, João Derly, Tiago Camilo, Mayra Aguiar e Gustavo Trainini recebiam o carinho e o “boa sorte” de todos – desde o prefeito e a governadora até os pequenos do Projeto Criança.
Até o embarque para o outro lado do mundo, diferentes emoções tomavam conta dos representantes sogipanos no maior evento mundial. “Sempre pensava sozinho, na cama, quando ia dormir. Imaginava cada luta que teria pela frente”, revela Derly. Tiago Camilo, o único que já esteve em uma edição dos Jogos (e que tem um prata em Sydney no currículo), sonhava: “Cheguei a sonhar que na hora da pesagem estava acima do peso e, assim, seria eliminado. Apesar de estar bem, tomei cuidado com isso”.
Mayra Aguiar tratou de fincar os pés no chão: “Sou nova ainda. Ainda competirei mais vezes nos Jogos Olímpicos, mas é bom para ganhar experiência”. Gustavo Trainini resumiu o sentimento de todos, com uma única frase: “Vou realizar meu sonho”, disse ele, que há quatro anos olhou, pela TV, as competições de Tiro com Arco em Atenas e prometeu a si mesmo: iria a Beijing.
O baile e a coincidência
Recebido o calendário dos Jogos, uma surpresa. Por coincidência, João Derly – que defende as cores da Sogipa desde 1988 – subiria no tatame em 10 de agosto, no 141º aniversário do clube. Na mesma hora dos combates, uma das instituições mais tradicionais do Rio Grande do Sul estaria reunida para comemorar mais um ano de vida. Logo, pensou-se, “por que não reunir esporte e sociedade numa mesma festa?”.
Então, pela primeira vez, o Baile de Aniversário da Sogipa contou com um telão para acompanhar os Jogos. Não seria uma distância de 17 mil quilômetros que impediria os sogipanos de torcer, vibrar e emanar vibrações positivas a um dos seus filhos mais vitoriosos, que tantas vezes já representou o preto, o vermelho e o branco do clube.
Na primeira luta de João, muitos sentimentos confundiam-se, tanto em Beijing, quanto em Porto Alegre. “Estréia é sempre mais difícil”, sabiam todos. O adversário, Joo-Jin Kim, da Coréia do Sul, impunha respeito mesmo a um bicampeão do mundo. Em seis disputas em 2008, tinha 100% de aproveitamento, inclusive tendo conquistado a Super Copa do Mundo de Paris, terceiro título mais importante do judô.
A luta fez o Baile de Aniversário parar em Porto Alegre. Para quem não entende nada de judô, estava um agarra-agarra danado. Já quem conhece, percebeu: a disputa estava equilibrada. Cinco minutos depois, João saiu aliviado do dojô. Venceu por koka. No Salão de Festas e Eventos, a comemoração foi parelha a de um gol da Seleção em Copa do Mundo. Não poderia deixar de ser assim, afinal, João era a Seleção e a Olimpíada, a Copa – ou algo bem maior – um sonho.
E tal qual o maior evento de futebol do planeta, os Jogos Olímpicos também têm suas zebras. A da categoria de João, por exemplo, atendeu pelo nome de Pedro Dias. Seu currículo não chega a fazer sombra ao do sogipano. E nem sempre os favoritos ganham. Em um combate truncado e de poucas chances, o lusitano levou a melhor.
Protestos como “o árbitro errou!”, “o waza-ari foi para o João!” foram bastante escutados, tanto na TV, como na rádio e no Baile. Pode até ser. Porém, infelizmente, o sonho do ouro de João ficava pelo caminho. Ficava para 2012, em Londres.
O dia histórico
O dia 12 de agosto nasceu feio em Porto Alegre. Fazia frio, chovia bastante, bem à moda do inverno gaúcho. Entretanto, quem disse que datas históricas e felizes precisam de sol, céu azul e calor? A manhã de 12 de agosto de 2008 tinha tudo para ser mais uma data em que a cama e as cobertas pareciam perfeitas, mas tornou-se uma das mais importantes da Sogipa, pois foi quando – pela primeira vez na história – um atleta do clube conquistou uma medalha olímpica em 141 anos.
A inesperada derrota de João Derly pegou a todos de surpresa. Se o bicampeão mundial perdeu, qualquer um poderia ir ao chão. Além disso, ficou o aviso: os adversários estudaram muito bem os brasileiros. Tiago Camilo foi para o tatame consciente disso.
Logo de cara, ele tinha pela frente um atleta oriundo do país-berço do judô. Mas a estréia de Tiago foi mais tranqüila que a de seu colega de clube e o japonês Takashi Ono não teve chances. Nem ele, nem o segundo oponente, Hamed Malek Mohammadi, do Irã, derrotado por ippon.
Tiago parecia que ia manter o embalo que o elegeu melhor judoca de 2007. A Sogipa, o Rio Grande e o Brasil inteiro torciam para que continuasse assim. Contudo, os adversários fizeram o tema de casa e, depois de tanto estudar, um achou a fórmula que parecia não existir: como vencer Tiago Camilo.
Ainda nem havia transcorrido os cinco minutos do round contra o alemão Ole Bischof e o improvável aconteceu: o placar indicava dois waza-ari – que equivale a um ippon e encerra a luta. Ole sorri e, Tiago, se mostra incrédulo. Estava perdida a batalha, mas não a guerra.
A medalha
Reunir forças para recomeçar do zero e lutar por um bronze era o próximo obstáculo. Mas os verdadeiros campeões têm que saber perder. Tiago soube. Aceitou e levantou a cabeça, bem como prega a Carta Olímpica.
Na repescagem, nada de moleza. Adversários respeitáveis estavam no caminho do sogipano. Na última disputa, a luta que valia o bronze, um confronto que tranqüilamente poderia ter sido a final olímpica: Tiago Camilo X Guillaume Elmont, da Holanda. O campeão mundial de 2007 contra o de 2005. No acirrado combate, o holandês sai na frente.
Com o placar adverso, o tempo correndo contra e uma luxação na mão, o judoca da Sogipa precisaria dar o melhor de si para conquistar uma medalha. E assim foi feito. Primeiro com um belo waza-ari e depois com uma imobilização, o brasileiro partiu para a técnica de estrangulamento. Elmont não agüentou e deu três tapinhas pedindo o fim da luta. Vitória de Tiago. Vitória da garra. Superação, teu nome é Tiago Camilo!
E chegou o dia dela…
De Mayra Aguiar, que competiu no dia seguinte ao de Tiago, poderia se esperar tudo. Por quê? Ela é talentosa, sem dúvida, no entanto, tem só 17 anos – a caçula brasileira no judô e uma das mais novas em toda delegação nacional.
Apesar da pouca idade, coragem não lhe falta. Já provou que não é mais uma surpresa. Mayra é uma realidade. É até mais habilidosa do que muitas de suas adversárias, mas elas têm o que Mayra está recém conquistando: experiência. E foi por esse detalhe que a sogipana foi derrotada em seu debut olímpico. A espanhola Leire Iglesias – que estreou nos Jogos quando Mayra tinha 9 anos – teve que suar o quimono para passar de fase. Aplicou dois yukos. A brasileira poderia considerar-se derrotada, porém foi para cima e por pouco não empatou. Ficou a impressão: o pódio olímpico aguarda Mayra Aguiar.
O homem e as flechas
Luiz Gustavo Trainini foi para a China como franco atirador, literalmente. Estar em Beijing já era uma vitória. O Brasil não enviava representante a Jogos Olímpicos na modalidade do Tiro com Arco há longos 16 anos. Na base do treino e do sacrifício, Trainini chegou lá. Treino, em casa. Sacrifício, do próprio bolso. Tudo em nome de um sonho. Agora, realizado.
Na prova de ranquemento, Trainini classificou-se. Com o resultado, teria pela frente o sul-coreano Park Kyung-Mo. As chances de um brasileiro vencer um sul-coreano no Tiro com Arco são menores que as de um sul-coreano vencer um brasileiro em uma partida de futebol.
Para (ainda mais) azar do sogipano, Park Kyung-Mo – que, em seguida, foi medalha de prata na competição – estava num dia inspirado. Fez 116 pontos (o recorde olímpico é 117) contra 99 do brasileiro. “Realmente, o coreano não deu chances, mas saio com a cabeça erguida de que fiz o meu melhor”, afirmou Trainini, após a prova.
A Sogipa também!
Eu, Tiago e Fabrício