“A Bahia fica”

“A gente vai embora, mas a Bahia fica“, eu disse pra minha filha, explicando que dali a algumas horas aquele intervalo de rotina que chamamos de férias teria fim. O céu azul, aquele mar e os coqueiros dariam lugar novamente a este tempo meridional sisudo que invadiu esse outubro.

Eu falei pra ela, mas “a Bahia fica” seguiu ecoando na minha cabeça. Talvez como um mantra, mas quem sabe como um refúgio para me convencer a voltar quando necessário – e por aqui sempre se torce para que seja necessário o quanto antes.

Terra-mãe do país que eu amo – e não dessa coisa dos últimos anos –, casa de todos os santos, credos e cores, de Caetano, de Gil, de Archanjo, para ficar só em três. Também cheia de desigualdades e injustiças gritantes, mas dona de uma empatia única com quem chega.

Como é bom relaxar do espírito até a fala, a ponto de descuidar do sotaque quando lhe visito. Venha, quero lhe dar um abraço. Oxi, como é bom ir à Bahia. Como é bom voltar à Bahia. Até a próxima!

Hora do conto – A Bahia, suas cores e fés

TendaFui três vezes à Bahia e só agora, 17 anos após a primeira viagem, que terminei de ler um livro inteiro de Jorge Amado. “Tenda dos Milagres” foi uma das compras na última Feira do Livro de Porto Alegre. Um livro usado, publicado antes da reforma gramatical, mas ainda assim riquíssimo em prosa e conteúdo. Não deixa de ser uma metáfora desta obra.

Tenda dos Milagres foi publicado em 1968. Sua narrativa, porém, se passa na década de 1940 principalmente. Retrata a história de Pedro Archanjo – inspirado em alguém que viveu de verdade, Manuel Querino. Fortemente ligado ao candomblé, mestiço de origem pobre, intelectual e sábio sem estudos formais, viveu em meio a uma sociedade em que o racismo não era tão velado assim. E isso em meio às ladeiras de Salvador.

Daqueles protagonistas marcantes, Archanjo lidera uma luta popular por inserção e reconhecimento (igualdade, afinal) da gente mais humilde da Bahia. Bahia, mas pode ser Brasil – ou não só este país. Reconhecimento a ele, mesmo, só quando um gringo o percebe e alerta a seus pares: “É um gênio”.

Décadas depois de sua publicação, o enredo de Tenda dos Milagres continua encontrando ecos na atualidade. Tal como algumas das frases do cativante protagonista: “É mestiça a face do povo brasileiro e é mestiça a sua cultura”.

Passados anos de miscigenação e de fluxos migratórios pra lá e pra cá, quem discordaria de Mestre Archanjo?

Textos baianos: Saudade do Morro

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Havia 66 notificações pedindo alguma atenção em apenas um aplicativo de rede social. Isso sem falar nas mensagens, que sempre apareciam às dezenas quando o celular encontrava um mínimo de conexão. Tinha ainda os e-mails. Sisudos, carregados de compromissos, eles.

Mas havia também o mar! Bem em frente. E não apenas uma, mas quatro praias de águas verdes e pedrinhas multicoloridas de encantar crianças – e, ok, adultos também. Morro de São Paulo, Bahia. Uau, que diferença para seu xará do Sudeste. Sois verdadeiramente opostos batizados com o mesmo nome.

Ante aos compromissos de vidas permanentemente digitais, ondas. Ininterruptas. Não de dados, mas de vida. Uma vida mais simples e pacata. Mais ligada à natureza do que às possibilidades provindas de um cartão de crédito. Ondas que, pouco a pouco, carregam o peso de dias que quase não tinham fim na rotina do trabalho.

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Num mundo tão sem pausas, um recomeço à beira-mar do Morro de São Paulo é revigorante.

Textos baianos: A lenda

Olha! Se é verdade, não sei. Relato aqui apenas o que ouvi de um simpático senhor sentado ao meu lado em um pequeno bar no Pelourinho, coração de Salvador. Ele puxou assunto depois de o garçom recomendar cuidado ao mexer com o celular na rua, pois, conforme ele, ladrõezinhos passariam voando com meu telefone ao menor descuido meu.

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Se avexe, não

“Esquente a cabeça, não. Ele fala isso só pra impressionar”, minimizou meu vizinho de mesa, que tão de pronto começou a conversar. Logo já se pareceu um amigo, algo adoravelmente típico do comportamento baiano.

Papo vai, papo vem e ele começou a contar que foi no Pelourinho que Carlota Joaquina tomou seu primeiro banho depois de semanas a fio dentro do navio que trouxera a comitiva portuguesa de Lisboa para o Rio de Janeiro, uns dois séculos atrás.

E falando em estrangeiros, bom visitantes eram mesmos os holandeses, disse ele. “Esses não queriam dominar ninguém, apenas fazer comércio. E quando diziam que era inseguro, mas veio até um príncipe por aqui naquela época”, contou, referindo-se, imagino, ao início do século XIX (ou mais cedo ainda, no século XVIII), mas sem mencionar o nome do nobre da realeza.

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Pelo amor ou pela guerra, nunca foi fácil deixar a baía para trás

“Mas correram com os holandeses”, lamentou, ao iniciar a contar a parte mais interessante da história. Segundo meu novo amigo, que solitário tomava uma cerveja, que dois navegantes holandeses sobreviveram a um bombardeio na saída de Salvador. Por sorte e resistência conseguiram nadar até a ilha da Itaparica, ao Sul da Baía de Todos os Santos.

Entretanto, o destino seguiu cruel com a dupla, que nadou, nadou até chegar logo à beira da praia onde vivia feliz uma tribo de índios. Canibais, no caso. Habituados a engolir só a carne seca do nordestino, logo viram com bons olhos aquela “carne gorda” europeia. Sem perder tempo foram à forra logo depois apreciando os músculos e a gordura de um deles. O outro navegante holandês prisioneiro foi mantido preso, “para engorde”.

Acontece que, em meio aos seus últimos dias, o rapaz de olhos claros holandeses chamou a atenção da filha de ninguém menos do cacique local. E mesmo não falando idiomas semelhantes, a linguagem corporal bastou para que houvesse encontros às escondidas entre a “princesa” da tribo e o jantar vindouro.

Ela, apaixonada, fez apelos ao pai para que soltasse aquele pedaço de carne. Pouco adiantou. Tempos depois o holandês foi devidamente temperado e comido pela tribo. Mas deixou lembranças, a principal delas no ventre da moça, que nove meses depois deu à luz a um novo indiozinho.

Só que, rapidamente constataram, era um indiozinho diferente. De pele meio escura, cabelos negros e olhos claros. Um indiozinho que, conforme a lenda que tarde dessas ouvi no Pelourinho, era ninguém menos que o primeiro caboclo do Brasil.

Se é verdade? Chicó responde:

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Sobre hora e maré no Nordeste do Brasil

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Dependendo da hora, o negócio é ficar dentro ou fora’água

Eis dois fatores que o pessoal daqui do Sul não atenta muito, mas que são fundamentais no Nordeste. Primeiro, a hora. No Nordeste o sol nasce mais cedo que nos lados meridionais e às 6h o dia não só raiou, como até um calorzinho já faz. Na outra ponta do dia, 17h o pessoal já começa a se preparar para ver o pôr do sol.

Ou seja, chegar às 15h30min, 16h na praia é quase para se preparar para ver a noite chegar ao som das ondas. É o tal clima de “fim de festa” que citei no post anterior, quando da vez em que estive na Praia do Francês. Digamos que 16h equivale a cerca de 17h30 no “fuso” gaúcho. É a chance de um mergulhinho e deu, em suma.

Outro ponto importante: a maré é fundamental para a maioria dos passeios turísticos. Tanto as jangadas em Maceió, quanto os barcos das praias do Gunga ou do Francês – e, imagino, em Maragogi – só navegam na maré baixa. O mesmo vale para os mergulhos. Se chegar atrasado, perde-se o dia.

Aconteceu comigo em Alagoas, mas poderia ter ocorrido dias antes na Bahia, onde só pude aproveitar as piscinas da Praia do Forte por ter chegado na baixa da maré. E, em verdade lhes digo, valeu – e muito – ter se atentado a este detalhe e feito a programação correta.

Mas como saber quando a maré vai estar alta ou estar baixa? Existe a opção interpessoal de perguntar a guias e/ou pessoas que oferecem os passeios e também há a boa e velha alternativa nerd e prática: a internet. A Marinha mantém este site atualizado diariamente. Outros aplicativos também fazem o mesmo.

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Na maré alta, jangada boa não vai pra água

Textos baianos: A música

BahiaUm mea-culpa sobre a Bahia, para fechar esta primeira série de textos baianos. Música. Confesso que cometi o que considero um pecado logo antes de desembarcar para os 11 dias que ficaria em Salvador e generalizei. Preparei-me psicologicamente para passar este tempo todo ouvindo axé e ritmos potenciais reboladores.

Ledo engano!

Por isso peço perdão pelo que pensei a Gilberto Gil, a Caetano Veloso, Dorival Caymmi e tantos outros. A Bahia é, sim, muito maior do que qualquer axé, qualquer rima fraca que por ventura já tenha feito sucesso nacional – algo que nunca representou necessarimente qualidade musical.

Se a memória não me falha, já nesta tarde de chuva em Porto Alegre, peguei quatro táxis em Salvador. E em todos a música da rádio estava ótima. Uma MPB com artistas que não conhecia, e que fico devendo nomes aqui. Extremamente agradável, juro. Talvez estivesse na Rádio Educadora, que tem o selo de garantia do Rodrigo Oliveira.

Na maioria dos trajetos, o táxi deixou-me no Rio Vermelho, um tradicional centro boêmio recentemente renovado por obras. Por lá, diversas opções. Desde o fatídico sertanejo aos tuti-tuti eletrônico.

Por lá, faço questão de recomendar, parei duas vezes no Centro Cultural Casa da Mãe. Numa quarta ouvi chorinho que me fez voltar alguns anos no tempo, para quando via o saudoso professor Darcy Alves tocar em Porto Alegre. Numa quarta, um jazz encantador. E tudo isso a poucas dezenas de metros da estátua de Jorge Amado e Zélia Gattai, do acarajé da Dinha. De baianices clássicas, enfim.

Jorge e Zelia

Jorge, Zélia, o pug e a boemia

Mas, claro, estar em Salvador e não ouvir nenhuma batucada significa não ir a Salvador. Esse ritmo tão baiano se encontra nas ruas do Pelourinho, na praia do Porto da Barra. Mais hora, menos hora o ritmado som vai encontrar teus ouvidos. Sorria, afinal, você estará na Bahia.

 

Textos baianos: Os seios na praia

Um paraíso chamado Praia do Forte

Um paraíso chamado Praia do Forte

Ainda que estas palavras entrem neste blog com na série “Textos baianos”, elas não são necessariamente sobre a Bahia, os baianos ou as baianas. O fato em si é que ocorreu a poucos metros de uma das piscinas naturais que a maré baixa proporciona na Praia do Forte, a uns 80 quilômetros de Salvador.

Uma mulher de meia-idade. Já, naturalmente, tendo passado há alguns anos do seu auge físico. Ela estava com os seios de fora, em meio a outras tantas jovens mais bonitas, entre crianças que por ali brincavam, e não estava nem aí, mesmo não tendo silicone algum.

Não era linda ou exibicionista. Tranquila e segura de si, deitada com os seios de fora lendo qualquer livro à beira-mar, numa manhã de abril, era, acima de tudo, livre. E isso em tempos em que se debate ferozmente o feminismo e o machismo. Em que revista prega como exemplo ser bela, recatada e do lar.

Debates, por vezes cegos, que não chegaram à praia. Ao menos não àquela mulher.

Textos baianos: O baiano

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Quinta-feira à tarde na praia do Porto da Barra

O baiano é um sujeito a parte dentre os brasileiros. Ao menos dentre os brasileiros que já tive oportunidade de conhecer ao longo desses 30 anos e quatro meses de vida. Distinto do rude gaúcho, do apressado paulista, do caipira mineiro ou do malandro carioca, para citar apenas alguns exemplos. O baiano, como toda cultura forte, tem seu jeito próprio, mas, acima de tudo, seu tempo e ritmo. O próprio sotaque não é necessariamente lento, mas cantado. E simpático.

O Brasil enquanto país, é bom lembrar, começou na Bahia, exatos 516 anos antes de eu iniciar a escrever este texto. E Salvador respondeu como capital brasileira por 214 anos, de 1549 até 1763 – até hoje é a cidade que mais ocupou este “posto” e seguirá assim até a segunda metade do próximo século. E é quase como se carregasse um traço de mãe-gentil desta pátria que o baiano age.

Com uma fala mansa e aquele dom de criar intimidade rapidamente, o que deve levar pessoas mais fechadas e/ou resguardadas a um certo ponto próximo do desespero quando chegam à maior cidade do Nordeste. Afinal, por certo são em poucos lugares onde o atendente ou garçom te chama de “amor” antes mesmo de qualquer pedido. E esse é só um mero e trivial exemplo.

Pecando pela generalização, mas todo o soteropolitano parece disposto a conversar ao menos um pouquinho com quem quer que seja, onde for.

O que, claro, não significa que os baianos sejam o povo mais feliz do mundo, quiçá nem do Brasil. Há mazelas, problemas, malandragens e maldades. Até, incrivelmente, racismo, escancarado na separação das quase 100 favelas da cidade e os prédios com vista para o mar. E também na pichação de protesto contra a truculência da polícia do Brasil, que teima em mirar negros, mesmo onde eles são maioria.

Por que ainda?

Por que ainda?

Porém, no geral, sem dúvida é uma gente hospitaleira e, coisa rara neste momento, livre de preconceitos xenófobos.

Eles têm fé, como aqui já foi citado. Na igreja, no candomblé… Não à toa que o mar que entra ladeando Salvador recebe o nome de Bahia de todos os santos.

Salvador orlaSalvador desde sua fundação foi uma cidade cosmopolita. Aliás, interessantíssimo o artigo da Wikipédia sobre Salvador. Nele, o historiador Cid Teixeira compara o investimento inicial em Salvador, no século XVI, com a construção de Brasília, mais de 400 anos depois. “Não se tratava de um povoado que foi crescendo. A cidade já surge estruturada. Salvador não nasce de um passado, mas de um projeto de futuro que era construir o Brasil. Por isso desde o início, a influência internacional na realidade local está presente em Padre Vieira, Gregório de Mattos, cinema novo e a tropicália”, complementou escritor e estudioso da cultura baiana e da música brasileira, Antonio Risério, à revista IstoÉ, em 1999.

Mas ao contrário do que ainda é Brasília, um amontoado de povos sem uma característica convergente, o baiano tem personalidade e cor: ele é negro, receptivo, orgulhoso de sua cultura, adorador de sua terra e, claro, de sua praia. Com toda razão.

Que mar

Que mar

Um post aéreo

Em dez dias, foram seis aviões e três destinos, além de escalas em São Paulo e Guarulhos. Da janela, um pouco aqui embaixo e um tanto lá em cima. Brincando com os aplicativos Vine e Hyperlapse deu para ajudar a passar um pouco do tempo entre uma cidade e outra.

O resultado, publicado ao longo desses dias de férias em Vine, Twitter e YouTube está aí, compilado neste post feito nas alturas:

Decolagem de São Paulo (CGN-SSA):

Salvador-Maceió (SSA-MCZ):

Decolagem Maceió (MCZ-SSA):

Um brinde: divisa entre Alagoas e Sergipe, onde fica a foz do Rio São Francisco:

foz sao chico

Do lado esquerdo da foto, Alagoas; do lado direito, Sergipe

Aterrissagem Salvador (MCZ-SSA):

Aterrissagem Porto Alegre (GRU-POA):
https://vine.co/v/iPdl1LVq9lh/embed/simple

Textos baianos: A fé

A fé é característica intrínseca da Bahia. Bem dizia a piadinha aquela que, se a fé entrasse em campo, o Ba-Vi sempre terminaria empatado. A baía e as águas entre Salvador e a Ilha de Itacaré, afinal, são de todos os santos, conforme indicam os mapas desde sempre.

E lugar para rezar sobre o solo soteropolitano não falta. Salvador tem mais de 370 igrejas só católicas, algumas com séculos de história, como a de Mont’Serrat defronte ao pôr do sol e, uma das mais famosas, a de Nosso Senhor do Bonfim, onde milhares de fitas enfeitam a cerca. Fitas que lembram o santo, que carregam pedidos de fé por dias melhores.

Mas os evangélicos não ficam para trás. Perto de uma das principais avenidas da capital baiana um templo da Igreja Universal se ergueu tanto que mais parece um grande hotel na paisagem de tão enorme.

Afora, claro, o candomblé e seus ritos e imagens, tão presentes pelos paralelepípedos de Salvador, onde pessoas fazem limpeza à beira da Lagoa de Abaeté ao som da percussão de tambores. E também onde Orixás tanto parecem dançar no velho Dique do Tororó, ao lado da modernizada Fonte Nova, quanto proteger um sem número de barcos, pescadores, casas de comércio e, claro, baianos. Um povo de muita fé.

pelourinho

No horizonte do Pelourinho, três igrejas