Um tablet, o futuro e o passado

Eu gosto de pensar que a internet é, tal como a moda, algo cíclico. Ter, finalmente, comprado um tablet nesta semana me fez voltar a essa reflexão. Um tablet, veja só. O primeiro que eu tenho. Depois de já considerá-lo tanto objeto de desejo e pesquisa, quanto algo bolorento e dispensável, consegui encontrar um espaço para ele na minha rotina.

Assim como uma gama de exemplos, é uma mídia que já teve altos e baixos em seus poucos mais de dez, 12 anos de vida. Se lá no início, ainda estudante de jornalismo, me empolguei com as possibilidades que ele poderia trazer à forma do jornalismo, que ainda tinha no papel impresso uma raiz muito forte, não muitos anos depois já preteria o tablet profissional por um celular pessoal na hora de uma cobertura – em especial no corre-corre que foi junho de 2013.

Agora mesmo, ele só entrou na minha vida a partir de uma demanda acadêmica. Encaixou-se como solução a uma demanda de uma situação a qual seria desconfortável ou antiquado levar o notebook e/ou calhamaços de cópias de livros impressas da rua para uma sala de aula, da sala de aula para casa. Terá, enfim, um papel para cumprir em uma rotina. Buscará ser essencialmente útil sem mais prometer grandes revoluções no lado profissional, ainda que possa oferecer novas experiências.

Lembro sempre que ouvi na pós-graduação de jornalismo digital que o e-mail estava morto. Foi uma frase que me marcou pela convicta crueldade com um formato tão consagrado, ainda que um tanto em baixa naquele momento, início da década passada. A aposta na época era nas redes sociais, então em ascensão e ainda com uma promessa de democratização à informação, na esteira da primavera árabe. Os jornalistas ouviam que os leitores estariam ali, como de fato estiveram considerável parte. Contudo, foi por um tempo apenas

“A internet vai virar o Facebook.” Ouvi isso mais de vez. Soa velha, mas essa frase tem dez anos de vida, 11 no máximo. Todo mundo estava no Facebook, era importante estar e interagir no Facebook como parte essencial ao cotidiano digital e social, como lazer e como profissional.

Pois bem, decidi neste 2022 não instalar o aplicativo do Facebook. Vai ser a primeira vez em anos que não farei isso em um aparelho meu. Dez anos depois daquelas premonições todas, esta rede social decaiu tanto a ponto de fazer até sua empresa-mãe mudar de nome – apostando agora em um outro caminho de futuro, que também parece familiar com algo que já passou por aqui. Se é errado dizer que não há mais ninguém por lá (ainda tem muita gente), pode-se afirmar que o futuro não passa exatamente por ali.

O irônico desta percepção foi notar que só usava o Facebook recentemente para clicar na aba “lembranças” e rever postagens, fotos e pessoas que um dia frequentaram o livro de rostos – que de certa forma não deixa de ter a mesma função de um álbum de fotografias analógicas.

A propagada promessa de futuro virou, pra mim, só espiadela rápida e procrastinadora no passado. Eu, hoje, fundador e editor de um jornal enviado por e-mail, mal uso Facebook, mas agora tenho um tablet (e estou postando este texto em um blog, claro). O que mais será que se reinventa desde o passado para a gente ver no futuro?

Três livros para as eleições de 2022

Charge de Galvão Bertazzi

Há muitos caminhos para a construção de um voto. Passam por crenças, ideologias, experiências, notícias e balanços. Quero adicionar, também, contexto. Em especial a uma eleição que se mostra demasiado importante na história da democracia brasileira.

Afora o noticiário, há três livros que gostaria de sugerir a quem tem alguma indecisão com relação ao seu candidato nas eleições presidenciais de 2 de outubro. Acho que vão ajudar a contextualizar a forma sobre como chegamos a esse momento, e talvez abrir mais horizontes a muitos que tentam entender a complexidade deste país chamado Brasil.

Óbvio, há tantos e tantos outros livros, artigos, textos e fotos a mais para se embasar votos. Essa é uma lista que pode crescer muito ainda. Mas, pudesse eu recomendar apenas três, seriam esses, porque sociologia, tecnologia e racismo são pontos que se destacam para este momento.

Amanhã vai ser maior, de Rosana Pinheiro-Machado
É preciso entender como Jair Bolsonaro, um deputado de sete mandatos vendendo-se como nova política, chegou ao poder. Foi uma conjuntura de fatos, sim. Mas é preciso compreender fundamentalmente como o discurso da extrema-direita colou em grande parte da população, inclusive na de baixa renda, para se construir alternativas ao radicalismo.

Máquina do Ódio, de Patrícia Campos Mello
Eleições têm regras para se deixar a disputa entre os candidatos mais justas. Essas regras foram sistematicamente quebradas em 2018 internet afora. Aproveitando-se de um judiciário lento e de um terreno fértil ao ódio nas redes sociais, a desinformação correu solta. O livro é um exemplo da contribuição que o bom jornalismo pode fazer à democracia.

Racismo Estrutural, de Sílvio Almeida
O Brasil é majoritariamente negro. Mas quantos negros há em postos-chave de poder, seja na esfera privada, seja na pública. E por quê? Quem visa um país mais justo precisa compreender as diferenças das dificuldades da vida de negros e brancos, acabando com o mito da igualdade racial. Leitores brancos que leem a partir da perspectiva de um intelectual negro podem ter muito a aprender um pouco mais sobre o Brasil real.

Pra trás e pra frente

É março de 2022 e vou dormir impressionado após maratonar uma série em podcast, cujo nome modernoso é “audiosserie”, mas que nada mais é que uma velha radionovela. Aquilo que fazia sucesso em lares Brasil afora quando minhas avós tinham algo perto da idade que eu tenho hoje.

A bem da verdade, uns 15 anos atrás, já quase formado, tive uma disciplina na faculdade que foi quase que inteiramente voltada à produção de uma radionovela. Confesso que até foi divertido, mas achei uma perda de tempo. E ainda não estou convencido de que não foi.

Mas hoje, veja bem, sou editor de um jornal cujo principal formato é uma newsletter, esse modelo voltado ao e-mail e criado em priscas eras da internet. Os colegas com os quais iniciei essa jornada dividiram comigo as aulas do curso de Especialização em Jornalismo Digital, entre 2010 e 2012.

Jamais esqueço que ali nos garantiram que o e-mail estava com os dias contados!, assim, com ponto de exclamação e tudo, tamanho era o entusiasmo. O futuro, ao menos o visto naquela época, pertencia às redes sociais. Em especial ao Facebook – esse mesmo site que hoje parece ser mais referência a pessoas com idades mais próximas à da minha mãe do que à minha.

(hehe, eu dedico cada edição do Matinal a essa lembrança)

Dia desses, aliás, inserimos um gif (!) na nova newsletter do grupo (veja bem como vai o negócio). O gif, esse mesmo formato mais leve que o jpeg. Teve um quê de inovador, achamos nós. Um verdadeiro culto àquela configuração de imagem desprovida de megapixels e que tanto fora carregada em internet discada décadas atrás.

Essas voltas que o mundo dá são engraçadas. Em internet, não se pode ter rancor, pois sempre parece que cruzamos ontem com soluções que precisaremos amanhã.

Da impermanência

Dez anos atrás eu cursava a pós-graduação em jornalismo digital e me via um tanto frustrado naquelas aulas do curso de especialização. Enquanto via poucos recursos e não muitos debates sobre prática do webjornalismo em si, notava certo entusiasmo que considerava até exagerado com as redes sociais.

Era uma época da Primavera Árabe e que Facebook e Twitter ganhavam, dia após dia, relevância – tanto para o jornalismo, quanto para a sociedade. Ferramentas capazes de levar a informação driblando meios oficiais, eram disruptivos. Efeitos colaterais como a disseminação de fake news ainda eram inocentemente ignorados, na maioria do tempo – tal como em momentos da minha graduação em jornalismo.

Apostava-se muito no Facebook como uma alternativa de futuro viável tanto ao jornalismo quanto praticamente à internet em si. Ouvi, naquela época, uma frase que me marcou: “O e-mail morreu”. Seria, segundo aquele pensamento, substituído por mensagens instantâneas, sejam no Facebook ou em alguma rede vindoura.

Oras, aquilo já estava indo longe de mais. Eu que ainda usava um @hotmail.com, senti com um golpe. Mas como assim? Contrariado discordei da tese, mas, em linhas gerais, talvez tenha sido voto vencido na turma.

Nesta terça, 5 de janeiro, enviamos a primeira edição do ano 3 da newsletter Matinal. Foi o primeiro e-mail enviado na nova década deste veículo que nasceu neste que posso considerar um meio, o e-mail. E desde então vem crescendo – ao todo já são mais de 400 envios, desde março de 2019.

Ao longo desse tempo, não me convenço que somos “resistência” ou tampouco “inovadores”. Estamos, sim, aproveitando uma das ondas da internet que apareceu naquele momento para nós.

Também me dou conta que o famigerado 2020 marcou um distanciamento grande meu com o Facebook. Enquanto perfil pessoal, foi o ano de menos postagens e interações em mais de uma década até aqui. Certamente o ano com o menor número de mensagens trocadas – isso também influenciado pela pandemia, já que o chat de trabalho acabou migrando para o WhatsApp ou os canais de vídeo.

Claro que a rede de Zuckerberg segue relevante, contudo me parece cada vez mais claro que seu auge, ao menos no Brasil, passou. Ainda que as outras ondas que seguem altas, como o WhatsApp e o Instagram, seguem em alta.

Tenho pra mim, ao longo de quase 25 anos de convívio, que nada é definitivo na internet. Por mais forte que uma tendência surja e se imponha, sempre há ciclos – e, se não inovações, renovações. Se antes os e-mails iam com correntes ou mensagens, hoje podem ter cara de jornal. E isso sem esquecer que usamos gifs, outrora substituídos por .jpgs, para piadinhas por aí.

Farol nas sombras

lighthouse-2307273_960_720

Sem vaidade, mas fiquei genuinamente feliz e satisfeito ao saber da aprovação de uma ex-estagiária minha em seu Trabalho de Conclusão de Curso. A minha, agora, colega Lívia Rossa tratou sobre curadoria no jornalismo – um tema que, a meu ver, merece atenção especial por esses tempos.

Pude ajudá-la no TCC ao ser entrevistado. Já não estou há pouco tempo como editor no Correio do Povo e, mais recentemente, também atuo diariamente na confecção da newsletter Matinal. Como se não bastasse, há 12 anos respondo pela comunicação na Federação Gaúcha de Judô. Alguma coisa já vi e já tive que decidir sobre caminhos a seguir, portanto.

Quando ela falou comigo, o que seria um café virou almoço. Aquela coisa corrida, sem muito tempo pra pensar. O que pode tornar toda entrevista mais genuína, como de fato foi. A Lívia perguntando, eu pensando e respondendo com um olho no prato e outro no relógio. Uma rotina de trabalhador proletário.

A Lívia fez perguntas difíceis, admito. Mas ótimas para se refletir, assim, de supetão, quando somos mais honestos. Ao ser questionado sobre qual o papel do jornalismo hoje em dia, ainda consegui bolar uma metáfora que, sinceramente, espero que tenha sido usada no texto dela, de tão poética que ficou. Era algo como que o jornalismo deveria ser um farol em meio aos atuais tempos obscuros.

E, sim, deveria. E deve!

Podemos trocar a metáfora dos ares sombrios para ruidosos. Talvez seja mais adequado, porque o que ofusca hoje não é a claridade da informação, e sim a quantidade de barulho em volta. É muita gente falando. É muita versão para um fato. É muita autoridade falando absurdo – e às vezes, principalmente, só para aparecer.

Há tempos que tenho uma bronca com o jornalismo declaratório. Cada matéria de “fulano diz” talvez necessite de outra, a do contraponto. Só que aqui temos um leitor apressado, que, ao fim, pode vir a perder o contexto, por mais links, gráficos – e todas as outras possibilidades da internet – que se tenha à disposição. Nisso, elogio – e muito – o Nexo e o El País pelo jornalismo que produzem. Creio que jornalistas deveriam se inspirar mais nesse norte que ambos seguem.

Fato é que o modus operandi jornalístico mudou de uns anos pra cá. Se, quando comecei a frequentar redações, pouco mais de dez anos atrás, havia o embate impresso x internet, hoje, com a massificação de smartphones – que são outra forma de se consumir o jornalismo, diferente do que simplesmente “na internet” –, agora há o desafio cada vez mais permanente da edição, ou, se olharmos com calma, da curadoria.

A provocação é: se temos tudo, que tipo de material dispomos ao alcance do nosso leitor?

É papel, penso eu, do bom jornalista separar o joio do trigo em meio a todo esse zumzumzum. Para o grande e apressado público as fontes podem estar mais opacas – aqui entra outro desafio: é preciso recorrentemente se enxergar como leitor para pensar curadoria e edição. Nas redes sociais afora, muita gente disfarça panfletagem como jornalismo exatamente para tentar confundir hoje em dia. Passar à frente a versão desejada. “Precisa ter olhos firmes, pra este sol, para esta escuridão”, já alertaram Gil e  Caetano.

Temos que saber bem qual conteúdo devemos propagar. É preciso ser farol em tempos obscuros.

No mais: parabéns, Lívia! Que a nota 10 no TCC seja o início de uma grande carreira.

Uma carta ao Twitter

19122337102091

Hey, passarinho, vem cá.

Oi, Twitter. Faz tempo que queria ter esse diálogo – ok monólogo, já que quando se trata de denúncias tu não costuma prestar muita atenção. E queria porque gosto de ti. Como tu tem muitos dos meus dados, sabe que nossa relação começou no quase pré-histórico ano  de 2009. Mudamos bastante, creio que sempre procurando evoluir. Fiquei feliz em te ver crescer, ganhar relevância e fazer frente àquela outra rede social. Muito já recorri a ti para buscar atualidades de última hora e as encontrei. Passarinho querido, és parte da minha rotina há anos. (como bem sabem os teus dados)

Mas precisamos conversar. E não se ofenda com a pergunta, querido Twitter. Mas o que houve contigo? Que ares andaste frequentando para tornar o teu – e nosso – ambiente tão tóxico? Aquele suspiro nerd e inovador lá do início há muito apagou-se e, por aqui, vejo ódio, ofensas e preconceito desenfreados por ti. Isso é por audiência? Até sei que combates um que outro perfil de vez em quando. Da mesma forma, é uma situação complicada. A liberdade de expressão e a censura são separadas por uma linha tênue.

Ainda assim: és conivente demais, caro passarinho. E como quem gosta de ti, lhe digo: jamais entraria em teus domínios pela primeira vez hoje se chegasse e visse o cenário que está aí posto. Sempre te defendi, sempre quis o teu bem e, por isso, ainda que sinceramente desesperançoso, torço por melhoras.

Voa, passarinho. Existe horizonte. Dá para ir mais alto que essa montanha de lixo!

Diários paternos: das armadilhas

mao florContei há dois meses da vez que conheci Jesus. O que não escrevi foi dos momentos subsequentes àquele encontro e, mais especificamente, à primeira esbarrada em burocracia gerada pela situação. A verdade é que transbordava em mim uma enorme indignação misturada com raiva. “Logo eu, que pago todos os meus impostos! Queria ver se fosse com um deputado! Ah, esses órgãos públicos só tiram dinheiro do trabalhador honesto… do cidadão de bem!”, bufava eu.

Havia caído numa armadilha. Por sorte, percebi isso rápido. Não sem antes de experimentar este amargo gosto da injustiça, o qual – creio eu – foi o tempero principal de milhões de votos que decidiram a eleição passada. Estava puto com o sistema! “Corruptos!”

E pensei isso mesmo eu estando errado. Ora, apesar de não querer sacanear ninguém, não estava fazendo nada de errado e justo na minha vez o jeitinho brasileiro não existiu. Enfim, algumas centenas de reais depois, a situação foi resolvida dentro dos trâmites reconhecidos pelas autoridades.

A questão aqui, porém, é a armadilha. Como jornalista, acabo me considerando alguém informado, com base em desconfianças e informações. Só que nem sempre o ofício de dentro de uma redação conta com o aspecto emocional, algo demasiadamente forte, em especial quando se sente na própria pele.

Lembrei disso dias atrás. Chuviscava e Maria Flor tinha seis dias de vida. Precisava levá-la para tomar a primeira vacina em posto de saúde. Era ou naquele momento, ou só na semana seguinte. Inesperadamente, do meu âmago surgiu um questionamento: “Mas será mesmo?” Uma breve sinapse cerebral perguntou se era realmente necessário eu “expor” minha a sabe-se lá o que que estava concentrado naquela seringa.

Outra armadilha, naturalmente. Essa, reconheço, foi bem mais tranquila de superar, ainda que ver a nenê chorando após uma picadinha no braço não seja das situações mais legais para um pai de primeira viagem.

No entanto, se para mim foi fácil, para muita gente não é. Nem duas semanas depois disso, leio que a maioria das vacinas obrigatórias está com a cobertura abaixo da meta. E isso provavelmente disseminado após uma onda de desinformação gerada internet afora. A já velha falta de contextualização e de fontes factíveis causando estragos pela sociedade.

É preciso estar atento e forte, como diria Caetano. Ao menos a minha certeza de que a Terra é esférica é inabalável. (Creio eu)

Questão de adaptação

smartphones

Eu era criança no condomínio Quebra Mar, em Tramandaí, e incomodava meu avô para comprar o jornal no mercadinho. Esse luxo não era diário, mas sim algo para três ou quatro dias por semana. Então, naquelas manhãs de verão, tínhamos ao alcance da nossa mão um compilado de notícias da véspera ali impressos. Além, claro, das concorridas palavras cruzadas.

Não havia internet, muito menos wi-fi e sequer telefonia na maioria dos apartamentos. Aliás, por se tratar de um condomínio enorme e num formato de quarteirão, o Quebra Mar tinha à disposição um telefone central. E aí podia-se ligar para lá que a administração do prédio anunciava num alto-falante para todos os condôminos ouvirem que havia uma ligação a ser atendida. Uma cena quase surreal, hoje extinta.

Se há mais coisa que mudou daquela época foi a forma de se consumir o jornalismo. E vejo não só por mim, mas por meu sobrinho, que hoje tem até um pouco mais de idade do que eu nessa época. Prestes a completar 14 anos, eu nunca vi ele folhear um jornal.

Pode ser que meu interesse pela imprensa seja maior que o dele, contudo tem uma diferença grande também: trata-se de um guri que antes de aprender a ler já sabia, em um computador, como entrar no Google, chegar ao YouTube e, dali, procurar um vídeo com o seu desenho favorito. Tudo através de ícones que, mais tarde, trocaram de tela e agora estão ao alcance de sua mão, no celular.

Essa adaptação a novos meios, porém, ainda é tabu, em pleno 2019. Isso às vezes segue duro justamente para jornais, que por décadas tiveram exatamente o mesmo modus operandi e se veem hoje entre a suposta segurança da base de assinantes somada à receita publicitária e a ainda instável disputa por crescimento e relevância no meio digital.

Fato é que a direção é uma só. E pra frente, rumo à adaptação. Nesta semana foi a vez do Clarín, de Buenos Aires, anunciar que irá procurar se tornar mais online. O que não significará abandonar de solavanco o papel impresso:

La mayoría de nuestros recursos periodísticos estará destinada a producir contenidos . Otro bloque se concentrará en la edición impresa, adaptando las notas publicadas en el digital y garantizando la máxima calidad. Cuanta más calidad tenga el diario papel, más fácil será la transformación digital. Tenemos que ofrecer un producto digital y un producto impreso del mismo valor.

Fica claro que haverá uma transição do que será prioritário agora. A web deixa de ser um espaço restrito a notas rápidas ou apenas breaking news. Mudança semelhante ao que houve no El País – e com sucesso – alguns anos atrás. O jornal espanhol, antes sediado apenas em Madrid, hoje autointitula-se “O jornal global”. Com razão.

Referência no jornalismo argentino, o Clarín indica que até pode vir seguir o mesmo caminho ao perceber que pode ter “mais leitores do que nunca” hoje em dia. A aldeia é global, já faz uns anos:

Hay un enorme sacudón en la industria de los medios que se renuevan para enfrentar la crisis de la plataforma tradicional del papel y adaptarse a la todavía incierta del digital. Tenemos más lectores que nunca y tenemos más desafíos que nunca: los hábitos de los lectores cambian más rápido que nuestras organizaciones y debemos cambiar si queremos mantener la relación con ellos. Necesitamos estructuras más flexibles y más eficientes con más talentos y capacidades del nuevo mundo.

Eis um dos focos da questão: a relação com o público. No entanto, que audiência é essa: a que está na rua ao lado ou além das fronteiras? Como fidelizá-la: com volume de notícias ou apenas com conteúdos especiais? Acesso gratuito para difusão em massa ou paywall como uma garantia econômica?

As dúvidas ainda são várias, mas é a partir de respostas para essas nada fáceis perguntas que se pode chegar à sustentabilidade no meio online. E buscar essa sustentabilidade é questão de sobrevivência para os jornais. Cada vez mais urgente, todavia, vale a ressalva, é primeiramente aos jornais de grandes centros urbanos, onde a internet é plenamente difundida e estável – situação que não ocorre em muitas localidades do interior.

Podem haver diferentes caminhos em relação a nicho, conteúdos e apostas, mas a direção é uma só. O guri que 20 anos atrás buscava jornal de Porto Alegre no mercadinho do condomínio de Tramandaí hoje assina o The New York Times sem nunca ter colocado os pés nos Estados Unidos.

Matinal

Matinal foto

São tempos complicados. Em meio à circulação de informação de maneira onipresente em nossa vida, há ruídos. Um excesso de fontes e versões, puxando à direita, à esquerda e, por que não?, talvez mais confundindo do que, de fato, informando.

Ao observar este cenário, eu e dois amigos – Filipe Speck e Paulo Antunes – lançamos no início do mês a Matinal Jornalismo. Trata-se de uma newsletter diária, reunindo aquilo que debatemos e julgamos ser importante uma pessoa saber para começar seu dia em Porto Alegre e região.

Porque o papel do jornalista também é este, a curadoria. Em meio a este demasiado diz que diz que vivemos, precisamos de fontes e versões confiáveis. Mesmo que ninguém seja imune a erros, o jornalista precisa ser acreditado quando passa uma informação.

É também preciso um porto seguro onde estejam estas notícias. Em dias como os de hoje, jornais históricos são questionados e taxados por adjetivos pejorativos. Alguns estão, por meio de muita histeria em rede social, em xeque. Por isso, optamos pelo e-mail.

A Matinal só vai até a caixa de entrada de seus assinantes após receber um voto de confiança do leitor. Após ele confiar na nossa seleção e na nossa tentativa de contextualizar e esclarecer as notícias que acontecem aos montes por aí. Porque o bom jornalismo busca isso. E nós queremos um bom jornalismo para estes tempos complicados e ruidosos.

Para acessar as nossas edições já enviadas e assinar gratuitamente, o link está aqui. Também tem o Twitter, para quem quiser ver alguns dos links lá @newsmatinal 🙂

Modos de reportar

Ainda no calor da comoção causada pelo atentado em Suzano, pipocou um vídeo no Twitter de uma repórter do SBT chegando ao local e, ao vivo, tentando entrevistar qualquer pessoa entre policiais, curiosos e eventuais familiares que estavam próximos à escola onde pouco antes nove pessoas morreram.

A questão que me chamou atenção na hora foi que a própria profissional estava afobada, visivelmente nervosa, mas – e pior de tudo – ao vivo. Ninguém falou e até teve quem fosse hostil à profissional. Ficou claro que não houve preparação alguma para a pauta, quiçá nem apuração. Nada. Só pressa por um testemunho em rede nacional.

Não procurei o vídeo de novo, sequer sei quem ela é e tampouco essas linhas têm por objetivo denegri-la.

Embalados pela internet, a gente vive uma época de pressa, tanto repórteres quanto leitores. E isso reflete diretamente na produção do jornalismo. Há quase a necessidade de uma instantaneidade em grandes coberturas. Há, porém, a sensibilidade que deve ser lembrada nestes casos – e que aparentemente ninguém no SBT lembrou no calor da hora.

Erraram, assim como também teve erro de uma repórter da Globo no início da cobertura em Brumadinho, em que, ao contrário da colega paulista, ela conseguiu fontes na polícia e acabou colocando coisa demais no ar, esquecendo de um bom e velho filtro.

Calma, pessoal! Em ambos os casos, se chegasse sem que a câmera estivesse on, conversasse um pouco com alguém antes e, especialmente, sentisse o clima da situação, evitaria constrangimentos desses.

A pressa e a pressão são elementos cotidianos. E não apenas quando se está no local. No começo da minha carreira passei por situação semelhante, mas de dentro da redação. Talvez aí eu tenha aprendido a lição acima. Havia acontecido um roubo de banco em alguma cidade do interior. No afã de conseguir mais informações, liguei direto para a agência, minutos depois do ocorrido. E me atenderam, por pura sorte.

Era um gerente, a pessoa com quem conversei. Aliás, dizer que conversei é forçar. Em meio a uma situação certamente traumática e, com pressa, fiz a pergunta mais estúpida possível àquela vítima: quanto tinha sido roubado? Num tom visivelmente arrependido e decepcionado de ter pegado o telefone, ele tergiversou e disse que todos ali estavam muito abalados para falar. Desligou.

Por pura falta de tato, perdi a entrevista com a melhor fonte possível ao não enxergar o drama da situação, por focar em coisas (dinheiro) bem menores do que o que esteve em jogo, que era a vida das pessoas que ali estiveram.

O jornalismo exige sensibilidade. E o repórter, dentre todos os atores da profissão, deve compreender o poder da empatia se quiser fazer um bom trabalho.