Eu era criança no condomínio Quebra Mar, em Tramandaí, e incomodava meu avô para comprar o jornal no mercadinho. Esse luxo não era diário, mas sim algo para três ou quatro dias por semana. Então, naquelas manhãs de verão, tínhamos ao alcance da nossa mão um compilado de notícias da véspera ali impressos. Além, claro, das concorridas palavras cruzadas.
Não havia internet, muito menos wi-fi e sequer telefonia na maioria dos apartamentos. Aliás, por se tratar de um condomínio enorme e num formato de quarteirão, o Quebra Mar tinha à disposição um telefone central. E aí podia-se ligar para lá que a administração do prédio anunciava num alto-falante para todos os condôminos ouvirem que havia uma ligação a ser atendida. Uma cena quase surreal, hoje extinta.
Se há mais coisa que mudou daquela época foi a forma de se consumir o jornalismo. E vejo não só por mim, mas por meu sobrinho, que hoje tem até um pouco mais de idade do que eu nessa época. Prestes a completar 14 anos, eu nunca vi ele folhear um jornal.
Pode ser que meu interesse pela imprensa seja maior que o dele, contudo tem uma diferença grande também: trata-se de um guri que antes de aprender a ler já sabia, em um computador, como entrar no Google, chegar ao YouTube e, dali, procurar um vídeo com o seu desenho favorito. Tudo através de ícones que, mais tarde, trocaram de tela e agora estão ao alcance de sua mão, no celular.
Essa adaptação a novos meios, porém, ainda é tabu, em pleno 2019. Isso às vezes segue duro justamente para jornais, que por décadas tiveram exatamente o mesmo modus operandi e se veem hoje entre a suposta segurança da base de assinantes somada à receita publicitária e a ainda instável disputa por crescimento e relevância no meio digital.
Fato é que a direção é uma só. E pra frente, rumo à adaptação. Nesta semana foi a vez do Clarín, de Buenos Aires, anunciar que irá procurar se tornar mais online. O que não significará abandonar de solavanco o papel impresso:
La mayoría de nuestros recursos periodísticos estará destinada a producir contenidos . Otro bloque se concentrará en la edición impresa, adaptando las notas publicadas en el digital y garantizando la máxima calidad. Cuanta más calidad tenga el diario papel, más fácil será la transformación digital. Tenemos que ofrecer un producto digital y un producto impreso del mismo valor.
Fica claro que haverá uma transição do que será prioritário agora. A web deixa de ser um espaço restrito a notas rápidas ou apenas breaking news. Mudança semelhante ao que houve no El País – e com sucesso – alguns anos atrás. O jornal espanhol, antes sediado apenas em Madrid, hoje autointitula-se “O jornal global”. Com razão.
Referência no jornalismo argentino, o Clarín indica que até pode vir seguir o mesmo caminho ao perceber que pode ter “mais leitores do que nunca” hoje em dia. A aldeia é global, já faz uns anos:
Hay un enorme sacudón en la industria de los medios que se renuevan para enfrentar la crisis de la plataforma tradicional del papel y adaptarse a la todavía incierta del digital. Tenemos más lectores que nunca y tenemos más desafíos que nunca: los hábitos de los lectores cambian más rápido que nuestras organizaciones y debemos cambiar si queremos mantener la relación con ellos. Necesitamos estructuras más flexibles y más eficientes con más talentos y capacidades del nuevo mundo.
Eis um dos focos da questão: a relação com o público. No entanto, que audiência é essa: a que está na rua ao lado ou além das fronteiras? Como fidelizá-la: com volume de notícias ou apenas com conteúdos especiais? Acesso gratuito para difusão em massa ou paywall como uma garantia econômica?
As dúvidas ainda são várias, mas é a partir de respostas para essas nada fáceis perguntas que se pode chegar à sustentabilidade no meio online. E buscar essa sustentabilidade é questão de sobrevivência para os jornais. Cada vez mais urgente, todavia, vale a ressalva, é primeiramente aos jornais de grandes centros urbanos, onde a internet é plenamente difundida e estável – situação que não ocorre em muitas localidades do interior.
Podem haver diferentes caminhos em relação a nicho, conteúdos e apostas, mas a direção é uma só. O guri que 20 anos atrás buscava jornal de Porto Alegre no mercadinho do condomínio de Tramandaí hoje assina o The New York Times sem nunca ter colocado os pés nos Estados Unidos.