Foi lá pela virada de século (ou de milênio, se preferir). Ainda antes de uma difusão em massa da internet e bem antes de tempos de redes sociais e polarização exacerbada e tóxica. Uma época de ouro para videoclipes, que potencializavam bandas e, consequentemente, as mensagens que suas músicas carregavam.
Nestes tempos, a MTV tinha uma audiência cativa de milhões de jovens brasileiros (na maioria elitizados, reconheçamos) e era um local de sonho para muitos. E, com este poder quase mágico, realizava o Video Music Brasil, o que poderia ser considerado um verdadeiro Oscar da música.
Algumas bandas souberam surfar como poucas naquela nessas ondas. Uma delas, no seu auge, foi O Rappa – que, em 1999, havia lançado “Lado B Lado A”, certamente um dos melhores álbuns do gênero já gravados neste canto de planeta.
Volto a este disco e especificamente às suas letras em memória de Marcelo Yuka, então baterista e um dos líderes da banda. Yuka morreu neste sábado. Pode-se dizer precocemente, só aos 53 anos e com graves problemas de saúde. Com suas letras, ele jogou luz a problemas sociais graves – que já ocorriam e que ainda ocorrem.
Yuka e O Rappa daquela época levaram à MTV e a milhões de brasileiros problemas sociais comuns da periferia. Deram voz a parte considerável da população por meio de outro gênero musical que não o samba e o rap. Uma pegada negra com a guitarra elétrica. No top-10 da MTV.
Vencedor do VMB de 2000, O clipe de “Minha Alma (A Paz Que Eu Não Quero)” é uma pequena obra de arte, tal qual sua letra. No mundo seguro onde há TV a cabo, não é fácil questionar se as grades de condomínios trazem proteção. Ou aprisionam. “Qual a paz que eu não quero conservar para tentar ser feliz?”
E que paz sem voz – resumiu o compositor muito antes de um clima azedo atual – é medo. Não é todo verso que consegue atravessar décadas mantendo o poder da reflexão – e neste caso mantendo-se atual. Yuka fez vários ao longo de sua carreira. Isso é para poucos.
Os anos passaram. A MTV acabou (ao menos como era), assim como o VMB. O Rappa foi esfacelado, com Yuka saindo da banda pouco após essa sequência vitoriosa de prêmios e sucessos. Ficaram sim os ruídos e a impressão de que o Brasil deveria ter ouvido com mais atenção Marcelo Yuka.